"O que eu senti, de imediato, foi o sentimento de cegueira das classes dirigentes"…Lembro-me que tomei conhecimento do AI-5 no meio de uma viagem de ônibus, entre Curitiba e o Rio de Janeiro. Depois de 15 horas de viagem, deparei-me, ao me aproximar do Rio de Janeiro, numa parada, com a manchete dos jornais, noticiando o fato, em todos os seus pormenores, então conhecido. Eu vinha, antes de tomar o ônibus em Curitiba, de uma cidade pequena, onde as informações eram escassas e os jornais chegavam com atraso. É claro que o ambiente era sombrio, mas não tinha a impressão, com as escassas informações que conseguia, que se rompesse, tão cedo a Constituição de 1967.

O que eu senti, de imediato, foi o sentimento de cegueira das classes dirigentes, que supunham que a presença militar no governo poderia ser constitucionalizada. Os setores chamados "liberais" foram os que mais se iludiram (aludo sobretudo à União Democrática Nacional) e, depois de iludidos, associaram-se aos militares, como seus defensores e ocupantes de cargos secundários. Engano sobretudo da classe média, a que pediu 64, mas não percebeu que estava fazendo o papel do aprendiz de feiticeiro. Por incrível que pareça, nesse mar trágico, os únicos que previram o futuro foram os contestadores mais afoitos, tomados pela imprudência de desembainhar a espada sem a menor probabilidade de êxito, que o regime falsamente dizia só poder conter com a ditadura.

*É advogado, autor, entre outros, do livro "Os donos do poder".

Texto republicado no especial "AI-5, quarenta anos", em 10/12/2008
 
 
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