Poucas palavras definem tão bem a percepção que tive do 13 de dezembro de 1968:

 

"A noite desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tampouco os rumores
que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas,
nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos,
a noite espalhou o medo
e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda,
sem esperança…"
A noite caiu. Tremenda,
sem esperança…"

(A noite dissolve os homens)

Drummond trouxe para a minha geração, mais que o mapa, a cartografia do fascismo anterior. E sua poesia ensinou-me outros caminhos de discernir a mecânica da noite, melhor que muitos dos textos teóricos ou políticos que busquei naqueles anos.

De início, a maioria de nós não imaginava a profundidade e a extensão da noite que se abatia sobre o país. Recordo-me de um texto do Marighella em que ele se referia ao AI-5 como "o golpe dentro do golpe". Era uma definição correta e útil para compreendermos o que se passava. Hoje, 30 anos depois, não creio que possamos dizer com Drummond:

"Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
advinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva
noturna.
O triste mundo facista se decompõe ao contato de teus
dedos…"

Há 30 anos eles, os senhores da noite, mobilizaram reservas inimagináveis de escuridão e dor. Mobilizaram a força, a brutalidade. Hoje, a força se despe de toda a escuridão, se ilumina, senta-se ao nosso lado e nos conduz a mão, como um mestre-escola, para compormos juntos as canções do conformismo.


*Poeta

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