Texto sobre os projetos de Vlado na TV Cultura e no cinema.

Vlado começou sua carreira de jornalista em 1959 como repórter de O Estado de S. Paulo, logo depois de se formar em Filosofia na Universidade de São Paulo. Ali ficou até 1965, tendo sido um dos repórteres destacados para a equipe pioneira que foi instalar a sucursal do Estado em Brasília, nos primeiros meses de vida da nova Capital. Exerceu também as funções de redator e, interinamente, de chefe de reportagem do jornal.

Na televisão, ele entrou em 1963, acumulando com o trabalho de jornal, como redator e secretário do “Show de Notícias”, o telejornal diário do antigo Canal 9 de São Paulo,TV-Excelsior. Essa experiência, que o colocou em contato, pela primeira vez com o telejornalismo, foi a base para o passo seguinte de sua carreira. Em 1965, Vlado foi para Londres, contratado pelo Serviço Brasileiro da BBC, como produtor e locutor, prestando colaboração também ao Departamento de Cinema e TV do Central Office of Information, órgão do Foreign Office, na produção e apresentação de programas sobre a Inglaterra, para a televisão brasileira.

Foi ainda durante sua estada em Londres – onde nasceram seus dois filhos, Ivo, de 9 anos, e André, de 7 – que Vlado aprimorou seus conhecimentos de televisão e cinema, cursando, como bolsista indicado pela Secretaria da Educação de São Paulo, o Film and Television Course for Overseas Students, no Centro de Televisão da BBC. O curso (e o estágio de três meses em vários departamentos da BBC-TV) foram (…) logo antes de sua volta ao Brasil, em 1968, mas não para a televisão diretamente. Vlado foi trabalhar na revista Visão, onde ficou durante 5 anos, como editor cultural.

“Desse período de convivência diária – disse o colega que escreveu sua biografia no último número da revista – o mínimo que se poderia dizer do amigo Vlado é de sua integridade e honestidade profissional, traduzindo o rigor com que encarava o trabalho de jornalista: informar e discutir a sua época.

Nisso ele era intransigente”.

Essa intransigência não era só com os colegas ou eventuais colaboradores de sua editoria. O rigor e o zelo profissional que exigia dos outros, Vlado tinha também no seu próprio trabalho: em 1971, quando o ministro da Educação, Jarbas Passarinho, ironizava dizendo que “antes, qualquer prefeito se satisfazia com um chafariz novo na praça; agora, todos querem uma TV-educativa”, Vlado fez uma matéria de capa para a revista Visão – o estudo jornalístico mais completo que se fez até hoje sobre o problema no Brasil. Levou quatro meses esmiuçando livros, acompanhando experiências em vários Estados, assistindo TV toda noite, fazendo entrevistas e, finalmente, escrevendo a matéria.

A mesma seriedade profissional ele levou pára a TV-Cultura em 1972, quando for chamado para secretariar o recém-lançado telejornal “Nora da Notícia” e, ainda, para a Fundação Armando Álvares Penteado, onde deu aulas de telejornalismo na mesma época, e para a Escola de Comunicações e Artes da USP, onde era professor desde o último semestre.

Na TV-Cultura, para onde tinha retornado em setembro, agora como diretor do Departamento de Telejornalismo, Vlado anteviu, finalmente, a possibilidade de comandar um trabalho dentro do conceito que tinha (ver matéria ao lado) da grande responsabilidade social do jornalismo na TV. Não lhe deram tempo.

“ANTONIO CONSELHEIRO”

Vlado tinha uma paixão profissional talvez ainda mais forte do que a própria televisão: o cinema. Seu grande sonho era um filme sobre Canudos, sempre adiado pelos afazeres profissionais. Este ano, ele tinha decidido fazer de Canudos mais do que um sonho e leituras. Ia, finalmente, realizar o seu filme: “Antonio Conselheiro”. Em fevereiro, durante várias semanas, esteve no sertão da Bahia, vendo e fotografando a região, os locais de batalha, o açude de Cocorobó que sepultou a aldeia de Antonio Conselheiro, e entrevistando os raros e velhos sobreviventes da época da guerra. Seu entusiasmo logo se transformou num pré-roteiro. E, mesmo depois de ter assumido a direção do jornalismo da TV-Cultura, que lhe consumia o tempo todo, ainda conseguiu fazer um plano de produção, onde registrou:

“A. memória da guerra resume-se hoje numa cruz de madeira chamada Cruz do Conselheiro, tirada de Canudos pouco antes da inundação do açude elevada para o meio do mato, na periferia de Nova Canudos. Os engenheiros do DNOCS sabem pouco ou nada sobre a guerra de 1897, tendo ouvido o que sabem dos papos com o povo da região. Este tem uma memória confusa e, às vezes nula dos acontecimentos, sem um juízo de valor definido sobre a guerra ou os seus personagens. E há ainda, vivos, alguns contemporâneos do Conselheiro. Hoje, com mais de 90 – e alguns mais de 100 anos – misturaram (nos depoimentos gravados) memórias preciosas com depoimentos delirantes. Os homens variam entre os que reconhecem no Conselheiro um líder carismático e os que concordam ter sido ele “um loco”, bem no figurino de muitas versões oficiais. Entre as mulheres, pelo menos uma opinião unânime: “Era bonito, muito bonito”.

O esboço de produção que Vlado deixou pronto propõe e reconstituição histórica no estilo de documentário-ficção, usando atores e, ao mesmo tempo, os depoimentos que fariam a “memória de Canudos”: ao lado dos especialistas e estudiosos do assunto, um descendente de jagunço, hoje lavrador na zona irrigada de Cocorobó, e a beata Lucinda, de 102 anos, que Vlado entrevistou em Monte Santo e que conta ladainhas do Conselheiro e lembra de tiroteios.

A síntese do seu projeto, como ele o deixou, seria “uma recriação do passado em contraponto com um registro documentário do presente de Canudos”.

“Antonio Conselheiro” era um plano que ele tinha praticamente desde 1963, quando fez um Curso de Cinema Documentário, no Rio de Janeiro, patrocinado pelo Itamarati, em colaboração com a UNESCO e sob a direção do cineasta sueco Arrie Sucksdorf. Naquele mesmo ano, Vlado fez também um estágio no Departamento de Cinema da Universidade dei Litoral, em Santa Fé, na Argentina, que na época, era talvez o principal centro de produção de documentários na América Latina. Quando voltou, Vlado fez seu documentário, “Marimbás”, sobre os pescadores que viviam com suas famílias nas areias do Posto 6, em Copacabana; e, um ano depois, antes de viajar para à Inglaterra, trabalhou como assistente de produção de dois documentários brasileiros, “Viramundo” e “Subterrâneos do Futebol”.

Jornalismo = diálogo, um projeto que ficou

O que Vlado pensava sobre a responsabilidade do trabalho do jornalista na televisão pode ser avaliado pelo plano que ele preparou, a pedido da presidência da Fundação Padre Anchieta, poucos dias depois de assumir a direção do Departamento de Jornalismo. Nesse trabalho, Vlado não se limitou a sua área especifica de atuação; foi mais além: a partir de sua experiência anterior, de quase dois anos, como secretário do telejornal “Hora da Notícia”, da observação acumulada durante três anos de estágio em Londres, durante o qual fez um curso de cinema e televisão, e também de todo o seu contacto e diálogo constante como o mundo intelectual brasileiro, em cinco anos de Editora Cultural da Visão, propôs o que a TV-Cultura talvez ainda possa desenvolver como uma autêntica filosofia de programação. Esse plano, a que ele chamou “Considerações Gerais Sobre a TV-Cultura. foi entregue ao presidente da Fundação e ao secretário de Cultura, José Mindlin e, segundo o próprio Vlado informou a amigos, uma cópia chegou também ao governador do Estado.

O projeto – cujos tópicos principais reproduzimos aqui, tem muitos pontos em comum com as conclusões de um Grupo de Trabalho que estudou a questão da “Comunicação Social do Governo”, na área da Secretaria de Planejamento, ainda antes da posse do governador Paulo Egydio Martins. Esse Grupo de Trabalho concluiu, na parte diretamente ligada à política de programação da TV-Cultura, que a emissora do governo do Estado padecia de alguns defeitos fundamentais, como: indefinição de objetivos, desconhecimento do público a que se dirige, amadorismo na escolha de temas e na própria realização dos programas e alto grau de elitismo que leva a índices de audiência praticamente nulos. E o mesmo Grupo discutia a necessidade de se estabelecer, como o próprio governador já definira, uma política de comunicação social que permitisse, não só a divulgação dos atos e intenções do governo, como também sua discussão e – mais importante ainda – a abertura de um canal de diálogo para a população manifestar aos governantes seus problemas, suas apreensões, suas queixas e suas sugestões. Neste particular é que o estudo encomendado pelo governo do Estado considerava da maior importância a reformulação da programação da TV-Cultura, em especial do telejornalismo, que – no dizer do secretário da Educação, José Bonifácio Nogueira – “tinha perdido a capacidade de noticiar sem se envolver e, o que é pior, esqueceu totalmente o telespectador. Na parte de telejornalismo, passaram a badalar vergonhosamente o governo, sem mostrar os prós e os contras. Enfim, o programa perdeu a imparcialidade “. (Entrevista de Nogueira, ex-presidente da Fundação Padre Anchieta, ao semanário Aqui, São Paulo, nº 1).

O projeto de Vlado para a TV:

Da mesma edição do semanário extraímos pontos principais do trabalho “Considerações Gerais sobre a TV-Cultura “, que Vlado preparou:

” – Jornalismo em rádio e TV deve ser encarado como instrumento de diálogo, e não como um monólogo paternalista. Para isso, é preciso que espelhe os problemas, esperanças, tristezas, e angústias das pessoas ás quais se dirige.

– Um telejornal de emissora do governo também pode ser um bom jornal e, para isso, não é preciso “esquecer” que se trata de emissora do governo. Basta não adotar uma atitude servil.

– Vale a pena partir para uma “jornalistização” da programação da TV-2: mais documentários semanais ou mensais, debates misturados com reporta’ Bens, programas-pesquisa.

– É preciso dotar o setor de jornalismo de recursos técnicos, financeiros e profissionais, para que alimente não só um telejornal diário, mas toda uma gama de programas, direta ou indiretamente, necessitados de trabalhos jornalísticos.”

Entre as sugestões para reformular a estação, Vlado alinhava duas medidas urgentes:

“Criação de um Departamento de Publicidade e Promoção, integrado por profissionais de comprovada competência e que acreditem no papel e nos objetivos da Fundação. O setor levaria informações a outros veículos (jornais, revistas) sobre a nossa programação, estimulando e controlando a sua divulgação. Isso integraria as emissoras da Fundação no contexto dos “mass media” paulista e nacional, afastando assim uma das cortinas de sigilosidade que afastam a público. Por que deixar de divulgar programas exclusivos, reportagens especiais? Nesse setor, deve-se investir seriamente em material humano. Do contrário, acabará como simples serviço de relações públicas.

– Busca de uma “nova imagem” junto ao público. Por defeito de origem, as emissoras da Fundação agridem o público a partir das próprias denominações. Nos Estados Unidos, o canal educativo é chamado “public tetevision”, denominação menos pomposa e agressiva do que “cultural” ou, o que é pior, “educativa”. Mas, se o nome não pode ser mudado, a “imagem” certamente pode. A imagem é derivada da programação como um todo, isto é, é inútil querer “melhorar” este ou aquele programa. É preciso garantir uma média de qualidade e interesse, que reconquiste a confiança do telespectador quando gira o botão para o Canal 2. Ai, então, será preciso cuidar do problema do horário. Pouco adiantará inverter rios de dinheiro num programa, se este for lançado em horário infeliz. A consideração é válida também quando se considera a programação como um todo. Tem sentido querer atrair audiência para um telejornal, se ele for ao ar após uma exaustiva aula de Inglês? Afinal, até os especialistas da Globo reconhecem que os altos índices de audiência do Jornal Nacional se devem ao fato de vir “ensanduichado” entre duas novelas do horário nobre.

– A nova imagem não irá depender de um passe de mágica. Virá de dentro do público, que descobrirá, de repente, que o Canal 2 passou a se interessar por ele.

E, é lógico, isto resultará de uma política de programação, visando objetivos prioritários relacionados com a realidade em que vive a porção de público que se pretende atingir em determinado horário e determinado programa”.

O que ia ser feito

Com base em seu projeto de trabalho, Vlado propôs, um mês antes de sua morte, algumas medidas concretas que seriam o primeiro passo para a consecução do objetivo final de reformular o telejornalismo da TV-Cultura. Num memorando á Assessoria Administrativa da emissora, no dia 14 de setembro, ele propunha:

“Gostaríamos de ver adotadas as seguintes medidas antes de uma reprogramação definitiva:

A partir de outubro de 1975:

a) Cancelamento imediato do “Jornal da Manhã”, por falta de condições minimamente satisfatórias de produção, o que nos impede de assumirmos plena responsabilidade pelo que vai ao ar neste horário.

b) Reexame urgente dos objetivos, conteúdo e horário do “Jornal Agrícola”. Pelos mesmos motivos alegados no item A, tomamos a liberdade de sugerir a suspensão provisória do “Jornal Agrícola” enquanto se procede ao reexame proposto.

c) Redução do tempo no ar do “Jornal da Cidade” (12h30m) para 15 minutos diários.

d) Suspensão da edição de “Hora da Notícia” aos sábados, com substituição imediata por uma edição única de 15 minutos de “TV 2 Notícia”.

e) Reexame da programação de noticiosos da Rádio”.

(Esta parte da proposta foi aprovada e todas as sugestões foram aplicadas pela Direção da TV-Cultura)

A partir de janeiro de 1976:

a) Caso já tenhamos estúdio próprio, mudança de formato do jornal das 20h55m (30 minutos), que passará talvez a ser denominado “Jornal da Noite”.

b) Substituição das edições de 3 minutos de TV 2 Notícia por duas edições noturnas de 10 minutos cada, de “Hora da Notícia” (em torno das 19 e das 23h). Aos domingos, uma edição única de 10 minutos, no horário noturno (a ser estudado).

c) Lançamento de um “Jornal Infantil”, de 10 minutos, no período da tarde, em horário a ser estudado.

d) Lançamento de um programa telejornalístico semanal (30 a 45 minutos), tipo “revista”.

Obs: – A exequibilidade dos planos relativos aos itens a, b e c, propostos a partir de janeiro de 1976, dependerá da criação de uma infraestrutura técnica e humana compatível com o grau de qualidade que caracterizará as futuras emissões telejornalisticas”.

(Esta parte da proposta estava em discussão com a Direção da TV-Cultura quando Vlado morreu).

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