Uma breve análise sobre a greve dos jornalistas em 1979.

Por Perseu Abramo

O final dos anos 70 constitui um ponto de inflexão na história da classe trabalhadora brasileira. Depois de três lustros de ditadura, os setores assalariados urbanos mais organizados irrompem no cenário político com reivindicações, protestos, manifestações, paralisações. É nessa onda do ressurgimento do movimento sindical combativo que os jornalistas, como tantas outras categorias, decidem ir à greve em 1979. Duas foram as motivações básicas da decisão: a primeira, a luta por melhores condições de trabalho; a segunda, com o clima geral do país naquela época, todo mundo entrava em greve.

Mas, ao contrário de “todo mundo”, os jornalistas passaram esses últimos dez anos amargando a imagem de uma greve fracassada. E por que essa imagem negativa? Porque, durante os dias de greve, os jornais não deixaram de circular; ao contrário, circularam cobrindo a greve. E também porque, no último dia de greve, a categoria saiu sem nenhum centavo a mais no bolso, e com o prejuízo de centenas de demitidos. E, no entanto, enquanto durou, a greve dos jornalistas de 1979 foi uma das mais coesas, unidas, totais e completas não só da categoria, mas do conjunto dos trabalhadores. O que não deu certo?

A sua brandura. A greve de 1979 foi uma greve suave, boazinha, civilizada, “moderna”, quase britânica na preocupação com o ritual dos processos decisórios internos, inteiramente sui generis no zelo ético ao tratar os adversários, completamente indulgente no juízo das defecções e vacilações. Foi uma greve cordial, bom-mocista, camarada, “adulta”, que fazia apelos ao patronato e admoestações aos fura-greves. E encontrou pela frente patrões que — por decisão própria, inspiração alheia ou determinação superior — resolveram usar a greve dos jornalistas como um dique à onda neo-sindicalista, um marco zero emblemático para uma nova era nas relações trabalhistas, um exemplo modelar de advertência do senhor contra seu servo. Para isso não hesitaram em utilizar todos os recursos: a convocação da polícia, a ameaça de atropelamento, a demissão sumária, a suspensão e o ostracismo, a lista negra, a perseguição profissional e política, a infração à legislação do trabalho, a ameaça, a chantagem, a cooptação. A greve de 1979 marcou a história dos jornalistas. Mas marcou também a de seus patrões.

Hoje, a conjuntura é outra. O jornalismo é diferente, os jornalistas são diferentes. Seria muito improvável que, na situação atual, a categoria se dispusesse a fazer uma greve para melhorar as condições de trabalho, ou para seguir uma tendência geral da classe trabalhadora. Mas se acaso os jornalistas quiserem fazer nova greve, devem pôr em prática a lição que os patrões lhes deram em 1979: ninguém dentro das redações, nenhum jornal fora das redações.


Publicado no Jornal Unidade, em junho de 1989