Lembrar os eventos em torno do AI-5 é para mim, como para alguns, um pesadelo. Alguns não sobrevivem psicologicamente, outros como eu, que não sofreram tortura física, conseguiram apagar e tocar para frente. Foi com essa atitude, que saindo do "estágio militar obrigatório" de 1964, retomei com maior energia meu trabalho. De 1964 a 1969 foram anos produtivos entremeados com lutas homéricas, quando ficou patente que, no caso da Universidade, os militares foram agentes voluntários. O que se passou nos meios acadêmicos e intelectuais foi orquestrado pelos nossos "colegas", mais por medíocres interesses pessoais do que por motivação política, o que não é justificativa para aqueles que concordavam em ser os executores.

Em 1969, quanto voltava para casa com um convidado estrangeiro, deparei com minha mulher na porta de casa. No táxi havia ouvido sobre o AI-5. Estava proibido de exercer minhas atividades, aquelas para as quais o Estado me pagava e todas as outras que exercia voluntariamente.

Só me restava abandonar o país. Na manhã seguinte fui ao meu escritório na Universidade. A montanha de papéis que era absolutamente indispensável ontem não tinha mais qualquer sentido ou valor… Não encontrei nada que quisesse levar ou preservar e saí como entrei… Naquela noite viajei para o Rio e parti sem ter problemas, pois o sistema não era competente nem para vigiar os aeroportos.

Nunca pensei em voltar para a USP, onde tinha cumprido meu dever formando oito professores e uma dezena de doutores – que me honram, todos, como filhos intelectuais; alguns são, obviamente, melhores do que eu.

Na realidade não esperava mas decidi voltar, pouco tempo antes da anistia, certo de que este continuava sendo o país onde tudo estava por fazer e era fácil achar um nicho para prestar serviços (sem ter de aceitar o perdão) e deles obter satisfação de contribuir para o progresso.

*Diretor do Instituto Butantã

 

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