"A greve de 80 foi um momento alto contra as injustiças, a exploração e a ausência de liberdade. Todas as lutas anteriores foram colocando um tijolinho a mais na tarefa de quebrar com a situação de ditadura."

"A greve de 80 foi um momento alto contra as injustiças, a exploração e a ausência de liberdade. Todas as lutas anteriores foram colocando um tijolinho a mais na tarefa de quebrar com a situação de ditadura."

Eu queria, em primeiro lugar, dar meus parabéns à Fundação Perseu Abramo pela iniciativa de resgatar os momentos importantes da história da classe trabalhadora. Além do lado emocional, que é gratificante, o lado histórico é fundamental. Eu não sou daqueles que falam que o sindicalismo surgiu depois da nossa participação, ou seja das greves de 78, 79, 80, mas também não é de se desprezar porque foi dos movimentos mais importantes para a retomada da chamada democracia. Eu penso que os movimentos dos anos 80 deram uma contribuição extraordinária nesta retomada em busca da democracia. Foram momentos muito importantes, eu acho que valeu ali pela participação, pelo caráter das pessoas confiarem na gente, com figuras importantes que aí estiveram presentes. Eu sempre fico emocionado porque foi uma luta pura, a pureza valeu ali. Eu acho que nós nomeamos, naqueles anos de 75, 76, 77, 78, 79, 80, nomeamos naquele momento um inimigo que era o caso da ditadura militar. Então, a gente sabia se unir, sabia ter espírito de unidade e enfrentar tudo o que vinha pela frente. Todos os movimentos que estavam acontecendo há 20 anos atrás, tanto na cidade como no campo, foram super-importantes no combate à ditadura e no combate à exploração capitalista. De norte a sul do país, pipocavam movimentações operárias, movimentações populares, movimentações no campo, movimentações contra a carestia, contra as torturas, etc. etc.

A greve de 80 foi um marco na história do Brasil. Quando a gente viu, naquele 1º de Maio de 1980, o Exército bater em retirada da praça da Matriz, a gente explodiu porque foi uma vitória. Quando a gente viu que as metralhadoras baixaram, quando a gente viu os cães ferozes colocarem o rabo entre as pernas, quando a gente viu os helicópteros sumirem do céu, quando a gente viu os “espinha de peixe” voltarem para as suas casernas, aquilo foi emocionante. Ali estavam em torno de 100 mil pessoas, pressionando, e acabaram saindo em passeata pelas ruas até ocupar a praça. Sem falar nos milhões de trabalhadores do Brasil afora, que comemoraram com a gente. Aquilo foi uma demonstração de força. Aquilo foi um grito, um basta a uma ditadura que prendeu, torturou, processou e matou.

Mais uma coisa eu quero lembrar aqui e registrar: foi a solidariedade do povo. Eu fui um dos que esteve à frente do FUNDO DE GREVE. Todo o mundo mandava a sua solidariedade. Era um copo de óleo, 1 quilo de arroz, um saco de batata, um pacote de macarrão, um saquinho de feijão, de farinha, etc. E não era só do ABC, não. Era de toda a Grande São Paulo, do Estado e do Brasil. Vinha de todos os cantos pequenas e grandes cargas de alimentos. E a gente tinha que tomar cuidado porque a repressão da ditadura brecava as Kombis e caminhões que traziam mantimentos. O pessoal usava da inteligência e driblava a repressão. Nesta solidariedade juntou o movimento de bairros, de favelas, de igreja, de oposições sindicais, enfim, vinha ajuda de todo o lado das classes populares.

É interessante que a greve de 80 mostrou mais uma vez na história que o povo é o grande solidário do próprio povo. É por isso que os donos do mundo, as multinacionais e o seu braço armado, a ditadura, começaram a sentir que estavam sendo minados pela força dos trabalhadores e do povo em geral. E tudo isso era resumido numa única frase histórica: “TRABALHADOR UNIDO, JAMAIS SERÁ VENCIDO!”

Outro ponto que eu gostaria de colocar é que as lutas dos anos 80 mostraram o quando a classe trabalhadora é capaz. A mobilização e a organização se dava em diversos níveis: era ao redor dos Sindicatos chamados na época de combativos, era no surgimento e consolidação das oposições sindicais, era nos movimentos de bairro, nas favelas, nos trabalhadores rurais, na organização político-partidária, etc. A greve de 80 foi um momento alto contra as injustiças, a exploração e a ausência de liberdade. Todas as lutas anteriores foram colocando um tijolinho a mais na tarefa de quebrar com a situação de ditadura. Agora, a greve de 80 foi um tijolaço. E aqui eu não poderia deixar de citar a greve da SCANIA como um movimento que fez o papel de abrir a porteira. Eu acho que a greve da SCANIA, em 12 de maio de 1978, deu um sinal muito forte no sentido de que era preciso mudar o sistema do país. Eu acho que tentar organizar uma greve naquele momento era um pouco de loucura. A greve foi inteligente, foi muito inteligente, modéstia à parte, aquela greve foi de uma inteligência extraordinária. Nós tivemos que organizar a greve sem que a empresa soubesse, de jeito nenhum, se soubesse iria por água abaixo. Então, nós tivemos que organizar em 3 dias e já começar com as máquinas paradas. E a greve aconteceu e foi batizada e reproduzida como sendo a greve dos “BRAÇOS CRUZADOS, MÁQUINAS PARADAS.”

Olha, cá prá nós, naqueles anos 80 nós fizemos a nossa parte no sentido de ter uma esperança de um Brasil melhor, um Brasil humano. E nós não paramos por aí, não. Criamos comissões de fábrica, participei da organização do Partido dos Trabalhadores e tive a felicidade de ser Prefeito de Diadema, primeiro prefeito operário do Brasil. A questão de ter sido eleito prefeito de Diadema em 1982 foi um salto de qualidade na luta política. Nesse ponto, Diadema foi um marco em termos de ADMINISTRAÇÃO POPULAR E DEMOCRÁTICA. Foi ali o berço e o laboratório de uma nova estratégia de poder local, exercido com o poder do povo e voltado para os interesses populares. As dezenas e dezenas de Administrações Populares, que vieram e se multiplicaram a partir especialmente de 88, se espelharam na experiência bem sucedida de Diadema.

Finalmente, eu quero concluir meu depoimento retomando um pequeno trecho da “CARTA 12 DE MAIO: VINTE ANOS DE LUTA”, divulgada e comemorada no 1º de Maio de 1998, na Praça da Moça, aqui em Diadema, com ampla participação popular. Foi a comemoração dos 20 anos de luta, greve da SCANIA da qual participei e ajudei a organizar com meus companheiros. A carta terminava assim (e aqui termino também meu depoimento):

‘’É preciso agora soltar um grito mais forte, um grito mais amplo do que nosso grito de vinte anos atrás.

Companheiros e companheiras, esta é a nossa conclamação ao lançar nosso olhar para as lutas do período de 78/80. Lá, mostramos nossa capacidade, competência e garra para romper com o cerco ditatorial. Hoje, aqui, somos chamados a romper com o cerco do neoliberalismo globalizado. Loucura? Não! É a continuidade da luta de classes rumo a uma sociedade igualitária.”
Abril/2000

* Gilson Menezes, foi Presidente do Fundo de Greve de São Bernardo e Diadema; atualmente Prefeito do Município de Diadema, em segunda gestão.