Almino Affonso
A trinta anos do AI-5
Depois de quatro anos e meio de exílio, em sua maior parte vividos no Chile, eu havia decidido regressar ao Brasil, arrostando as eventuais conseqüências. Eu era, à época, expert da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Santiago. Tendo renunciado ao cargo, recebi instruções para ir a Genebra, apresentar o relatório de meu trabalho: um longo estudo sobre o movimento camponês chileno.
Acertara com o governador Miguel Arraes, exilado na Argélia, nos encontrarmos em Paris, de maneira a entendermo-nos sobre a continuidade da luta no País, já que ambos fazíamos parte da Frente Popular de Libertação Nacional.
A caminho de Genebra, soube da decretação do Ato Institucional nº 5. Quando o telefone soou, de manhã cedo, naquele 14 de dezembro de 1968, estranhei a voz de Violeta Arraes: era indisfarçável sua ansiedade ao dar-me duas notícias: o governador já estava em Paris e me aguardava para o almoço; e a "bomba", explodindo em mil estilhaços…
À hora do encontro com Arraes, já era clara para mim a extensão do AI-5; faltava-me, porém, saber as razões que haviam levado o presidente Costa e Silva a dar um "golpe" dentro do "golpe de 64". De todo modo, a ilusão do meu regresso rolava encosta abaixo, como imperativo do mais elementar bom senso.
À noite, em casa de Violeta e Pierre Gervaiseau, reuniram-se as principais personalidades no exílio em Paris: Mário Pedrosa, Celso Furtado, Waldir Pires, Josué de Castro, Luciano Martins, Luís Hidelbrando Pereira e o governador Miguel Arraes. Sobra dizer que eu também estava ali, desarrumando, mentalmente, as malas e os caixotes do retorno frustrado.
Varamos a noite, perdidos em intermináveis análises. A conclusão era uníssona: o AI-5 formalizara a legalidade fascista. Mas, ao mesmo tempo, jogara lideranças do porte de Juscelino Kubistcheck e Carlos Lacerda, de maneira incontornável, no amplo espectro das oposições…
Tudo o mais foram conjecturas, que se estenderam ao longo de mais de uma década: muitos de nós no exílio e tantos outros nos subterrâneos da clandestinidade, ousando fincar os esteios da resistência armada, heroicamente.
Foi nesse clima, naquela noite distante, que se deu um fato insólito: às tantas, levantou-se o Mário Pedrosa e convocou-nos a cantar o "Hino Nacional". Olhamo-nos, em evidente desconcerto. E o Mário começou, com a voz rouquenha, confiante do significado daqueles versos admiráveis de Geraldo Vandré:
"Vem, vamos embora, que esperar não é saber: quem sabe faz a hora, não espera acontecer…"
*Advogado, deputado federal (PSB/SP), ex-ministro do Trabalho e da Previdência Social. Foi secretário dos Negócios Metropolitanos e vice-governador de São Paulo. Teve seu mandato de deputado federal cassado em 1964. Ficou exilado durante 12 anos.