A ABI e o Sindicato estão unidos na mesma luta
Por Prudente de Moraes Neto (Pedro Dantas)
O recrudescimento das medidas de repressão à liberdade da Imprensa, quer no que diz respeito à manifestação do seu pensamento e ao exercício do seu dever de informar, quer quanto à liberdade física da pessoa dos seus profissionais, criou, desde os primeiros dias de outubro, e especialmente em S. Paulo, um clima de insegurança e de apreensões que não poderia deixar de estender-se a toda a Nação.
Na liberdade de imprensa tem a opinião pública o melhor termômetro da situação nacional. Daí a solidariedade que nunca recusou aos seus jornais e revistas, quando os percebe ameaçados e amordaçados. A censura intoleravelmente discriminatória, vigente no país, e as sucessivas e numerosas prisões de jornalistas, efetuadas em S. Paulo principalmente, desde os primeiros dias de outubro, vinham alarmando as redações e inquietando a consciência de todas as classes numa Nação de inquestionável vocação liberal.
A tudo isso, acresce que há fundadas razões para temer que aos jornalistas, detidos para averiguações, não seja dispensado o tratamento que lhes assegura a lei. Pelo contrário, a norma da incomunicabilidade, até mesmo com seus advogados, os interrogatórios a portas fechadas, sem testemunhas e em lugar ignorado, o inadmissível sigilo quanto ao paradeiro dos detidos, de cuja destinação e integridade muitas vezes não há quem se reconheça responsável, são fatos que, só por si, autorizam as mais tenebrosas suposições.
Em defesa dos pacientes, não há, no momento, remédio judicial eficaz e imediato. Para quem apelar? As famílias atingidas, em desespero, recorrem aos órgão da classe: os Sindicatos de Jornalistas, a Associação Brasileira de Imprensa, que nada podem fazer senão dar ressonância aos apelos, retransmitindo-os às autoridades, ao Governo e fazendo-os ecoar na consciência liberal e democrática do Brasil. O que se consegue por essa via, e que não é muito, mas sempre é alguma coisa, aqueles órgãos de classe o devem exclusivamente a uma força que, a todo custo, é imprescindível preservar: a da sua autoridade moral.
Não são órgãos partidários, não são favoráveis ou contrários a esta ou aquela posição política ou ideológica, não apóiam ou contestam linhas de ação política. São representativos de sua classe, apenas, defendendo-lhe as prerrogativas que condicionam o desempenho profissional, no cumprimento dos deveres da Imprensa, em sua missão democrática, em sua finalidade social. Com essa autoridade e essa responsabilidade, os órgãos da classe dirigem-se ao Governo, em todos os seus escalões, para clamar pelo respeito aos direitos fundamentais da Imprensa e dos jornalistas, como profissionais, como cidadãos, como pessoas humanas. Suas reivindicações nesse sentido hão de ser medidas e comedidas, para que não as desmereça, notadamente aos olhos a que se dirigem, o escorrego do menor excesso. Para seu vigor mesmo, as reivindicações e os reclamos da nossa classe requerem o senso da medida e o justo equilíbrio das posições.
Tal comedimento, sempre difícil de manter, atinge às proporções de um desafio, quando os fatos nos colocam diante de uma situação como a do trágico desfecho do interrogatório a que foi submetido nosso saudoso companheiro, o jornalista Wladimir Herzog, falecido em estranhas circunstâncias, quando sob custódia das autoridades de certo Departamento especializado, do II Exército. Se a emoção popular foi o que se sabe e o que se viu, o que dizer do sentimento da classe diretamente atingida, na pessoa de uma figura destacada, como a do companheiro desaparecido naquelas circunstâncias?
Foi nesse grave momento, por força desse terrível episódio, que é dos mais dolorosos da história do nosso jornalismo, que o Sindicato dos Jornalistas profissionais de S. Paulo, sob a presidência e a inspiração de Audálio Dantas, adquiriu verdadeira projeção nacional. A conduta do Sindicato, a partir da divulgação do lutuoso fato, foi simplesmente modelar. Nenhum esmorecimento em sua atitude.
Nenhum excesso em sua veemência. Sem deixar de ser vigorosa, como necessária, essa conduta foi e continua marcada pela firmeza de uma serena maturidade. As providências adotadas, as notas emitidas pelo Sindicato paulista, as palavras de seu presidente, jornalista Audálio Dantas, assinalaram-se pelo alto senso das responsabilidades do momento. O Sindicato dos jornalistas Profissionais de S. Paulo tem mãos ao leme. Por seu Presidente e toda sua Diretoria, desde que a situação da Imprensa se agravou, configurando uma verdadeira crise das suas liberdades, vem mantendo uma linha impecável.
Solidária com o Sindicato paulista, compartilhando com ele as mesmas apreensões e as mesmas angústias, o mesmo luto e a mesma dor, a Associação Brasileira de Imprensa participa também das suas reivindicações e dos seus propósitos, reclamando igualmente os esclarecimentos indispensáveis para dar satisfação à opinião do país; e para que se elimine definitivamente as condições que tornam possíveis acontecimentos como o que vitimou Vladimir Herzog sejam quais forem as causas imediatas da sua morte.
A ABI e o sindicato estão unidos na mesma luta pela redenção das liberdades da Imprensa, que abrangem as atividades jornalísticas e os direitos humanos de cada um dos seus profissionais.