E voltou. Para tornar-se um dos maiores escritores brasileiros de sua geração

CARLITO MAIA – LÁ VAI O AMIGO DO CHAPLIN

De repente, um velho amigo se vai. Como no soneto do Vinícius, faz-se do amigo próximo o distante, de repente, não mais que de repente. A tensão com que Roberto Drummond vivia a vida dava a impressão de que ela estava pregada a ele para sempre. Sua sangüínea paixão por ela não nos deixava acreditar que Roberto pudesse abandonar o ato de viver assim, de repente, não mais que de repente.

Os amigos se vão sem que a gente consinta, sem que a gente queira. Poucos dias antes da sua partida, um outro velho e querido companheiro decidiu, também, deixar-nos órfãos do seu permanente carinho. Carlito Maia, ao contrário do Roberto, talvez por excesso de generosidade, resolveu partir devagar. Foi deixando a vida aos poucos, deixando-nos antever pedaços dela apenas no seu olhar, que nos dizia que ele estava atento a tudo em sua volta. A cada gesto ou palavra de seus amigos, ele aceitava com nítida resignação o fato de não poder devolver nossos abraços nem nos deixar ouvir suas respostas. Era preciso aprender a ler os seus olhos, como Teresa, seu anjo da guarda, sabia ler e o fez por seus amigos, enquanto durou sua longa finição.

Como a gente sempre acaba dizendo nessas horas, não convivi com eles o tanto gostaria. Carlito em São Paulo, Roberto em Belo Horizonte e eu no Rio, acredito que os três sabiam que éramos entidades fraternas. Conheci o Carlito quando o Carlos Prósperi me chamou a São Paulo para fazer a arte de um anúncio da agência que ele tinha com o Magaldi e o Carlito Maia, a Jovem Guarda. Foi o primeiro prêmio que ganhei neste mister. A partir daí ganhei também sua amizade, suas flores, seus bilhetinhos de amor.

O Roberto, eu conhecia de ouvir falar, pois somos, os dois, do Vale do Rio Doce. Ele, já fazendo sucesso no jornalismo em BH, veio para o Rio ser pauteiro do Jornal do Brasil, onde eu já estava. Uma noite, na Praça do Lido, em frente ao mar de Copacabana, o mar bramindo – não muito que ele não brame muito ali – descobri-o sentado na calçada da praia, o olhar perdido no negro horizonte. Ele me explicou que eu não poderia entender o que estava se passando, ele queria voltar, o mar não era um túmulo digno para as suas angústias. E voltou. Para tornar-se um dos maiores escritores brasileiros de sua geração.

A vantagem de se viver mais do que o devido é ter histórias como estas para contar, é ter vivido momentos assim. Dói, é certo, deixá-los para trás, mas temos que considerá-los como compensações existenciais.

É, todavia, reconfortante poder dispor destas duas páginas para, juntando mais alguns amigos e conviventes, prestar a devida homenagem a estas duas figuras, cujas presenças em nossas vidas se transformaram – em nossas biografias – num privilégio sem adjetivos.

Publicado no PASQUIM nº 20 – 02 a 08 de julho/2002

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