“Percebi nas minha andanças pelo país, na coordenação do Movimento pela Anistia – com o grande Teotônio Vilela – que o Brasil estava pronto para mudar”.

Em junho de 1983 apresentei e o PMDB aprovou uma proposta para debatermos a questão das eleições diretas. Usei na minha proposta – creio que pioneiramente – a expressão “Diretas Já”. Meu objetivo era apressar o processo de democratização, rompendo o cronograma da distensão lenta e gradual que nos havia sido imposto pelo governo militar. Minha proposta visava acabar com as alterações políticas que se davam por concessões do Estado em favor de reformas discutidas e votadas pelo Congresso.

Percebi nas minha andanças pelo país, na coordenação do Movimento pela Anistia – com o grande Teotônio Vilela – que o Brasil estava pronto para mudar. O avanço democrático era irreversível. O regime estava nas últimas por causa de lutas internas. A antiga linha dura, contida pelo presente Geisel, tinha voltado à ativa, como ficou claro no caso do Riocentro, quando foi montada uma farsa para acobertar os autores do atentado.

Achei que o PMDB deveria ir para a rua com a bandeira das “Diretas já”, cobrando eleições diretas imediatamente, já em 1984, na sucessão de Figueiredo. Isso significava uma alteração radical na ordem cronológica da redemocratização. A maioria dos oposicionistas achava que tudo teria de começar por uma Assembléia Constituinte. Mas eu julgava que a sucessão presidencial de 1984 seria uma bela oportunidade para avançarmos porque, ao contrário das eleições anteriores, o Exército não tinha um general indicado para o cargo de presidente. Além disso, o partido de situação também não tinha um bom nome civil. Mas, apesar da falta de consenso entre os militares, havia no Congresso grupos que queriam chegar a Presidência sem depender do voto popular.

O fim do regime ficou patente quando o Movimento Pelas Diretas Já começou a arrastar multidões às ruas em comícios como nunca se tinha visto antes no país. O Governo, às pressas, montou uma proposta indecente. Se a sociedade civil desistisse das “Diretas já”, eles garantiriam a aprovação de uma emenda constitucional estabelecendo eleições diretas em 1988. Na verdade, eles queriam apenas ganhar um último presidente “nomeado”.

A oposição não aceitou. Partimos para a votação no Congresso, pois era cada vez maior o número de gente do PDS que se integrava à idéia das “diretas já”. Casualmente, havia no Congresso uma emenda de um jovem deputado por Mato, Grosso, Dante de Oliveira, que previa eleição direta para a Presidência. Era uma proposta entre provocativa e audaciosa. Logo a proposta de Dante de Oliveira foi assumida pela sociedade civil.

Por consenso dos meus companheiros, tive a honra de ser o coordenador nacional da campanha das “Diretas já” dentro do PMDB. Nunca sequer imaginei que fosse possível um movimento popular crescer tanto, tão rapidamente. A ânsia de liberdade movimentava aquelas multidões.

É importante lembrar que tudo se deu na maior paz, sem um único incidente, sem a menor provocação. Pessoas de todas as classes e opções ideológicas aderiam ao movimento. A cobertura de mídia foi crescendo de comício a comício. Passamos das 40 mil pessoas de Londrina, no Paraná, no comício de 2 de abril de 1984, ao milhão do comício do Rio, em 10 de abril. Alcançamos 1,7 milhão de São Paulo, dia 16 de abril.

Na votação da Emenda de Dante, na Câmara dos Deputados, foram 298 votos “sim” e 193 “não”. Ganhamos, mas não levamos, pois não alcançamos o quórum de dois terços, exigido no caso de emenda constitucional.

O Governo decretou Medidas de Emergência a serem executadas em Brasília pelo general Newton Cruz, Comandante Militar do Planalto, nos dias que antecederam a votação da Emenda Dante de Oliveira no Congresso. Essas Medidas de Emergência se transformaram num grande fiasco porque foram desafiadas pela gente de Brasília que promoveu o primeiro “panelaço” do país.
Foi com a campanha das “Diretas já” que o país se reencontrou com a democracia. Foi por causa dela que acabamos, em 1985, elegendo Tancredo Neves, em eleição indireta.

A votação da emenda das Diretas ocorreu no dia 25 de abril. Já no dia seguinte teve início uma articulação para que a Oposição apresentasse um candidato à Presidência da República capaz de representar a vontade de mudança.

Acredito piamente que, se tivéssemos tido eleições diretas em 1984, ninguém venceria o Doutor Ulysses Guimarães porque, durante o movimento, ele havia se tornado no “Senhor Diretas”. Mas, no ano seguinte, quando a eleição teve que ser indireta, a situação mudou. Na eleição indireta, o nome mais forte era o de Tancredo Neves.

Foi uma etapa muito difícil para o Doutor Ulysses. A mudança de um nome por outro, para a disputa pela Presidência, foi muito rápida. Num certo momento, Ulysses era o centro, o líder, o comandante. Mas, de repente, foi o nome de Tancredo Neves que se tornou consensual. O pior dessa situação para o Doutor Ulysses é que dependia dele administrar e conduzir as ações que acabariam por viabilizar a candidatura Tancredo.

Dou aqui o meu testemunho: o doutor Ulysses se portou com grande altivez e dignidade, como era do seu feitio. Quando a situação se reverteu em favor de Tancredo Neves, ele não vacilou. Abriu mão da sua candidatura à Presidência e foi coordenar a candidatura de Tancredo. Sei que estava sofrendo, mas como político experiente ele compreendia e aceitava a realidade. Por um tempo muito longo, acompanhei a forte amizade que uniu o Doutor Ulysses e Tancredo Neves. Os dois se completavam. Tancredo Neves era o bom senso, o equilíbrio, a organização e o método. O Doutor Ulysses era o impulso, a garra, a vontade. Cada um com seu estilo, foram grandes líderes políticos.


Pedro Simon é Senador (PMDB-RS).

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