O que significa ir ao colégio eleitoral – junho/1984
Leia texto de José Dirceu.
Ir ou não ao Colégio eleitoral é para muita gente apenas uma questão moral e de princípio. Com base neste raciocínio, argumentam que a política exige mudanças de tática; ou seja, para derrotar o inimigo somos obrigados a usar suas próprias armas. Nessa linha de raciocínio, para derrotar o malufismo, vale tudo. Até mesmo submeter-se às regras do espúrio, ilegítimo e corrompido Colégio.
O primeiro a considerar é que o Colégio não representa a única alternativa. Foram as forças moderadas e conservadoras do PMDB, com a cobertura e apoio do PCB, MR-8 e com o silêncio do PC do B e dos chamados peemedebistas autênticos, que optaram por este caminho. Já antes da votação da emenda Dante de Oliveira, estes setores, temerosos de que a mobilização popular levasse a campanha das diretas paras formas de lutas mais avançadas como uma paralisação nacional, correram para Brasília a fim de negociar com o regime um “candidato de consenso”, no caso Aureliano Chaves ou Tancredo Neves.
Para o povo, a campanha das diretas significa o fim do regime, da recessão, da dívida externa, da inflação, da corrupção, do arrocho salarial, do desemprego. Mas, para os setores hegemônicos no PMDB, tratava-se de realizar a transição “consensual”, sem rupturas do regime e também de defender os interesses dos setores do grande empresariado que eles representam. Daí as reiteradas declarações de Tancredo sobre a conciliação, suas negociações com o regime e sua opinião às mobilizações populares.
No momento em que se tornou evidente a divisão do regime e que o PDS implodiria com o assalto das tropas malufistas, o PMDB articulou a Aliança Democrática com a Frente Liberal e com a dissidência do regime representada por Geisel, Aureliano e Armando Falcão. Abandonou as mobilizações e optou pelo Colégio, onde a Frente Liberal lhe garantiria maioria.
Mas qual é o preço e quais são os riscos desta opção? O preço é a desmobilização popular, a transição por cima, conservadora e elitista. O preço são os compromissos com setores do regime e da oligarquia do PDS, que mantêm o país sob tutela militar. Os riscos são a vitória de Maluf ou uma intervenção militar, coisas que jamais aconteceriam com a continuidade da campanha das diretas, das mobilizações e com o crescimento da consciência do povo. Hoje, aliancistas e malufistas querem regular o Colégio Eleitoral; Tancredo teme a renúncia de Maluf, alegando que criaria uma crise institucional; aceita a tutela militar e a exploração do anticomunismo. De recuo em recuo, pode até terminar no “consenso nacional”, com apoio até das Forças Armadas.
Hoje, a perspectiva de luta da oposição democrática e popular deve ser a de não compactuar com a chamada Aliança Democrática e a eleição no Colégio Eleitoral. E é bom lembrar que basta o PMDB querer e o Colégio não será regulamentado. Se isto ocorrer, assume a Presidência da República, em 15 de março de 1985, o presidente da Câmara dos Deputados, que pode ser eleito pelas oposições. Outra possibilidade é continuar exigindo que o senador Dalla coloque em votação a emenda Teodoro Mendes, além de apresentar subemenda de diretas já na emenda Carone.
É importante, sobretudo, constituir um bloco popular e democrático que aglutine partidos, sindicatos, entidades e associações para colocar-se em oposição à transição controlada pela tutela militar e dirigida pelos grandes grupos econômicos e oligarquias políticas. Para nós, o que conta realmente é a democratização do país, com liberdade partidária e sindical, com eleições livres e diretas, com direito de greve e autonomia sindical, fim do imposto sindical e do atrelamento ao Ministério do Trabalho. Mudanças econômico-sociais, rompimento dos acordos com o FMI, reforma agrária, e, principalmente, fim da tutela militar.
É preciso neste momento discutir e debater estas questões e não aceitar a chantagem do antimalufismo e denunciar aqueles que mobilizam o povo para que o povo não se mobilize por seus verdadeiros interesses. Ou não é isto que fazem os aliancistas, ao discursarem sobre diretas – como em Goiânia – com candidatos ao Colégio Eleitoral? Do modo como vem caminhando, o PMDB tende a se tornar um engodo para manter o povo apoiando eleitoralmente as novas elites dominantes do país. Não foi exatamente isto que aconteceu em São Paulo com a eleição de Franco Montoro?
O governo Tancredo será um arremedo do regime vigente e a frustração popular será transformada em luta política e social, porque o Brasil de hoje é outro; a campanha das diretas foi uma escola e a sucessão indireta, se de fato ocorrer, não ficará impune.
JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA
Secretário geral do PT/SP