Carlito Maia foi tudo intensamente no tempo que viveu: foi um dos primeiros animadores da Jovem Guarda e deu nome ao movimento daqueles roqueiros brasileiros dos anos 60

Morre Carlito Maia, o Brasil perde um de seus melhores amigos

É difícil não chorar diante da morte de Carlito Maia. Ele certamente recusaria o gesto. Mandaria um bilhete curto e engraçado. Mas neste ano tenso, Carlito Maia é uma lacuna para o país e para o humor.

Carlito Maia escrevia a máquina, sempre, até o fim da vida. Escrevia bilhetes curtos com frases de efeito e pensamentos cortantes, amorosos, irônicos ou políticos (não raro tudo junto).

Uma pessoa conhecia Carlito Maia num primeiro encontro simpático. Trocavam endereços. E Carlito nunca mais a abandonava. Numa hora de dor, estava ali um bilhetinho carinhoso. Num dia de festa, um grande buquê de flores. Sempre Carlito Maia por dentro. E por fora um envelope com o logotipo da Rede Globo.

Esses carinhos embalados com o timbre da emissora carioca desarmavam os espíritos de seus amigos de esquerda em relação à emissora que simbolizava a ditadura como uma espécie de braço desarmado do regime. Ora, como era possível aquela emissora careta manter aquele subversivo dos versos em sua folha de pagamentos? Mas era isso mesmo, a Globo o protegia e ele à Globo.

Carlito Maia foi tudo intensamente no tempo que viveu: foi um dos primeiros animadores da Jovem Guarda e deu nome ao movimento daqueles roqueiros brasileiros dos anos 60. Foi dos primeiros animadores do PT e foi um dos primeiros animadores de quase tudo que acontecia de novo em São Paulo entre os anos 1960 e 2002.

Uma vernissage, um lançamento de livros, uma festa, um evento social qualquer com presença de intelectuais, publicitários ou artistas e de repente aparecia um portador trazendo um buquê de flores (quase sempre brancas ou amarelas) em um envelope da Rede Globo, um bilhete carinhoso de Carlito Maia. Nos últimos anos, ele se desculpava alegando um motivo de "força menor". A doença que tirava sua capacidade de sair de casa não diminuía o humor.

O Brasil perde um "filósofo popular", como o definiu Boris Casoy, quando editor do "Painel", da "Folha de S. Paulo", uma definição que pegou. E perde um dos Freuds capazes de explicar a psicologia do país. Deixa o PT numa hora difícil, especialmente em que o partido precisa de gente bem humorada para resistir aos ataques.

Uma de suas frases mais interessantes, exploradas recentemente em um romance de Betty Milan feito em sua homenagem, Carlito dizia: "O amor dos amigos nunca é de agora". O Brasil perdeu neste sábado um de seus melhores amigos.

*Leão Serva é jornalista
 

Publicado no Portal IG – 22/06/2002