ABRAÇARES E BEIJARES

"Acho que estou velho.
Abro a janela e não vejo
Os meus vizinhos…"

Meu pai me confessava:

"Estou ficando velho. Venho perdendo meus parceiros de pôquer…"

Esta sensação de perda, enquanto o tempo passa, nada tem a ver com nostalgia.
Tem muito a ver com a noção sábia dos limites de nossas vidas.

Ao invés dos parceiros de pôquer sinto, também, que as minhas rodas de carteado estão se transferindo para outros lugares e que para estes lugares estão se transferindo os mais queridos e amados companheiros.

De repente me vejo fazendo constantes obituários e isto não me agrada.
Mas como ficar quieto e silencioso sem falar em Carlito Maia?

Os bilhetes, cartas e lembranças, aqui, sobre minha mesa, denunciam a sua presença amável e inteligente e mais do que tudo fraternal. A mais tocante delas é uma extensa confissão relatando as suas lutas, e, a mais enternecedora é a sua derradeira mensagem em que usa duas palavras deliciosamente doces de seu vocabulário particular.

Abraçares e beijares. Adotei os dois vocábulos para mim pois, com isto, sempre que os escrevo estou falando alguma coisa de Carlito. Ele que foi inventivo criador na publicidade e na televisão, recriava nomes e os fazia divertidos e novos. Em seus escritos as letras se reencontravam e refaziam significados.

Sinto que ficarei esperando, a qualquer momento, a chegada de um seu bilhete.
Quem conheceu Carlito sabe do que eu falo. Quem não o conheceu nem pode imaginar o que perdeu.

Em São Paulo, todos reunidos, discutíamos os caminhos e as soluções para as conturbações freqüentes de nosso país. Nessas pendengas ia-se da esquerda do PT ao ponta-esquerda do Palmeiras na eterna sem-cerimônia das roda de amigos que cercava Carlito. Quando as coisas se acerbavam, mesmo veemente, seu tom era apaziguador.
É inesquecível sua intervenção num diálogo, um pouco mais quente, entre dois litigantes, quando um deles referindo-se a um dos "comunistas", presentes, referiu-se a "esquerda festiva".

"- Calma nada de "esquerda festiva! Aqui é tudo no vaPT- vuPT!"

Era o slogan que criara para o partido do Lula!

E, com isto, abriram-se sorrisos e arrefeceu-se o litígio entre abraçares e beijares. ]

*Geraldo Casé é ator
 

Publicado no Jornal do Comércio, Rio de Janeiro – 30.6.2002