Diretas Já
Depoimento do ator Sérgio Mamberti.
Por Sérgio Mamberti*
Ator
O movimento Diretas Já chegou para a sociedade brasileira, como a aurora do novo dia tão ansiosamente esperado, depois de praticamente 30 anos de trevas sob a ditadura militar. As mortes de Wladimir Herzog e Santo Dias, bem como as greves do ABC, que sob o comando de Lula abriram a brecha para a democratização do nosso país, prepararam o caminho que nos conduziria ao estado de direito. A institucionalização do voto direto para a eleição dos governantes passou a ser um imperativo inadiável. O Partido dos Trabalhadores nasce então como um fato cultural e político, que vem atuar como catalisador deste processo, que nos levou finalmente a exigir diretas já.
Lembro-me bem do momento em que, estando no Rio de Janeiro a trabalho, fui convocado para uma reunião de toda classe artística, na cobertura da atriz Dina Sfat, no Leblon. Lá estavam as lideranças dos principais partidos falando com artistas e intelectuais, sobre o que seria um dos mais importantes fatos sociais e políticos do século XX, mobilizando a totalidade do povo brasileiro a lutar pelos seus direitos e pela construção de um novo projeto da nação.
Havia uma expectativa extraordinária no coração de todos os presentes naquela noite. Representando o Partido dos Trabalhadores, o próprio Luiz Inácio Lula da Silva. O PDT se fez presente através de Doutel de Andrade, e pelo PMDB nada menos que o professor Fernando Henrique Cardoso.Todos falaram de forma veemente, da urgência de mudança e da organização de uma mobilização nacional para atingirmos nossas metas com sucesso.
Tudo parecia caminhar às mil maravilhas, até que o ator Carlos Vereza questionou a sinceridade da proposta, alegando que se era para o nosso prestígio vir a ser usado no esforço de convencimento, gostaria de saber se lutaríamos todos, sem retroceder, pelo voto popular ou se nos conformaríamos diante dos obstáculos a vencer, com a opção de antemão repudiada do Colégio Eleitoral.
Lula foi o primeiro a manifestar-se, reassegurando como era de se esperar, sua firme convicção por eleições diretas. O deputado Doutel de Andrade representando o partido de Leonel Brizola o acompanhou, confirmando o compromisso assumido. Já o professor Fernando Henrique Cardoso, embora concordando com os que o antecederam, deixou clara a possibilidade de uma alternativa negociada, aceitando inclusive o Colégio Eleitoral .
Pela primeira vez a imagem do FHC, forjada a partir de sua trajetória na USP e no exílio, deixava entrever o posicionamento ético e político que tomaria nos próximos passos de sua carreira política, culminando com a aliança espúria com o PFL em seus oito anos de governo. A partir desse pronunciamento, passei a observar com desconfiança e cautela essa figura que um dia cheguei a pensar seria o presidente esperado para o desafio de um novo Brasil.
No primeiro ato público de conclamação ao povo brasileiro por Diretas Já, numa tarde ensolarada na Praça Charles Miller no Pacaembu, eu e a atriz Esther Goes, ao lado de tantos outros artistas que nos sucederam, fomos a primeira dupla de apresentadores a conclamar a população para o advento dos novos tempos. Essa militância, que teve nos artistas brasileiros, como aliás historicamente tem sempre acontecido, uma de suas mais atuantes vanguardas, nos conduziu a tantos outros atos públicos, que sacudiram o Brasil na sua marcha rumo à democracia plena.
Não conseguimos daquela vez o voto direto para presidente, a vitória viria bem depois. Apesar da intensa campanha que reacendeu a esperança de trilharmos novos caminhos, só em 1989 teríamos a efetivação de nosso pleito.
Para isso tivemos que passar pelo trauma da eleição e morte de Tancredo Neves e de um governo de transição chefiado por José Sarney. Perdemos também nesse embate, dois importantes companheiros, os deputados Bete Mendes e Aírton Soares, que contra a decisão partidária votaram no Colégio Eleitoral e foram afastados do PT.
As eleições de 1989 que simbolicamente marcariam a mudança, com a derrota de Lula para Fernando Collor de Mello, seu impeachment, o governo tampão de Itamar Franco e os oito anos da era Fernando Henrique Cardoso, adiaram por mais 12 anos a chegada de um governo democrático popular. Apenas agora começamos a colher os frutos dessa extraordinária campanha, que unificou a sociedade brasileira rumo à cidadania.
*Ator