Uma cena ficou gravada para toda a minha vida. A campainha tocando, eu abrindo a porta, e um amigo jornalista, muito pálido, dizendo: “Mataram o Vlado, vamos todos para o Sindicato”.

Há acontecimentos que passam para a História do País e devem ser recordados e jamais esquecidos, para que não tornem a acontecer.

Uma forma de reafirmação da história é o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, instituído pelo Sindicato de Jornalistas, que ocorre todos os anos no mês de outubro, reavivando episódios revoltantes da ditadura militar. Também não podemos esquecer que Perseu Abramo foi um dos idealizadores do prêmio.

Lembrar os 25 anos do assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-Codi mostra, principalmente aos mais jovens, o horror de um governo ditatorial e a importância do regime democrático.

Uma cena ficou gravada para toda a minha vida. A campainha tocando, eu abrindo a porta, e um amigo jornalista, muito pálido, dizendo: “Mataram o Vlado, vamos todos para o Sindicato”.

Lembro bem da assembléia no auditório do Sindicato, totalmente lotado, e o sentimento geral de perplexidade diante de um ato tão covarde, pois Vlado chegou ao DOI às 8 horas da manhã e no final da tarde estava morto.

Lembro do velório no Hospital Albert Einstein, quando ninguém pôde ver o corpo. Tanto no velório como no enterro, tudo feito com muita pressa, era acintosa a presença de estranhos que, sem a menor cerimônia, demonstravam que estavam armados.

A assessoria do DOI-Codi apressou-se a informar à imprensa que Vlado havia se enforcado na cela. Versão logo refutada por toda a sociedade. Nos dias subsequentes, o Sindicato transformou-se em ponto de concentração da categoria. Lembro do Perseu Abramo dirigindo algumas reuniões, passando informações, colhendo sugestões. As manifestações de solidariedade chegavam de todas as partes, de todas as categorias.

Essa solidariedade culminou com o culto ecumênico realizado na Catedral da Sé, reunindo milhares de pessoas, apesar da ridícula “Operação Gutemberg” montada pela polícia para dificultar, através de barreiras, a chegada das pessoas, além de cercarem a praça e redondezas. Todas as rádios e televisões receberam telefonemas da Polícia Federal proibindo o noticiário sobre o culto.

As manifestações de repúdio tiveram tanta repercussão que também os jornais começaram a se posicionar. Editorial de “O Estado de S. Paulo”, em 28/10/75, afirmava: “Interessa-nos saber a responsabilidade por esse clima de terrorismo: pois é de terrorismo que se trata quando se multiplicam as prisões sem mandado judicial, ao arrepio da lei, à margem da ordem e baldadas todas as possibilidades de habeas corpus”.

A “Folha de S. Paulo” já destacava em 01/11/75: “O menos que se almeja, se pode e se deve esperar em uma nação civilizada é que a repressão se faça dentro daqueles princípios de legalidade e segurança dos cidadãos, respeitados os direitos humanos que se tornaram universais e distinguem, por isso mesmo, os povos cultos e os que ainda vivem em plena barbárie”.

O Ministro da Justiça, Armando Falcão, em pronunciamento dia 30/10/75 em Brasília, ressaltava: “O país está em ordem e tranqüilidade. O clima de paz reinante precisa sempre ser mantido, acima de qualquer contingência. As leis em vigor aparelham o governo, devidamente, para cumprir à risca o seu dever. Quem atua nos necessários limites da norma legal não precisa ter preocupações. Mas quem viola as disposições em vigor, responde pelos abusos que comete. Eis tudo”.

O presidente Geisel considerou a morte de Vladimir Herzog um “episódio lamentável”, mas, segundo fontes do governo, deixou claro que não permitiria que as repercussões do ato fossem utilizadas para conturbar a ordem e gerar um clima de inquietação em todo o país.

A opinião do governo era contraposta por Dom Paulo Evaristo Arns, no culto ecumênico da Catedral da Sé, ressaltando que “a liberdade humana nos foi confiada como tarefa fundamental, para preservarmos, todos juntos, a vida do nosso irmão, pela qual somos responsáveis tanto individual quanto coletivamente. Não matarás. Quem matar se entrega a si próprio nas mãos do Senhor da História e não será apenas maldito na memória dos homens mas também no julgamento de Deus”.


Laís Oreb era diretora do Sindicato dos Jornalistas em 1975.

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