"A nossa visão era muito esquemática e eu diria que profundamente equivocada".[A AP], no início, [tinha] uma direção nacional. Eu fui eleito coordenador nacional. Tinha uma coordenação nacional, um secretariado. Em seguida nós trabalhamos a implantação por estados e por setores: movimento sindical, movimento estudantil etc. Mais tarde apareceu uma espécie de fração parlamentar, que começou a ser criada pouco antes do Golpe de 64. Vieram numa reunião do secretariado nacional, no Rio de Janeiro, pedindo formalmente ingresso na Ação Popular, o Almino Afonso, o Paulo de Tarso Santos e o Plínio de Arruda Sampaio. O Almino tinha sido ministro do Trabalho e o Paulo de Tarso da Educação. Essa foi uma reunião muito curiosa, porque eles pertenciam a uma geração mais velha e se apresentavam a uma coordenação que era muito mais jovem do que eles.

[…] No movimento estudantil tinha uma disputa de poder entre nós, o PC e a Polop – que era um pouco ousada. Quando você falava assim: "cinco nossos, três do PC e dois da Polop", era a forma de garantir maioria, porque a Polop não tinha bases para as representações que conseguia. Ela tinha pouquíssimos quadros, todo mundo sabia quem eram os caras da Polop. Nos congressos, que elegeram o Vinícius ou José Serra, quando a AP fazia reunião de bancada esvaziava o plenário. 60% eram membros da Ação Popular, que faziam o trabalho escola por escola. Faziam o trabalho de base mesmo, e apostavam neste trabalho. A partir da experiência da UNE Volante, quando passamos pelo Brasil inteiro, o Aldo Arantes com o Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE, nós fomos convocando assembléias em todas as faculdades. Foi um trabalho gigantesco, de massas.

[…] De 62 a julho de 64, [eu fiquei na coordenação da AP] quando fomos embora para o Uruguai. Eu, Aldo Arantes, e logo depois o Jair Ferreira de Sá. […] Para o Uruguai foram, logo depois do Golpe, todas as lideranças conhecidas do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), PUA (Pacto de Unidade e Ação), UNE, AP, Polop, trotskistas, o grupo do Brizola, representantes do Arraes etc. Fazíamos a reunião da Frente de Mobilização Popular lá, com os mesmos personagens. E, lá basicamente, foram formados dois grupos: um articulado em torno do Jango, com o Valdir Pires, Darci Ribeiro, Almino. E outro que se articulava em torno do Brizola. Nós estávamos nesse. E aí o Brizola compôs uma espécie de comando com ele, obviamente, Paulo Schilling, Max da Costa Santos, Neiva Moreira, Cíbilis da Rocha Viana, Aldo Arantes e eu. Nós como Ação Popular. Iniciou-se aí, dentro desta direção, um debate entre duas linhas. A linha da mobilização propunha uma insurreição: o Brizola entraria em Porto Alegre e formaria a Rede da Legalidade de novo. O Brizola trabalhava intensamente nisso. Havia contatos com setores das Forças Armadas, da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, com sindicatos etc. Na medida em que essa linha não apresentava resultados, que o dia da "insurreição" era desmarcado sucessivamente, e que o Golpe ia se consolidando, nós começamos a ler Mao. Eu me lembro que lá no Uruguai eu li Escritos Militares. E aí começou a surgir em nossa cabeça, a influência da Revolução Cubana: a idéia da guerrilha. O Brizola dizia: "Bom, vamos tentar os dois. Eu só acredito na insurreição, mas se as pessoas querem fazer guerrilha, eu apóio". Quando nós saímos de lá, em 65, esses dois grupos estavam armando as suas atividades. Nessa época nós víamos que as coisas não iam bem com a Ação Popular. As informações que tínhamos era de que tudo estava desmobilizado. Aí decidimos voltar, para propor à AP a guerrilha. Viemos para São Paulo, retomamos a direção da Ação Popular e foi aí que se decidiu que o caminho da revolução era o da luta armada. […]

A nossa visão era muito esquemática e eu diria que profundamente equivocada. Nós achávamos que devíamos fazer a luta armada por intermédio da guerrilha, criando um foco, que geraria conflito, e este conflito jogaria a ditadura contra nós, mas a revelaria à sociedade. Esta, sob o impacto da revelação, iria nos apoiar e se rebelar. Boa parte das teorias guerrilheiras da época trabalhava com a hipótese de um período de guerrilha e, logo depois, um período de greve geral e insurreição, que era o modelo cubano.


Trechos extraídos de entrevista a Renato Simões e Sérgio Ferreira na Revista Teoria e Debate nº 16 (4º trimestre de 1991). Clique aqui para ler a entrevista na íntegra.

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