Gilney Amorin Viana
Depoimento coletado pelo Laboratório De Pesquisa Histórica do Instituto De Ciências Humanas e Sociais/Universidade Federal de Ouro Preto.
Depoimento de Gilney Amorin Viana* – Projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”.
Entrevistador: Otávio Luiz Machado/Depoente: Gilney Amorin Viana /Loc al: Brasília/Data: 30/01/2004
Ficha técnica:
Tipo de entrevista: Temática
Levantamento de dados, roteiro e elaboração de temas: Otávio Luiz Machado;
Local: Brasília-DF
Data: 30/01/2004
Duração: 50 min
Fitas cassete: 1
Páginas: 11 págs.
Proibida a publicação no todo sem autorização. Permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte. Permitida a reprodução.
Norma para citaçãoMACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Gilney Amorin Viana a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”, 2004.
Otávio Luiz Machado: Seu nome completo?
Gilney Amorin Viana: Gilney Amorin Viana.
E sua profissão?
Sou médico e professor universitário.
Sua data de nascimento?
12/08/1945.
Enquanto estudante o senhor ocupou cargos em entidades estudantis?
No movimento estudantil universitário, não. Só no movimento estudantil secundarista. Eu fui da diretoria da UMES, a União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Belo Horizonte.
Sua atividade atual?
Atualmente eu sou Secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente.
Você nasceu em qual cidade?
Águas Formosas, Minas Gerais.
E em relação à origem familiar, qual a profissão e atuação dos seus pais?
Meu pai era um pequeno comerciante. Minha mãe era uma mulher de prendas domésticas. Fazia trabalhos para vender.
Parece-me que suas atividades políticas começaram no Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1961?
Logo que fui para Belo Horizonte eu me filiei ao Partido Comunista Brasileiro. E até 1966 e início de 1967, quando houve a cisão, constituímos um grupo à parte chamado Corrente Revolucionária de Minas Gerais, que já tinha um contato com o Marighela. Mas a decisão de fazer o grupo à parte já foi no final de 1966. A linha partidária é essa. Depois a Corrente definitivamente se colocou ao lado do Marighela, sob o comando dele. Mas ele tinha uma opinião de que os grupos tinham liberdade de tática, e só seguiriam uma orientação estratégica. Só mais tarde, em 69, é que foi constituída a ALN (Aliança Libertadora Nacional). E aí é que nós ingressamos na ALN.
Eu queria que você falasse um pouco da cisão do Partido Comunista Brasileiro e da criação da Corrente. Você foi um dos líderes da Corrente?
Sim, fui. Inclusive sobre este nome Corrente Revolucionária, em 64, após o golpe, houve um processo de discussão política muito acirrado dentro do Partido Comunista Brasileiro, e que aos poucos foi se formando uma corrente que se opunha à maioria do Comitê Central. Esta “corrente” já com (Jacob) Gorender, Mário Alves, Carlos Marighela e outros, que a lideravam. Era um intenso debate. E é por isso que em 1965 já se tinha uma divisão. E nós nos identificávamos assim: “vamos ver quem estava na corrente revolucionária ou na corrente reformista”. Começou este nome daí. E antes das dissidências, das cisões e da formação de grupos específicos. Nessa época nós fomos muito influenciados pelo Mário Alves, porque estava em Minas Gerais, clandestino. E estava se reunindo com a gente.
Ele estava lá fazendo um trabalho específico?
Sim, um trabalho clandestino. Ele era da Comissão Executiva do Comitê Central. Então, ele ajudou muito na formação da Corrente.
E o convívio com ele?
A gente conviveu um ano e meio ou dois anos desta forma. Era tudo clandestino. Era a vida clandestina. E ajudou a formar não só a mim, mas outros quadros.
Isto enquanto estudante universitário?
É, mas a minha trajetória não era por causa do movimento estudantil. Eu participava, mas eu já era quadro dirigente do Partido, no Comitê Municipal. Depois eu fui ser o primeiro-secretário, que era o dirigente principal.
Mas você não chegou a ser de uma base universitária?
Não, porque eu era funcionário público e já trabalhava. Eu inicialmente trabalhei com os trabalhadores favelados. Depois eu fui e trabalhei com os servidores públicos. E depois com comerciários. Então, este foi um setor que eu fiquei encarregado. Depois eu fiquei como principal dirigente do Diretório, que era Comitê naquela época. Então, tinha uma responsabilidade maior. Mas eu era estudante e participava do movimento estudantil. Então, eu sempre tive uma participação, mas nunca tive cargos, porque também não era a nossa intenção, porque tinha que preservar os dirigentes também, para não ficarem expostos na frente do movimento estudantil.
Você participou do movimento estudantil contra a ditadura, e não naquele grupo restrito à escola?
Fizemos muitos trabalhos. Eu participei de todo o movimento estudantil. Inicialmente no Colégio Estadual (de Belo Horizonte), antes do golpe. Depois na Escola de Medicina. E lá nós participamos da eleição para ganhar o D.A. (Diretório Acadêmico). E depois articular a eleição para ganhar o Diretório Central dos Estudantes com o outro grupo que era o pessoal do COLINA (Comandos de Libertação Nacional). E depois para participar da UEE/MG (União dos Estudantes de Minas Gerais). Então, em tudo nós tivemos uma participação. E o que acontecia é que eu não era líder estudantil. É isso que eu quero dizer. Eu participava, às vezes até das decisões, mas num nível mais fechado. Mas do movimento estudantil aberto, não. O movimento todo eu acompanhei, como toda aquela agitação de rua e a ocupação das escolas, tanto da Medicina quanto de Direito. Aquilo tudo eu acompanhei. E nós naquela época já éramos um grupo mais de esquerda e que tinha uma visão de luta armada. Alguns já andavam armados, e alguns eram da frente de resistência, com coquetel molotov, com estilingue e com tudo que tinha na mão. Nós já tínhamos um grupo. E eu participava mais com esse pessoal.
E aquelas teses da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), como foram recebidas em Minas Gerais?
Nós já tínhamos contato com o Marighela e com o grupo dele lá em São Paulo desde o final de 1966 e início de 1967. E obviamente que nós não sabíamos que ele tinha ido para a OLAS. Ele já apareceu lá. E nós já tínhamos uma decisão no grupo dirigente nosso, que foi dar na Corrente, que nós íamos acompanhar. Aí naquela antiga corrente revolucionária do Partidão começaram as dissidências estudantis a se autonomizarem. E nós então fizemos isso: nós ficamos na nossa, porque tínhamos um comando do partido e uma estrutura partidária, e em vários Diretórios ou comitês tínhamos o controle. Então, nós não queríamos fundar mais um outro partido. Por isso é que nós divergíamos do Mário Alves, do Jacob (Gorender), do (Apolônio de) Carvalho e de outros que fundaram o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). E por isso que neste período nós nos organizamos o grupo como Corrente Revolucionária de Minas Gerais, no início de 1967. Mas nós já tínhamos a ligação com o Marighela. Nessa época nós já tínhamos uma posição de fazer a guerrilha no estilo cubano, com uma visão foquista. Depois o Marighela muda isso quando vem de Cuba, com uma teoria em que ele inverte a clássica teoria foquista, que vem de um conceito chinês maoísta, e de que a guerra começa no campo e o campo cerca a cidade. Marighela falou: “No Brasil nós não temos uma base camponesa como tem na China e tudo. Então aqui a cidade é estratégica. A guerra começa na cidade, vai ao campo e volta à cidade”. Isto é uma inversão estratégica que o Marighela fez do pensamento de Mao e que Fidel (Castro) e (Ernesto) Che encamparam. Também em relação à visão foquista de montar um foco e ficar ali resistindo, o Marighela achava que, no Brasil como não tinha uma base camponesa muito forte, então tinha que se fazer um foco e uma coluna estratégica. Este é um conceito básico da guerra revolucionária que o Marighela criou. Depois todos os grupos guerrilheiros no Brasil se inspiraram na teoria do Marighela, uns contestando aqui ou contestando acolá, exceto o PC do B (Partido Comunista do Brasil), que tinha uma visão mais maoísta. Mas mesmo assim eles ficaram na teoria do foco, porque o Marighela achava que tinha que ter uma coluna assim que se tivesse uma base, mas que também tivesse mobilidade. Então, nós aceitamos estes conceitos, influenciado pelas resoluções de OLAS, pelos textos de Che como Guerra de Guerrilhas: um Método, e também os textos do (General Vo Nguyen) Giap, que era o comandante da Guerra no Vietnã, como Vitória da Guerra Popular ou alguma coisa deste tipo. Os textos de Mao Tse-Tung eram os textos que mais nos influenciaram. E depois o Régis Debray (sobretudo o livro Revolução na Revolução), com a morte do Che. Mas aí nós já tínhamos a orientação própria do Marighela, que era o que nós seguimos. Então, nós abandonamos os clássicos, e a nossa orientação já era da teoria e da prática do Marighela.
Vocês também foram oposição ao (Luís Carlos) Prestes?
Isso já estava superado, porque nesse processo o Prestes estava no exterior. E na verdade ele tomou uma posição mais conservadora ao tentar unificar o Partido contra a corrente revolucionária e contra aqueles que eram dissidentes. Então, ele ficou isolado. E só posteriormente que ele também faz uma dissidência contra o Partido, porque ele considera que o Partido estava totalmente reformista e abandona o Partido, também. Mas isso vai ser mais adiante.
Vocês foram expulsos ou vocês saíram do Partido Comunista Brasileiro?
Sim, praticamente fomos expulsos, mas nós já tínhamos saído, porque nós não aceitamos a decisão do Congresso. Então, quando nós no final de 1966 nós já tínhamos a decisão de constituir um grupo a parte, entendeu? Então, em 1967, eu acho que no início eles inclusive colocaram num jornal, que eu acho que é o Diário da Tarde, que tinham achado um documento com a expulsão. E eles não colocaram os nomes, puseram os codinomes; Augusto era o meu codinome. E puseram os que tinham sido expulsos do Partido. Foi em 1967. Mas era para eles um ato importante para poder dissociar nós que tínhamos cargos de dirigentes. Vou falar mais pelo Partido. Mas por outro lado, também, não era nossa intenção. Nós já tínhamos dividido e já tínhamos saído. Era legítimo por parte deles, mas para nós não afetava não. Fomos expulsos, mas nós já tínhamos sido expulsos por nós mesmos. Já tínhamos saído.
Gilney, quais as principais lideranças da Corrente neste período?
Nessa ocasião, quando nós saímos, nós fizemos um grupo de uns seis que ficou na coordenação. Quer dizer, nós tínhamos lideranças estudantis e municipais em outros municípios. Então, tinham lideranças relevantes. Mas nesse período nós acabamos constituindo uma pequena direção. No início nós pegamos quem estava no Diretório ou Comitê do Partido e constituímos um grupo. Então era eu, Ricardo Apgaua, o José Júlio de Araújo, o Mário Roberto Galhardo Zaconato (Xuxu), o Sérgio Bittencourt, o Hélcio Pereira Fortes e tem um outro cidadão aí que éramos da direção.
O Bittencourt era da Faculdade de Direito (da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG)?Era da Faculdade de Direito. E tem um outro companheiro que, como ele está numa posição aí, eu acho que não seria interessante falar o nome dele.
Não tem problema, não.
Não, não tem? (risos).
E aquele documento “orientação básica para atuação: 20 pontos”? Como foi produzido e por quem?
Mas isso aí já é um processo lá adiante quando nós já estávamos na guerrilha urbana e nas ações.
A gente imaginava que seria o documento inicial.
Não. Isto não tem nada a ver. Isto aí era um documento tático num momento que foi um grande erro taticamente falando, que nos colocou sobre pressão e acabou de não termos condições de executar, porque estressou muito o grupo. Mas isso já foi coisa lá adiante em 68, 69. Era uma resolução do comando para você poder fazer uma seqüência de ações para manter um certo grau de agitação para descomprimir a pressão que estava em São Paulo, entendeu? Mas eu achei equivocado do ponto de vista militar. Politicamente a intenção era boa, mas do ponto de vista militar não tinha correspondência.
E o contato seu com o Marighela foi primeiramente em São Paulo, quando esteve no CRUSP (moradia estudantil universitária da USP)?
É, quando nós fomos fui eu, o Ricardo e o “Xuxu”, nós passamos primeiro e conversamos com o pessoal da Dissidência de São Paulo (DISP, Dissidência do PCB de São Paulo) que estava lá no Crusp, porque eles centralizavam no CRUSP. E desta dissidência operada pelo (José Roberto) Arantes, José Dirceu, Jeová Assis e Fernando Borges. P arece-me que a nossa conversa foi mais com o Arantes e com o Jeová Assis, que o pessoal chamava de “Prefeito”. Fizemos uma reunião com eles e naquela ocasião eles já tinham uma ligação com Marighela. Eram autônomos. E fizemos uma conversa política, mas depois nós fomos para a conversa com o Marighela. Eu acho que isso foi no início de 1967.
Esse foi o seu primeiro contato com o Marighela?
Eu já conhecia o Marighela quando ele era do Partido. E uma vez ele esteve lá em Belo Horizonte.
No seu discurso na Câmara você fala da conversa que você teve em São Paulo com “dirigentes da Dissidência Estudantil de São Paulo, como Jeová Assis, José Roberto Arantes, Fernando Borges, para citar apenas os mortos, que só depois se submeteriam à liderança de Marighela”.
Eles já tinham uma certa relação com o Carlos Marighela. Mas eles tinham uma autonomia muito grande. A gente chamava dissidência de São Paulo.
Um dos líderes era o José Dirceu?
O José Dirceu era a liderança de massa mais importante que eles tinham, e disputou a presidência da UEE/SP (União Estadual dos Estudantes de São Paulo), da UNE (União Nacional de Estudantes). Ele tinha uma liderança. Depois chegou neste ponto. Ele já era uma liderança, se não a maior que tinham. A conversa foi mais com este pessoal. E este pessoal quase todo foi assassinado.
E o Mário Alves quando sai fica mais um pessoal novo?
Você fala onde?
Na Corrente.
Não, não. A Corrente, diferente de outros grupos saiu do Partido com uma base operária, uma base de servidores públicos, uma base no interior e não só estudantil.
A Corrente então tinha toda uma estrutura ampla?
Tinha. Tinha uma estrutura mais ampla, porque nós herdamos do Partido.
Mas as lideranças praticamente estudantis?
É. Eu não era líder estudantil. Eu era bancário.
De uma certa forma eram estudantes.
Eram estudantes e na época de estudantes. E eu não era liderança estudantil. O José Júlio não era estudante, e era bancário, também. Depois ele saiu do banco, e foi expulso, e foi ser comerciário. O José Júlio era comerciário. E sem contar o pessoal de Contagem, que era nossa base operária, que não era estudante, era funcionário de fábrica, que trabalhava no escritório. Agora tinha os estudantes como o Hélcio e o “Xuxu”, que mexiam com o movimento estudantil. O fato de o cara estar estudando não é que ele participava. O Ricardo, não é? Mas existia uma certa hegemonia do movimento estudantil e dos quadros que vieram do movimento estudantil.
Eu queria que falasse da greve de Contagem.
Isso aí é um tema grande.
Em linhas gerais como foi a origem e a estratégia?
Olha, na greve de Contagem a Corrente teve um papel fundamental. Primeiro na eleição do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem. Naquela época Betim não contava muito. Contagem que era o foco industrial. Hoje Betim tem uma potência muito grande. Inclusive a gente chamava Contagem de “Cidade Industrial”, porque uma parte do Barreiro e outros bairros que faziam e fazem parte até hoje da Cidade Industrial. Então, tudo começa com a nossa vitória na direção do sindicato e com um trabalho clandestino que nós fazíamos desde a retomada do movimento após o golpe. Particularmente 65, 66 e 67 teve o processo de reorganização. E então, nós fizemos todo o movimento. Nessa época nós tínhamos gente do Partidão e da AP (Ação Popular). A liderança maior era da AP, que nós colocamos na presidência. E ele foi cassado.
Saberia o nome dele?
Eu não me lembro agora. Todas as lideranças deles tinham quadros bons. Mas o que aconteceu? Eles foram cassados. E os nossos quadros meio Partidão e meio Corrente não eram conhecidos. Então, eles não foram cassados. Então, foi aí que nós colocamos um quadro que era ligado a gente na presidência e na secretaria, que era um cargo estratégico. Colocamos a Conceição Imaculada. Então, ali nós tínhamos uma influência muito grande no sindicato. E nós fizemos umas comissões de fábricas. Várias comissões de fábricas na Belgo e na Mannesmam. Então, esse é um processo aonde a gente disputava também com a POLOP (Organização Política Marxista – “Política Operária”), mas não tanto com a POLOP, mas com a divisão da POLOP, inicialmente com o POC (Partido Operário Comunista) e outros começamos a fazer um trabalho lá. Mas nós éramos uma força hegemônica. E na verdade a primeira greve se deu de dentro pra fora. Ela não se deu do sindicato para lá. Embora nós tivéssemos uma influência no sindicato, porque não tinha ambiente político para fazer uma greve no sindicato. E a greve foi dirigida pela comissão de fábrica da Belgo-Mineira. E nisso aí o Hélcio Pereira Fortes teve um papel estratégico, porque nós deslocamos o Hélcio de Ouro Preto para ser quadro da Corrente profissionalizado lá em Contagem na cidade industrial. Então, ele foi uma peça de articulação, de concepção. Como de fazer jornalzinho. E eu ajudava muito nisso. Eu fazia essa ponte com a cidade industrial. Eu que trabalhava com o Hélcio. E dava estrutura e apoio também, porque antes dele eu que dava assistência ao nosso comitê operário. Depois eu que larguei na mão dele e continuei o que ele tinha necessidade de suporte. E foi uma coisa belíssima, porque nós inovamos muito antes de Osasco de como uma comissão de fábrica fez uma greve de dentro da fábrica e em plena fábrica. E inovou. E nós tivemos um papel fundamental. Aquela greve eu, o Hélcio e outros companheiros que não vale a pena citar os nomes, nós acompanhamos ela assim sem monitorar nada. Foi uma greve que nós sabíamos exatamente o que ia acontecer, como ia acontecer. O que ia dar a gente não sabia, porque aí veio a polícia e o cerco e esse troço todo. Mas depois vimos o papel estratégico da negociação com o Ministro Jarbas Passarinho, lá no sindicato. O pessoal batendo nas marmitas. E foi uma coisa muito bonita. E uma vitória.
Teve um abono salarial.
O abono salarial. Aquela foi a primeira greve operária dos trabalhadores contra a ditadura, que tinha uma certa dimensão. Teve uma repercussão política e mostrou que tinha uma articulação de base e que tinha uma certa articulação com o sindicato. O sindicato teve um papel secundário, mas ele era uma forma da gente se articular. Esta tática depois ocorreu também em Osasco. E depois nós repetimos na segunda greve, que foi numa situação mais difícil. Aí a ditadura estava mais preparada e mais infiltrada. Mas em todas as duas em termos de grupos de esquerda eu acredito que a principal importância era da Corrente neste processo. Mas tinha outros grupos, particularmente a AP, o que restou do Partidão e a POLOP, que já estava dividida. Já tinha a COLINA, que era mais estudantil e tinha pouca influência no meio operário. E lá era o POC, o Partido Operário Comunista…
… do Nilmário (Miranda)…
….. Do Nilmário e esse pessoal todo. Nós trabalhamos juntos nesta coisa.
Você acompanhou o debate com o Passarinho?
Eu era um quadro dirigente e eu fazia política clandestina. Eu nunca fiz política ostensiva. Mas naquilo tudo, até antes de entrar lá nós tínhamos reuniões com os nossos quadros de lá.
O Passarinho sempre gosta de falar nas suas entrevistas que ele ganhou o debate lá.Ele perdeu. Você tem que olhar que a primeira greve numa situação de ditadura, é uma pressão muito forte, quer dizer, que foi uma greve vitoriosa. É claro que o Passarinho foi muito inteligente. E nós temos que reconhecer. Muito audacioso, porque ele devia saber, no mínimo, pelo serviço de informação, que tinha uma liderança de esquerda lá. Não vou dizer que ele foi mal sucedido não, porque de certa forma ele deu o tratamento político e não militar à greve. Deste ponto de vista ele teve um sucesso, também, haja visto que ele representava o poder militar. Nós fomos vitoriosos tanto na reivindicação como no movimento. Aquilo teve um significado histórico: era a primeira manifestação organizada e dirigida pela nova esquerda no meio operário e com todos os operários, porque não era uma coisa que nós insuflamos. Era uma coisa que nós ajudamos a organizar, mas era uma coisa tipicamente operária. Contrapondo com a hegemonia do movimento estudantil. Isso vem primeiro Contagem, depois Osasco e depois Contagem. Depois nós conseguimos fazer greve, e nisto eu participei, também, dos bancos. E também como o mesmo estilo: com comissões de bancos e com um jogo com o sindicato dos bancários do qual nós também participávamos. Eu participei do movimento dos bancários. Então, era um contraponto, porque tem muita gente que fala que teve só uma iniciativa, mas tiveram muitas. Mas o que mais preocupou a ditadura foi exatamente isso: que saiu do circuito estudantil e entrou na classe trabalhadora mesmo. E depois isso saiu do movimento de manifestações pequenas para manifestações de massas. O que acabou provocando a crise do (Arthur da) Costa e Silva e ascensão depois do (Emílio Garrastazu) Médici.
Eu queria que você falasse um pouco das ações da Corrente de expropriações.
Isso aí é bem conhecido, não é? Eu acho que nós tínhamos um poder militar muito frágil, mas conseguimos razoavelmente fazer algumas ações dentro daquela teoria que a ação não era só o problema da expropriação. Era você politizar a ação. Mas a realidade mostrou que nós tínhamos aberto um campo de guerra e uma frente de batalha que nós não tínhamos condição de sustentar. Entendeu? Isto se mostrou válido também para os outros grupos. Serviu de lição para nós, porque antes de cairmos, os COLINA já tinha caído. Depois nós caímos. Então, tinha um certo amadorismo nesta coisa. A primeira repressão profissionalizada, organizada e arquitetada foi a de Minas. Depois ela serviu de modelo, aí já mais avançado para São Paulo. E depois para o Rio de Janeiro. Então, nós saímos de Minas Gerais e fomos pegar a repressão lá adiante no Rio de Janeiro. E depois em São Paulo.
Num interrogatório do (João Domingos) Fassarela ao DOPS ele fala do apoio financeiro recebido pelo grupo do Marighela em agosto e setembro de 1968. Tinha um apoio material e financeiro do grupo?Mas nós tínhamos. Nós já éramos integrados ao Marighela. Quando nós precisávamos de recursos e nós não tínhamos, era normal isso. Era o mais comum mandar quadros para Cuba para treinar, viagens e outras coisas mais. Nós éramos um grupo tático e um grupo submetido a um comando estratégico. Essa era a nossa definição. Era normal. Nós recebíamos dinheiro e se tivéssemos mandaríamos, também. Mas é bom que se diz que nós recebemos apoio de outros grupos também, pois quando nós estivemos apurados, o PCBR nos apoiou. Existia um grau de solidariedade. Eu me lembro que quando nós estávamos caindo até o pessoal do PCB e da Ala Vermelha nos ajudou um pouco. E nós ajudamos outros grupos também que estavam em situação difícil. O inimigo atacando a gente.
E em relação ao desmonte da Corrente? Quando você caiu realmente?
Quando houve a grande queda, que foi em abril ou março de 1969, eu já tinha tido uma experiência com a queda do pessoal de Ibirité e do assalto de Ibirité. No qual eu estava na retaguarda. Naquilo ali eu já fiquei praticamente numa semi-clandestinidade, numa clandestinidade. Quando o pessoal caiu eu já estava… e teve um outro problema de uma outra ação que uma pessoa me reconheceu. Meu nome já estava no jornal. Então, eu já estava clandestino quando houve a queda. Mas aquilo foi um baque terrível para a gente e uma dificuldade muito grande porque o “Xuxu”, que era o principal dirigente, caiu. E o Hélcio estava ferido. Aí eu tive que assumir a coordenação da coisa, né? E numa situação de clandestinidade. Era uma experiência muito difícil pra gente.
Mas você não foi preso em Minas?
Não. Aí eu fui para o Rio, São Paulo e voltei para o Rio. E só fui preso em 18 de março de 1970. Quer dizer, um ano depois.
E em relação ao “Xuxu” ele caiu e depois de 48 horas ele contou os nomes, mas o pessoal não cumpriu as normas de segurança após a prisão dele e todo mundo foi preso. O pessoal até fala que ele foi julgado em Cuba e foi absolvido. O pessoal que não cumpriu e ele poderia contar.Essa coisa é meio controversa. Eu acho que houve falha de segurança não só dele, mas como de outros. Mas também não vou ficar julgando aqui de uma forma assim leviana.
Tudo bem. Aí você foi para São Paulo para participar do grupo do Marighela?
Não, aí nós todos que estávamos numa situação de clandestinidade fomos para São Paulo. Mas o outro grupo que não tinha sido afetado continuou. Mas aí nós já integramos totalmente na estrutura da ALN, tanto o nosso pessoal que estava em Cuba quanto o pessoal que foi para o Rio e para São Paulo naquele esquema da ALN.
Para reforçar a ALN.
Aí nós dissolvemos a corrente dentro da ALN.
Lá na prisão quando você foi preso teve o caso do Newton Moraes. Poderia relatar um pouco esta situação dele na prisão?
O Newton como a gente falava naquela época “desbundou”. E pior que isso: ele fez declarações públicas, e tal. Então, ficou numa situação que até a segurança dele estava sob risco lá em Linhares. Então, os militares tiraram ele de lá. Mas o Newton tinha uma característica: eu era o dirigente da ALN e comandava a ALN dentro da cadeia, então ele fez uma carta para mim. E algumas coisas ele se comprometendo, mas com um certo grau de decência pessoal porque politicamente eu acho que ele totalmente se destruiu enquanto quadro da esquerda. Mas pessoalmente ele procurou ter decência em algumas coisas que para nós era muito claro na cadeia. E isso foi muito importante.
E os militares tentaram de alguma forma desmoralizar…
…isso aí é o que eles tentavam. Mas isso não dava.
* Parte do depoimento integral – e-mail de contato: [email protected]