Carta de Belém

A primeira Conferência da Amazônia é uma realização de movimentos sociais, organizações não governamentais, pesquisadores, partidos de esquerda, governos democrático-populares e parlamentares da região que lutam por um desenvolvimento justo, sustentável e solidário da Amazônia. São inúmeras as iniciativas desses segmentos nessa direção. Agora, pela primeira vez, eles estão se unindo para lançar uma nova aliança.

O objetivo dessa aliança é promover a articulação e o fortalecimento regional, nacional e internacional da luta e das iniciativas progressistas da Amazônia na construção de um desenvolvimento voltado à inclusão social, à cidadania e à sustentabilidade, e dessa forma propiciar uma integração soberana, popular e democrática da região com a nação, e desta com o mundo. É também objetivo dessa aliança combater o atual modelo predador e excludente, fundado também na política neoliberal do governo FHC, que subordina os interesses nacionais ao capital financeiro internacional e aos serviços da dívida externa.

Trata-se de uma articulação de caráter supra-partidário e supra-institucional, que tem como grandes eixos de ação:

– Fortalecer o paradigma da diversidade e da sustentabilidade ambiental, econômica, social, ética e política, como base do modelo de desenvolvimento;
– a democratização das instituições públicas regionais, ampliando o acesso às fontes de crédito e financiamento;
– organizar um amplo movimento social e institucional de oposição às políticas neoliberais e todas aquelas que produzam efeitos negativos à Amazônia;
– uma reforma agrária apropriada à região, com critérios ecológicos e étnicos;
– a transformação de experiências locais de inclusão social e produção sustentável de sucesso em políticas públicas;
– e o respeito à soberania regional e nacional e à diversidade socioambiental, racial, étnica e de gênero.

As diversas agências de financiamento e crédito na Amazônia devem rever o seu papel na promoção do desenvolvimento, incentivando as iniciativas locais que buscam a geração de trabalho, emprego e renda e a conservação dos recursos naturais. O financiamento do desenvolvimento até aqui tem se pautado muitas vezes por interesses privados e privativos de grupos econômicos e políticos, cujas intenções passam muito longe da melhoria das condições de vida da população. Estamos propondo um outro significado para a idéia de desenvolvimento que ainda orienta essas agências.

Para a aliança que estamos constituindo, desenvolvimento é muito mais do que apenas variáveis quantitativas de renda e produto. Significa acima de tudo qualidade de vida para todos, na floresta, no campo e na cidade. Defendemos a inclusão da variável ambiental no crédito agrícola, bem como uma política de investimento agro-industrial e extrativista que tenha por base a produção familiar e a integração entre a cidade e a zona rural, asseguradas as especificidades culturais de cada estado e grupo social.

Uma reforma agrária que combine a criação e apoio às reservas extrativistas e projetos de assentamento com o respeito aos direitos ancestrais dos índios, remanescentes de quilombos e comunidades locais é uma condição essencial para que se promova a justiça fundiária pela qual lutamos na Amazônia.

As experiências de cooperativas, sindicatos, associações de produtores, comunidades indígenas, quilombolas, extrativistas e agricultores familiares começam a ser apoiadas por políticas e programas de alguns governos populares estaduais e municipais. É necessário ampliar o alcance dessas políticas para a região. Para tanto, além do financiamento e da reforma agrária, a pesquisa tecnológica e científica deve ser disponibilizada, no âmbito de um diálogo respeitoso entre a ciência e o saber tradicional, uma riqueza da nossa região.

Assim como são várias as amazônias, também somos diferentes entre nós e diferentes em relação às demais regiões do país. A essa diversidade biológica que constitui um patrimônio nacional que interessa a todo o mundo, corresponde uma diversidade sociocultural que tem sido considerada um entrave aos projetos de colonização desde a ditadura militar até os tempos do “Avança Brasil” – é só ver para onde avançam e a quem servem essas políticas. Para nós, entretanto, a diversidade é fator fundamental para o desenvolvimento. A sociodiversidade assegura a conservação da biodiversidade.

O nosso conceito de soberania também é outro. O desgastado slogan “a Amazônia é nossa” tem servido para esconder uma associação perversa entre parte da elite local com segmentos políticos hegemônicos na esfera nacional e internacional empenhados em negociar e lucrar com o patrimônio brasileiro junto a grupos transnacionais – como ilustra o recente caso Bioamazônia/Novartis.

A biopirataria, a administração do sistema de informação, o desflorestamento para a monocultura da soja ou a exportação de madeira, o narcotráfico, o abandono de nossas instituições de pesquisa, são algumas das conseqüências desastrosas de uma política irresponsável que não valoriza as nossas vantagens comparativas e estimula a disputa entre estados e municípios, além de nos afastar dos nossos países-irmãos da Panamazônia.

Na Amazônia, soberania rima com cidadania e florestania. São 20 milhões de pessoas que clamam por justiça e por políticas que atendam às necessidades locais e conservem as belezas que tanto orgulham o espírito amazônida.

Estabelecemos nessa primeira conferência uma agenda comum que prevê a realização de algumas iniciativas, entre as quais conferências estaduais temáticas, que construirão desde já ações conjuntas e articularão as próximas duas grandes Conferências da Amazônia a se realizarem em Macapá, em 2001, e em Rio Branco, em 2002, até que todas as capitais da região possam sediar estes momentos, sínteses dos acúmulos da Agenda Comum que aqui se firma.

No limiar de um novo milênio, a aliança popular, democrática e sustentabilista da Amazônia chama a atenção dos cientistas, da comunidade regional, nacional e internacional, dos empresários responsáveis e de todos os movimentos sociais para essa sociedade que estamos construindo com qualidade de vida para todos, homens e mulheres amazônidas. Essa é a condição para a soberania, a defesa do território, do patrimônio natural e cultural e o desenvolvimento justo, sustentável e solidário.

 

GTA – Grupo de Trabalho Amazônico
CUT – Central Única dos Trabalhadores
MAMA – Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia
Fetagri´s NO – Federações de Trabalhadores/as Rurais da Região Norte
CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros
FPA – Fundação Perseu Abramo

Com o apoio de:
Prefeitura de Belém, Governo do Amapá, Governo do Acre, PT e PSB