"Como no passado, o PCB, por meio de seus dirigentes, estava fora da realidade, não acreditava num golpe armado. Segundo, acreditava na capacidade e vontade de resist~encia do governo Goulart e das forças aliadas representadas pela burguesia nacional".Apolonio – […] Houve dois momentos, dois ciclos de ruptura do PCB: 1961-62 e 1964-67. […] Havia […] uma situação de estranheza em relação à política de 1945-46, e em relação a um caminho pacífico em 1956-57. E essa estranheza de nossa parte foi crescendo a partir de 1958. Ela colocou em posição de rebeldia uma parte dos dirigentes que não queriam aceitar a resolução política do XX Congresso. São os dirigentes que depois seriam afastados da direção e mais tarde formariam o PCdoB, mas que eram, em quase sua totalidade, membros do secretariado e da Comissão Executiva do partido até agosto de 1957. Muitos de nós ficamos numa situação de dúvida, sem alternativa, situação muito penosa, porque imobilista. Nesse momento eu escrevi um artigo para a Novos Rumos, mas não contestei de maneira violenta, nem deixei de ter o mesmo caminho anterior. Mas para com João Amazonas, Pedro Pomar, [Ângelo] Arroio, eu tinha imenso respeito. Na realidade, eu vacilei. Esses companheiros não negaram o marxismo e o partido de maneira nenhuma. Fizeram uma luta interna limpíssima, aberta, corajosa, decidida, muito positiva… Dentro desse quadro, eu vacilei porque eu tinha uma opinião muito apagada nessa questão. Não estava com eles para deixar o partido e não estava com a orientação do partido. Os companheiros fizeram a contestação, foram extremamente corajosos e lúcidos como militantes na defesa de seu direito de pensar e de criticar… Em 1964 nós daríamos razão a eles. Por que nós não fomos com eles? Porque a alternativa que eles davam não nos convencia, mas também porque nós tínhamos medo de que eles fossem o reflexo do cisma URSS versus China. Não queríamos entrar nessa jogada. A URSS era o primeiro Estado socialista, era um patrimônio extraordinário dos trabalhadores do mundo. A China também, mas longe nesta questão. Não creio que fosse isso. Se, depois, eles se orientaram para um contato mais estreito com o PC chinês e foram para outros lados, esse é um problema posterior. Naquele momento, foi a contestação com absoluto direito. Foi uma posição que eu não soube ter porque não estava convencido, como eles, da absoluta necessidade de romper por uma alternativa que eles aceitavam, que eu não aceitava ainda… Em 1964, nós fomos fazer o segundo ciclo de ruptura, porque houve um impacto brutal, humilhante, verdadeiramente capaz de estraçalhar a imagem que se tinha do combatente de vanguarda, que foi a conduta do PCB diante do golpe militar de 1964.

[…] O golpe foi feito em março de 1964. Em fevereiro, houve uma reunião ampliada do Comitê Central do PCB. Havia uma tese para o VI Congresso. Pensávamos que teríamos uma situação legal e que o partido faria seu VI Congresso em 1964. Não havia uma frase, uma tese de crítica ao caminho pacífico, defendido na linha de 1960… Não era também um problema de carisma de figuras centrais do partido. Nunca tive culto à figura do Prestes. Mesmo ao jovem Fidel a gente olhava com carinho, com respeito, mas sem culto. Para nós, a Revolução de Cuba era muito interessante, mas dentro de realidades diferentes, de condições internacionais extremamente diversas. A gente já possuía essa visão crítica. Para mim, o elemento principal era o despreparo dos militantes de esquerda do PCB. Nós não tínhamos conhecimento da nossa realidade para definir alternativas e não tínhamos também base teórica para elaborar uma análise crítica das experiências que se faziam, modelos que se apresentavam.

[…] Nesse momento, por exemplo, sentimos o ascenso político das Ligas Camponesas. As organizações de campo do PCB eram extremamente fracas e limitadas. Nós acompanhamos o movimento sindical dentro da política de colaboração com [João] Goulart. Estávamos ainda marcados pela política do V Congresso, que era uma política de colaboração com a burguesia nacional, portanto, com o governo Goulart. Os companheiros de 1958-60 eram companheiros que não condenávamos mas tampouco apoiávamos. Não aceitávamos suas alternativas depois que ficou clara a sua ligação com o partido chinês. Eu tenho a impressão de que pesou muito a questão do despreparo político, a ausência de debate para uma mudança na linha política de 1960. Nós conhecíamos pouco das lutas operárias no mundo e no nosso país. Tínhamos ilusões de uma aliança com a burguesia. Essas ilusões iriam cair de maneira brutal de 31 de março para 1º de abril, com o golpe militar. Primeiro, houve uma confusão extrema no interior da direção. Como no passado, o PCB, por meio de seus dirigentes, estava fora da realidade, não acreditava num golpe armado. Segundo, acreditava na capacidade e vontade de resistência do governo Goulart e das forças aliadas representadas pela burguesia nacional. Terceiro, deixou o país imobilizado pela crença de resistência, no caso eventual de choque armado, porque havia um dispositivo militar do governo – que, aos olhos do movimento popular, seria capaz de resolver todos esses problemas. Tudo castelos de cartas, ilusões. Sentimos, então, a necessidade efetiva de mudar a linha política. Não podíamos ficar na dependência dessas alianças, na ilusão de que esses sistemas de forças políticas e sociais resolveriam nossos problemas. Era preciso, portanto, um novo sistema de forças e também rever o caráter do caminho pacífico.


Trechos extraídos de entrevista de Apolonio de Carvalho e Renée de Carvalho a Paulo de Tarso Venceslau, na Revista Teoria e Debate, nº 06 (2º Trimestre de 1988). Clique aqui para ler a entrevista na íntegra.

`