Orgulhava-se, igualmente, de com os companheiros de Escola Militar ter participado do ato de Proclamação da República, em 15 de novembro.

  Nasci em 1912, numa aprazível Corumbá, e dois anos depois, quando as tropas do Kaiser invadem a França, meu irmão e uma dúzia de colegas do ginásio fogem de casa – estão a caminho de Paris, para integrar-se como voluntários no exército francês. Claro, ao contrário da campanha alemã na Frente Ocidental, a dos pais desses jovens junto ao Itamarati coroou-se de êxito: sua prole foi detida ainda no Uruguai. Cabe ressaltar porém que, em meio ao desolado choro de minha mãe e irmãs pela atitude do defensor da República primeira, meu pai virou-se para elas e, conciliador, disse:

– Que é que vocês queriam? Aqui amamos demasiado a França!

As idéias da Revolução Francesa, que tanto influenciaram nosso povo – sobre elas se erigiram um Tiradentes e um Lucas Dantas, por ela se moveram as insurreições populares da primeira metade do século seguinte, com elas se forjou a República – estavam aninhadas em cada cômodo, em cada canto, em cada espírito do meu lar mato-grossense. E o juvenil ato de bravura de Deus de dit(…), meu irmão, tinha um antecedente genealógico. Em 1890, a colonialista Inglaterra ameaçara bombardear duas cidades portuárias do Chile, Valdívia e Valparaíso, e os cadetes brasileiros, por uma mensagem de protesto contra a injúria e de solidariedade aos colegas da Escola Militar de Santiago, ofereceram-se para lutar ombro a ombro com eles pela independência e soberania de seu país. Foi Candido Pinto de Carvalho Junior, papai, quem redigiu o anteprojeto dessa mensagem.

infancia02 E muito se orgulhava do feito, que, lembrava-nos, tivera registro num livro de Teixeira Mendes, Esboço biográfico de Benjamim Constant, do qual fora cadete na Praia Vermelha. Orgulhava-se, igualmente, de com os companheiros de Escola Militar ter participado do ato de Proclamação da República, em 15 de novembro. E com tanto legítimo orgulho, de quem se faz presente em momentos decisivos da História, o velho Candoca incutiu em nós, seis irmãos, o pendor para a democracia, para as liberdades, para os direitos do próximo. Incutiu-nos, sobretudo, um sentimento de recusa a todos os governos de força, a todos os regimes de reação política e social.

Candoca para os não íntimos, que os filhos só o tratávamos por papai. Estilo antigo, nada de «velho» nem «Praça Velha» – assim chamam a mim meus filhos. Não nos cingiam, contudo, pesados jugos paternos; no ambiente em que nos criamos, respiravam-se condescendência e liberalidade, amplas para os padrões da época.

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