Entrevista com as organizadoras do livro: Racismo no Brasil: Percepções da discriminação e do preconceito racial no século XXI,
“O racismo é a exclusão do outro” constatam autoras Gevanilda Santos e Maria Palmira da Silva que falam sobre o livro e a prática do racismo na sociedade brasileira.
Fundação Perseu Abramo (FPA) – Como se deu a produção do livro?
Palmira – Eu participei da primeira etapa da pesquisa, que foi uma contribuição à metodologia da pesquisa. Participei de algumas reuniões nas quais pensamos em algumas questões para focar o racismo nas suas diversas formas de expressão. Depois do material pronto, eu fui convidada pela FPA para ajudar na organização do volume.
FPA – Qual o grande mérito da pesquisa em relação à percepção do brasileiro sobre o racismo?
Palmira – De maneira geral, ela colhe informações sobre as expressões mais subjetivas de manifestação do preconceito. Não são dados quantitativos, mas qualitativos, que enfocam as diversas formas de manifestação do preconceito, do racismo, do preconceito racial na sociedade brasileira. Por exemplo, em setores como saúde ou mercado de trabalho, as pessoas falam de vivências de preconceito, de percepção da manifestação de discriminação nesses ambientes, mas que ainda não é aquela manifestação de racismo mais severa como observamos em épocas como a do apartheid, na África do Sul.
FPA – Quais as diferenças básicas entre racismo, preconceito racial e preconceito de cor?
Palmira – O preconceito, de maneira geral, é uma deformação da realidade. O indivíduo faz um julgamento da realidade sem conhecê-la plenamente. O preconceito de cor é sempre orientado pelas características físicas do indivíduo. Cor da pele é fundamental para orientar esse tipo de atitude. O racismo seria uma manifestação comportamental do preconceito. Ele se traduz em atos, em ação, diferente do preconceito, que pode simplesmente se manifestar por um sentimento de aversão. É algo mais subjetivo. O racismo é a exclusão do outro.
FPA – As organizações do movimento negro tem tido um papel importante nessa discussão. A pesquisa demonstra que existe um relativo recuo na questão do preconceito. Isso se deve ao trabalho dessas entidades?
Palmira – Eu penso que a ação dos movimentos sociais de combate ao racismo, especificamente do movimento negro, tem tido uma ação pedagógica no que diz respeito à disseminação de informação sobre a questão do racismo na sociedade brasileira. Os meios de comunicação também têm nos ajudado trazendo informações, promovendo debates sobre o tema. Isso faz com que a disseminação de informação na sociedade leve as pessoas a serem mais cuidadosas nas suas atitudes discriminatórias. Então, não necessariamente significa que as pessoas tenham deixado de ser preconceituosas. As pessoas se limitam, então, a manifestar o preconceito entre amigos. Ela fala em pequenos grupos onde sabe que não sofrerá nenhum tipo de repressão ou punição. Ela não manifesta publicamente sua aversão em relação ao grupo hostilizado.
FPA – A percepção do racismo é mais evidente nas manifestações preconceituosas do dia-a-dia ou no momento em que as desigualdades raciais são perceptíveis, por exemplo, no mercado de trabalho ou nas universidades?
Gevanilda – O racismo a cada dia que passa tem sido mais percebido pela sociedade brasileira em função da atuação do movimento negro, dos debates que têm sido abertos nas universidades, com trabalhos como esse da Fundação Perseu Abramo que faz a divulgação da realidade brasileira, que é desigual, tanto entre homens e mulheres quanto entre brancos, negros e indígenas. Então um trabalho como esse torna a desigualdade mais perceptível, pois no Brasil se vive um mito da democracia racial, onde não existe desigualdade.
FPA – O que é o racismo institucional?
Gevanilda – O racismo institucional é um racismo praticado por profissionais independente da sua consciência. Ele vai ao longo dos anos tratando de prestar o melhor serviço para pessoas brancas e não para as pessoas negras ou de origem indígena. Pois como o racismo nasce no seio da sociedade, ele vai passando às instituições e não se percebe o quanto numa escola, por exemplo, um professor trata desigualmente crianças negras e brancas ou quanto um currículo escolar atende à história do negro ou da sociedade indígena com dignidade ou com veracidade. É a isso que chamamos de racismo institucional. São as instituições do mercado de trabalho, educação, segurança, tratando de forma desigual os cidadãos, considerando a condição racial.
FPA – Qual a expectativa em relação a esse livro?
Gevanilda – O que eu espero é que se consiga fazer uma maior divulgação desses dados, pois o racismo no Brasil é muito complexo, pois os brasileiros dizem que não discriminam, mas concordam que existe racismo, portanto, o dado aferido pela pesquisa legitima uma realidade que o movimento social negro tem denunciado há anos; então, esse livro dá credibilidade à voz do movimento social e começa a quantificar, em determinado momento, o quanto de percepção racial os indivíduos têm. Ao longo do tempo é possível medir se a sociedade brasileira está evoluindo ou não para superar as desigualdades raciais.
FPA – Em países europeus, onde se imaginava que existia um avanço nesta questão, tem se evidenciado algumas manifestações preconceituosas, como no caso do futebol. Como você tem visto isso?
Gevanilda – Tem-se falado do retorno do preconceito ou de manifestações racistas nesse período de globalização. Isso se deve ao fato de as populações terem circulado mais entre os países; e a diferença entre ricos e pobres ter aumentado. E a população da América Latina ou África, tem concorrido com trabalhadores da Europa ou norte-americanos no mercado de trabalho. Como a competição tem aumentado nesse período de globalização que é altamente excludente, as manifestações preconceituosas aparecem como uma maneira de impedir o outro de ocupar uma posição social. Então em um momento de exclusão social há uma tendência em aumentar as manifestações preconceituosas. O perigo é que essa manifestação possa chegar ao ponto de existir o ódio pelo estrangeiro, principalmente por aqueles que vêm de países subdesenvolvidos. É um risco que corremos no século XXI, em que a globalização aproxima os indivíduos, mas não quer a aproximação entre todos. Alguns são mais eleitos que outros..
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