Livro: Retratos da juventude brasileira, org. Helena Abramo e Pedro Paulo Martoni Branco, Editora Fundação Perseu Abramo, 448 pgs, 2005.

Resenha publicada no Jornal O Globo – 29/01/2005

Por Miriam Goldenberg*


Vivi minha adolescência e juventude nos anos 70, época de revolução comportamental protagonizada pelos jovens. Hoje, observo meus alunos, da graduação à pós, para tentar compreender o que mudou e o que permaneceu nesta nova geração. Quem são os jovens de hoje? O que pensam? Como se comportam? Quais são seus desejos e valores? São herdeiros do feminismo, da contracultura, do movimento gay, da geração em que toda mulher era (ou queria ser) “meio Leila Diniz”? São conservadores, frutos da ditadura militar? São jovens liberais, empreendedores?

Algumas das respostas a estas questões podem ser encontradas em “Retratos da juventude brasileira”, livro organizado pela socióloga Helena Abramo e pelo economista Pedro Paulo Martoni Branco, que traz ricas análises de uma pesquisa com 3.501 jovens, de 15 a 24 anos. A pesquisa buscou retratar os 34,1 milhões de jovens brasileiros, não somente por meio de indicadores objetivos, mas colocando o foco da investigação em dimensões subjetivas, isto é, na visão dos jovens sobre seu lugar na sociedade.

O livro mostra que é preciso falar de juventudes, no plural. Mas os jovens respondem de modo semelhante a algumas questões. Os temas de violência e desemprego surgem como marcos por entre os quais se desenvolve a experiência desta geração. Ao serem perguntados sobre o que mais os preocupa, 55% disseram violência, 52% emprego e 24% drogas. Educação e trabalho são seus principais interesses e, apesar das dificuldades, manifestam otimismo e satisfação com a vida. A família é a instituição na qual mais confiam. Sobre os valores mais importantes de uma sociedade ideal, escolheram solidariedade, respeito a diferenças, igualdade de oportunidades, temor a Deus e justiça social.

Maioria dos entrevistados diz preferir “ser homem”

No que se refere às diferenças de gênero, as moças praticam menos atividades físicas e realizam mais atividades domésticas do que os rapazes. Os dados evidenciam a tradicional divisão na qual os homens possuem mais mobilidade no espaço público, enquanto as mulheres estão mais circunscritas ao espaço doméstico. Não é de estranhar que os pesquisados afirmem que preferem ser homem (58%) a mulher. A pesquisa retrata um jovem com desejos e valores contraditórios: ele não quer sair de casa, mas busca emprego e independência. A maioria é contra a legalização da união de pessoas do mesmo sexo, contra a descriminalização do aborto e do uso da maconha e prefere relações amorosas estáveis.

Gilberto Freyre escreveu em “Casa Grande & Senzala” que a formação brasileira se caracterizava por um “processo de equilíbrio de antagonismos”. Freyre destacou que o brasileiro teria uma natureza flexível, em que coisas aparentemente contraditórias conviveriam equilibradamente. É impossível não lembrar disso ao ler “Retratos da juventude brasileira”. Afinal, quem é o jovem brasileiro? Conservador, vanguardista? De direita ou de esquerda? Católico ou evangélico? É preciso deixar de lado reducionismos maniqueístas. O maior mérito do livro é mostrar um jovem complexo e plural, que não pode ser enquadrado em velhas classificações, como a própria realidade brasileira hoje.

* MIRIAN GOLDENBERG, autora de “De perto ninguém é normal”, antropóloga e professora da UFRJ
Publicado no Jornal O Globo – 29/01/2005

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