Papéis que contam a história do Partido dos Trabalhadores serão tema de importante discussão no 5º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.

A oficina “PT 25 Anos: Memória e Documentação” será parte do eixo de discussão sobre as lutas sociais e alternativas democráticas contra a dominação neoliberal. Inscrita pela Fundação Perseu Abramo (FPA), a atividade vai mostrar a experiência do Centro Sérgio Buarque de Holanda no resgate e preservação da história do PT. O debate ocorrerá no dia 28, na sala F208, com capacidade para 200 pessoas, na região conhecida como Pôr-do-Sol.

A dinâmica da oficina contará com duas exposições iniciais dando uma abordagem política mais ampla sobre a documentação, feitas pelo presidente da FPA, Hamilton Pereira. Alexandre Fortes, coordenador do Centro Sérgio Buarque de Holanda – Documentação e Memória Política (CSBH), fará uma exposição mais técnica sobre a evolução do trabalho de resgate e constituição do acervo documental do PT. A criação do centro, ligado à FPA, é considerada uma iniciativa inédita do ponto de vista dos partidos da América Latina.

Fortes afirmou, em entrevista ao Portal do PT, que espera que a oficina sirva como um ponto de partida para uma reflexão sobre a história do PT que deve durar todo o ano. A oficina será a arrancada para as atividades dos 25 anos do PT promovidas pela FPA, aproveitando não só a militância do partido, mas uma ocasião com as presenças da sociedade civil e das esquerdas nacional e internacional. Segundo o coordenador do CSBH, a oficina será um momento para aprofundar a relação entre o trabalho mais técnico de resgate de documentação e a reflexão sobre a história do partido, usando os arquivos como instrumento para qualificar análises sobre a trajetória da legenda e as comparações com outras experiências.

Memória popular

Em entrevista ao Portal do PT, Hamilton Pereira afirmou que os setores populares no Brasil, não raramente, são acusados de não terem memória. “O que é um duplo engano”, ressaltou. Na opinião do petista, as elites brasileiras preservam cuidadosamente e impõem a sua memória como se fosse a memória do país. Para isso, têm um aparato que inclui o próprio Estado. “Os setores populares têm limites para fixar sua memória”, declarou.

Pereira relatou um episódio que ilustra este limite. Em abril de 1997 ocorreu o massacre de trabalhadores rurais em Eldorado de Carajás (PA). Estarrecido com a brutalidade, Pereira procurou o arquiteto Oscar Niemeyer e pediu-lhe que esboçasse um monumento que fixasse a memória daquele fato terrível. Ele não só acolheu a proposta como doou a peça esculpida para os trabalhadores. Pereira levou a peça para a região de Eldorado e fixou-a no cruzamento da Transamazônica e a BR-70. Menos de 40 dias depois, a peça foi destruída. “Perguntei ao Niemeyer se devíamos fazer um novo, e ele disse que deveríamos recolher os pedaços, colar e expor como cicatriz, o que demonstrou sua consciência de como lidar com a memória”, elogiou.

O presidente da Fundação considera uma obrigação valorizar e respeitar a história construída pelo Partido dos Trabalhadores ao longo destes 25 anos. Em sua opinião, esta memória não é propriedade do PT, mas patrimônio do povo brasileiro. Para ele, a oficina não vai mostrar apenas como o partido a cultiva e a disponibiliza para acesso público, mas compartilhar com demais interessados, a partir da experiência adquirida, as tecnologias e o know-how que o CSBH utiliza para a preservação.

O acervo a ser preservado é todo documento gerado ou recebido de forma oficial pela instituição, como correspondências, resoluções, atas, papéis financeiros, etc. O problema de volume se dá pelo excesso de cópias que, reduzido, é microfilmado conforme os padrões internacionais de conservação – o que garante a preservação por 500 anos. O próprio partido, por meio da Secretaria Nacional de Organização (Sorg), já está microfilmando novos documentos.

Fragilidade
Segundo Fortes, boa parte do que há publicado sobre o partido tem uma base de documentação muito frágil. Como sua atuação é considerada história recente, além de começar a organizar seu arquivo em 2001, as pessoas se baseiam em entrevistas da imprensa e papéis mais conhecidos, mas desconhecem a série documental. “Uma coisa é ler uma resolução isoladamente, outra é poder analisar a série documental. Isto dá uma densidade muito maior à pesquisa”, avaliou Fortes.

Agora, o CSBH começa a apresentar resultados mais de impacto e se torna centro de referência para pesquisadores e imprensa. Há perdas documentais que não se sabe se são definitivas, como a ata da reunião no Colégio Sion, evento político assumido pelo partido como sua fundação. As surpresas ficaram por conta dos inúmeros relatos que surgem sobre a criação do símbolo do partido, a estrela, revelando o envolvimento afetivo de muitas pessoas com este momento. De muitas formas e, em ocasiões distintas, as pessoas se sentiram parte deste momento. “Não há a intenção de chegar a uma história perfeita e acabada, mas a valorização deste processo, mesmo que com relatos conflituosos em alguns momentos”, esclareceu Fortes.

Movimento social
Como o levantamento de memória contribui para o debate entre a relação partido e movimentos sociais, em tempos de ascensão ao poder? Este é um questionamento que pode surgir a partir do debate sobre o trabalho do Centro de Documentação. Como surgiu em meio à ditadura, o PT tornou-se um catalisador dos movimentos sociais. Fortes, que é doutor em História pela Unicamp, dá razão à percepção de que o PT era mais uma reunião de movimentos do que um partido em seu início. “Comparar o PT com outros partidos de esquerda brasileiros é algo esdrúxulo, pois ele está mais próximo do que foi o surgimento do partido comunista na década de 1920, quando ganhou uma base social maior, ou com o partido social-democrata alemão, ou o trabalhista inglês”, falou.

Conforme revela a documentação analisada por Fortes, o PT sempre foi muito enfático em relação à autonomia dos movimentos sociais, pois “não pretendia repetir os vícios da velha esquerda” – tanto stalinista, quanto social-democrata -, que atrelavam os movimentos ao partido. Por não ser uma relação estável, inclusive com conflitos, Fortes enfatiza a importância de que seja analisada de forma qualificada. “Há muito simplismo em dizer que o PT era um reflexo dos movimentos e depois abandonou-os e os traiu”, declara. Olhando os documentos do PT, Fortes vê que as pessoas que conduziram a fundação do partido tinham consciência desta complexidade. Não é à toa que elas defenderam esta autonomia entre o partido e os movimentos, levando à fundação de movimentos com a CUT e o MST, por exemplo.

Hoje, uma vez que está no governo, o PT está aprofundando a autonomia sindical, de acordo com Fortes, e as condições democráticas para os movimentos sociais exercerem seu papel. “O partido não está no Estado para agir como um movimento social, mas para aperfeiçoar as instituições democráticas”, declarou. Ele lembrou que, desde o seu primeiro governo, em 1982, o partido já tinha que responder pela expectativa de curto prazo de uma transformação rápida e profunda, rompendo com tudo o que foi feito antes.

Considerando todas as limitações, recuperar a memória do PT é contribuir de uma certa forma para reativar a memória dos movimentos sociais. Fortes diz que o PT é parte das lutas sociais. “Não temos a pretensão de contar isoladamente esta história, mas participar de uma rede que inclua outras entidades ou universidades”, explicou. À medida que o partido vai ganhando uma dimensão histórica, Fortes diz que o PT está começando cedo a valorizar seu acervo. “Sem a documentação, fica-se dependendo da memória das pessoas, nem sempre bem preservada”.

Outras atividades
Além da oficina, a Fundação Perseu Abramo atualizará em CD-Rom o livro “Resoluções de Encontros e Congressos”, que traz uma série de documentos e atas que acompanham a história do PT; serão produzidos dez conjuntos da exposição iconográfica “Trajetórias”, em painéis que circularão por todo o país; e serão colhidos 25 depoimentos de militantes históricos do partido, como Lula, Zé Dirceu, Apolonio de Carvalho, Antonio Candido, em um projeto em parceria com o CPDOC/FGV, dando início ao projeto de História Oral do partido.

A atividade de maior envergadura desenvolvida pelo projeto Memória e História foi implementada pela equipe técnica sob orientação da coordenadora-assistente Maria Alice Vieira, com a recuperação do acervo do Diretório Nacional do PT, composto por documentos produzidos desde 1980, uma coleção relativa aos movimentos pré-PT e significativa coleção de publicações e de audiovisuais editados pelo partido, por movimentos sociais, prefeituras, governos, parlamentos e organizações não-governamentais, nacionais e estrangeiras. Paralelamente, também vêm sendo identificados e organizados, de modo preliminar, diversos fundos e coleções pessoais de dirigentes políticos.

Foi a partir do balanço dos resultados significativos alcançados e da experiência acumulada nestas diferentes ações que a FPA decidiu criar o CSBH, organismo que assume a partir de agora a responsabilidade pela continuidade e expansão do trabalho desenvolvido pelo Projeto Memória e História.

Oficina PT 25 anos: documentação e memória: 28/1 – Pôr do Sol – sala 208 – 15h30

Publicado no Portal do PTwww.pt.org.br

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