Edição n° 57 – maio de 2006: Tempos da esperança nova?
Em seu belo ensaio “A condição humana”, sobre “A divina comédia”de Dante Alighieri, Newton Bignotto conclui: “Não são o amor, as amizades, as virtudes que produzem o destino final dos homens. Ao longo da viagem dos poetas vimos que mesmo em situações extremas essas qualidades ainda podem ser encontradas. O que separa definitivamente os homens é a possibilidade de que eles tenham esperança ou não. A verdadeira pena do inferno, a que unifica todos os pecadores, é a impossibilidade em que se encontram de esperar. Isso é o que faz tremer o grande poeta, isso é o que até hoje nos
desumaniza inteiramente, quando as circunstâncias históricas nos condenam a experimentar na pela a dureza das palavras que presidem o inferno. Não é sem uma ponta de mágoa que Virgílio afirma: “somos por essa causa, essa somente perdidos,/mas nossa pena é só esta:/sem esperança ansiar eternamente”.
Não tenhamos dúvida de que mais até do que o presidente Lula, mais ainda do que o PT, mais que os valores personificados por toda a esquerda brasileira, o que se visava com a agressividade da campanha de desestabilização iniciada em 2005 era a esperança do povo brasileiro. Ela, no entanto, resistiu, fez-se mais rigorosa e crítica, e por toda parte agora há sinais de que podemos estar no limiar de um novo ciclo de despertar de energias e de anseios de mudança mais profunda.
Esta resistência dos valores da esquerda brasileira está magnificamente comprovada no trabalho do Núcleo de Opinião e Pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizado entre os dias 10 e 16 de março deste ano. A pesquisa colheu opiniões em uma amostra de 2.379 municípios em 25 estados brasileiros. Em primeiro lugar, o PT continua sendo de longe o partido mais preferido dos brasileiros com 23% do eleitorado, bastante acima dos 7% do PSDB. Este índice é apenas 3% abaixo do obtido pelo PT em outubro de 2002. Além disso, não é verdade que o PT tenha se tornado um “partido dos grotões”, após ter chegado ao governo federal: nas capitais, o índice de preferência do eleitorado pelo PT ascende a 26%.
Para os entrevistados que tinham notícias das mudanças ocorridas no PT durante o período recente, 41% julgaram-nas positivas e 34% consideraram-nas verdadeiras, não de fachada, mas insuficientes.
Para 49% dos entrevistados, o “socialismo continua sendo uma alternativa para resolver os problemas sociais”, um índice superior aos 45% de setembro de 2002. a democracia continua sendo a melhor forma de governo para 59% dos entrevistados. A participação da população nas decisões mais importantes de governo é positiva para 58% dos entrevistados.
Assim, se a maioria do povo eleger pela segunda vez Lula à presidência da República, será criada uma cena histórica propícia a mudanças mais profundas do país. Há quatro razões que concorrem para isso. O capital financeiro já não dispõe das condições fortes de vulnerabilidade da economia brasileira e nem da tutela institucionalizada do FMI para chantagear o novo governo.
As forças políticas que chegaram pela primeira vez ao governo central do país aprenderam muito nestes quatro anos. Já puderam reconstituir, em um grau importante, instrumentos de gestão estatal que estavam profundamente desmantelados e desorganizados pelos oitos anos de domínio neoliberal. Já puderam equacionar possibilidades iniciais de políticas públicas mais inclusivas e universais.
Na América Latina, sopra o vento forte da mudança, já estão ficando para trás os anos de cinza neoliberal que cobriram as jovens democracias do continente, renascidas após décadas de ditadura militar. Cada experiência comunica-se com a outra, torna-se maior do que si mesmo, acrescenta auto-confiança a povos que a história parecia haver relegado ao inferno da desesperança.
Mas, principalmente, há agora de forma muito mais nítida do que em outubro de 2002, a consciência de que nenhuma mudança profunda virá sem o esforço de cada um e dos coletivos dos movimentos sociais. Afirmou uma vez resolutamente um filósofo, contra todas as teorias de sua época, que a soberania popular não pode ser delegada ou transferida a um outro corpo político. Ela deve ser exercida diretamente pelos cidadãos. Aprendemos agora que a esperança também não pode ser alienada.
Convergência ao futuro
O Encontro Nacional do PT, recém realizado, deve ser compreendido como um segundo passo, desde a realização das eleições diretas para a eleição da nova direção, no processo de reconstrução dos fundamentos do PT. E que continuará no ano que vem com a realização de um novo Congresso Nacional.
Três grandes balanços podem ser feitos. O alto grau de unidade na aprovação dos dois textos fundamentais levados a voto – sobre a conjuntura nacional e as eleições de 2006 e sobre as diretrizes do programa de governo – é um sinal de um reencontro do PT com sua identidade histórica. A efusão da presença do presidente Lula diante dos delegados ao Encontro e seu expressivo discurso renovam o diálogo entre a experiência de ser governo e a cultura partidária levada à extrema tensão nestes últimos anos. Entre o partido reconstituído em sua identidade histórica e a liderança pública de Lula, se reafirmada nas eleições, deve haver no próximo período uma nova, rica e criativa tensão.
Certamente foi neste ano o 1º de Maio mais expressivo e politicamente orientado desde a posse de Lula na presidência. Em outubro do ano passado, em pleno auge da crise política, cerca de mil dirigentes sindicais petistas se reposicionaram na cultura partidária. Neste ano, os sindicalistas estão apresentando uma “Plataforma da classe trabalhadora”, contendo todo um elenco de direitos sociais, econômicos e democráticos a serem reivindicados ao futuro governo. Segundo o presidente da CUT, “estaremos permanentemente mobilizados para que essa plataforma seja implementada”.
Os movimentos populares, reunidos em Recife no II Fórum Social Brasileiro, também aprovaram um documento “Avançar na mudança. Contra o retorno da direita neoliberal”, contendo um plano de mobilizações. Planejam realizar em meados de junho um grande ato público nacional para divulgar uma plataforma de demandas.
Não menos expressivo é o documento “Eleições 2006 – Orientações da CNBB”. O documento afirma: “Temos o anseio de construirmos um Brasil marcado pela ética na política, promovendo a convivência fraterna, no respeito às diferenças, sem exclusões e sem privilégios”. E apresenta sete grandes opções a serem praticadas pelo futuro governo: promover a participação popular, rever o modelo econômico, ampliar as oportunidades de trabalho, fortalecer as exigências éticas em defesa da vida, reforçar a soberania da Nação, democratizar o acesso à terra e solo urbano e proteger o ambiente e a Amazônia.
Entre o governo Lula, o PT, a CUT, os movimentos sociais e a Igreja progressista começa a ser reelaborada uma gramática comum após todos os percalços da experiência vivida. E o sopro que anima essa gramática comum é, sem dúvida, a retomada da esperança em grandes transformações do país.
Angústia da decepção
O mês de abril expôs, de forma inicial, as dificuldades da candidatura Alckmin no sentido de superar os seus três grandes desafios: vencer Lula em um eleitorado de raiz majoritariamente popular, nacionalizar em curto espaço de tempo sua força e conseguir construir uma dinâmica de alianças e convergências com partidos e lideranças de centro-esquerda. Não há evidência, por enquanto, de que Alckmin esteja sendo bem sucedido em qualquer uma destas três dimensões, embora um juízo mais definitivo a este respeito não possa ainda ser feito.
Neste quadro ainda de impasses da candidatura Alckmin, é que tem decisiva importância a situação de desconstrução pública da candidatura de Garotinho à presidência pelo PMDB. Está se tornando cada vez mais provável que o PMDB não tenha uma candidatura própria nas próximas eleições, o que provavelmente precipitaria a disputa eleitoral para uma definição de primeiro turno. Isto é, há uma compressão do tempo para a candidatura Alckmin.
Daí a angústia que visita os estrategistas desta candidatura. Ela parece ter aberto mão da capacidade pública de articulação de Fernando Henrique Cardoso, identificado em pesquisas quantitativas e qualitativas como extremamente impopular. E parece, por enquanto oscilar, entre um ataque frontal à figura pública de Lula, como recomenda o cálculo realista de César Maia, e a lenta e incerta construção da imagem positiva, através do marketing, diante do eleitorado. É bem provável, portanto, que as forças políticas neoliberais tentem nos próximos meses agir, por fora da dinâmica democrática da disputa eleitoral, contra um adversário cada vez mais difícil de ser derrotado.
O anti-carisma de Alckmin só poderia ser eficiente no quadro de uma aguda desesperança com a reeleição de Lula. Mas os tempos parecem indicar a esperança nova.
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