Cidadania Cultural: O Direito à Cultura
Poder reunir e oferecer os textos de Marilena Chaui que reunimos neste volume aos leitores interessados na produção do pensamento sobre o fazer cultural é um prêmio. Um prêmio e um serviço à difusão do pensamento – e da prática democrática na cultura – porque neles a professora Marilena trata também das políticas públicas, a partir da experiência concreta de gestão.
Num momento em que o debate cultural no Brasil recuou para os bastidores da cena pública e se restringiu aos interessados, aos criadores e artistas – na contramão dos avanços deste tema nas discussões internacionais, vide a Convenção Internacional da diversidade cultural para a proteção e a promoção das expressões culturais, da Unesco, de 2005 – nada melhor do que reacender o indispensável exercício do pensamento crítico para propor avanços programáticos que superem o viés da supremacia do mercado, das visões da cultura restritas a “um bom negócio” que prevaleceram nos anos 1990 e, em alguma medida, ainda se mantêm vigentes. É tarefa dos intelectuais comprometidos com uma perspectiva transformadora e democrática produzir formulações novas, incômodas, para combater a acomodação num processo de natureza tão complexa como a construção de uma democracia de massas, no Brasil. Em suma, utilizar a democracia para questionar os democratas teóricos pouco habituados ao exercício concreto dela.
Mais do que avançar nas proposições republicanas que se recusam a tomar os indivíduos como consumidores e contribuintes, tal como deseja o mercado, os textos aqui reunidos preferem tratar os indivíduos como cidadãos portadores de direitos. Não apenas como consumidores de bens e serviços culturais, mas também como criadores de cultura. Reconhecem, portanto, e expõem de modo cristalino, a legitimidade do conflito inerente ao exercício democrático entre aqueles que foram sistemática e deliberadamente excluídos do direito à cultura e os que a usufruem como um privilégio de classe.
Pensar uma nova síntese, um novo projeto de Brasil que se despeça das heranças neoliberais, exige encarar esse desafio que a coragem intelectual de Marilena Chaui nunca recusou.
Hamilton Pereira
Membro do Conselho Editorial da Fundação Perseu Abramo