Acórdão do STF põe Bolsonaro mais perto da prisão; jurista explica próximos passos
“O Supremo rompeu com a tradição de passar a mão na cabeça de golpistas”, afirma o jurista Marcos Rogério de Souza sobre a publicação do acórdão que aproxima Bolsonaro da prisão

O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou o acórdão que formaliza a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros réus por crimes contra a democracia e tentativa de golpe. A divulgação desta decisão por escrito, ocorrida em 22 de outubro, inicia a contagem regressiva para os próximos passos processuais e tem gerado especulação sobre os desdobramentos, em especial sobre a possível prisão do ex-presidente.
Ouvido pela Focus Brasil, o jurista Marcos Rogério de Souza, advogado e ex-secretário especial de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, ao explicar as próximas etapas, destaca que durante o processo a “Suprema Corte Brasileira deu ao Brasil um exemplo que rompeu, inclusive, com a tradição histórica de passar a mão na cabeça de golpistas, de ser complacente com pessoas que violam a própria Constituição, que violam as regras do Estado Democrático de Direito.”
Embargos de Declaração
A partir de quinta-feira, 23 de outubro, começa a contar o prazo de cinco dias para a apresentação dos recursos, que, em tese, seriam os últimos neste caso. Na avaliação de Souza, que atualmente é assessor jurídico da Liderança do Governo no Congresso Nacional, o processo avança para o trânsito em julgado após o julgamento do embargo de declaração pela Primeira Turma do STF. Ele considera que Jair Bolsonaro teria recebido “uma informação ruim no último período” com a mudança do Ministro Luiz Lux da Primeira para a Segunda Turma.
O ministro Luiz Fux era considerado um voto potencialmente favorável aos recursos do ex-presidente naquela corte. “Ou seja, o ministro que eventualmente poderia dar provimento aos recursos dele na Primeira Turma deixou e foi para a Segunda Turma”, observou Souza. Com a mudança, a situação de Bolsonaro “ficou um pouquinho ainda mais difícil na Primeira Turma”.
Ao absolver o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros líderes, mas condenar o então ajudante de ordens Mauro Cid pelo crime de abolição violenta do Estado de Direito, a decisão de Fux foi interpretada como uma inversão de responsabilidades, na qual os supostos “mentores e articuladores” foram absolvidos, enquanto o “funcionário que cumpriu ordens” foi condenado. “É um voto muito contraditório”, resumiu Souza, reforçando que “o voto divergente é a comprovação da liberdade de autonomia do Supremo, dos seus integrantes, de absolver ou condenar outras pessoas.”
Essas contradições teriam sido expostas publicamente pelos demais ministros da corte. A avaliação entre especialistas é de que Fux ficou “constrangido com a reação que a comunidade jurídica teve ao seu voto”, que foi criticado por supostamente não apresentar uma “lógica jurídica aplicada ao caso concreto.”
Embargos Infringentes
Vencido o prazo anterior, a defesa também deve insistir no chamado embargo infringente. Entretanto, o entendimento atual do STF é que este tipo de recurso só é cabível quando o réu obtém dois votos favoráveis à absolvição. No caso do núcleo crucial, a condenação foi por 4 votos a 1 (apenas o Ministro Luiz Fux votou pela absolvição de seis dos oito acusados, incluindo Bolsonaro), mas os advogados já declararam que devem apresentar o pedido mesmo sem atingir esse número.
Após a apresentação dos recursos, não há um prazo fixo para a análise dos recursos. Rogério de Souza explica que “vencida essa etapa de consolidação da decisão com aquilo que chamamos de trânsito em julgado do acórdão, será expedido o mandado de captura [prisão] para que ele seja recolhido a um estabelecimento penitenciário.”
Consequências do Trânsito em Julgado
De acordo com a Lei de Execuções Penais, a sentença condenatória com “trânsito em julgado” deve ser cumprida em estabelecimento penitenciário. No entanto, existem precedentes em que tribunais autorizam o cumprimento da pena em locais alternativos para determinados casos.
“Há diversos precedentes por parte dos tribunais de que determinadas pessoas possam cumprir em outro local, como, por exemplo, numa cela especial da superintendência da Polícia Federal ou num quartel do Exército”, considerou o advogado, pontuando que em Brasília, “as opções mais prováveis seriam o Complexo Penitenciário da Papuda ou a prisão federal da capital.”
Há expectativa de que a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro apresente um pedido de cumprimento de pena em prisão domiciliar. O argumento se baseia em três fundamentos: a idade do ex-presidente, que tem mais de 70 anos; alegados problemas de saúde, como soluços contínuos e problemas de constipação; e as razões humanitárias que englobam as duas condições anteriores.
“O Supremo poderia, em tese, conceder a prisão domiciliar”, avalia o advogado, lembrando que tal decisão configuraria um privilégio, já que “muitos brasileiros e brasileiras nas mesmas condições — idosos, com doenças graves — não têm o mesmo direito reconhecido”.
Apesar do possível benefício da prisão domiciliar, uma conclusão parece consolidada: “muito provavelmente não haverá, no âmbito desses recursos, manejados pela defesa, possibilidade de redução da pena fixada pelo STF de 27 anos e 2 meses”, afirma o advogado.
Luiz Fux pede para deixar a Primeira Turma
Analistas e comentaristas de política passaram o dia tentando explicar a decisão e os desdobramentos do pedido de Luiz Fux para deixar a Primeira Turma do STF, com teorias e considerações sobre a mudança de comportamento do magistrado. Seria possível explicar esse comportamento comparando-o com as decisões anuladas da Lava Jato?
Na avaliação do advogado ouvido pela Focus, a situação difere radicalmente do processo da Lava Jato. Ele lembra que naquele caso, a Corte entendeu de forma “conclusiva” que houve “nulidades totais” na produção de provas, realizadas em “conluio” entre juiz e Ministério Público, o que levou à anulação das condenações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “As provas eram ilegais”, lembra, acrescentando que o caso Lava Jato é hoje estudado academicamente pelo “grande dano” causado com base em provas “produzidas de maneira fraudulenta.”
Em contraste, o processo de Bolsonaro seguiu o rito legal, com “toda a ampla defesa e contraditório assegurados”. “Não houve conluio entre o Poder Judiciário e o Ministério Público. A defesa se manifestou livremente”, ressaltou.
Para o advogado, a principal conclusão do julgamento é inequívoca: “Atentar contra a democracia é grave, é crime, dá prisão.”



