Cardozo: voto de Fux fatiou fatos e acabou servindo de munição com “brecha para leituras distorcidas”
Em entrevista à Focus Brasil, José Eduardo Cardozo critica o voto de Luiz Fux, aponta suas incoerências e alerta que a decisão pode ser usada como argumento político para defender Bolsonaro, como acontece agora com a Anistia no Congresso. Leia a revista completa

Foto: Agência Brasil
O jurista José Eduardo Cardozo classificou como frágil e incoerente o voto do ministro do STF Luiz Fux, único a absolver Jair Bolsonaro no julgamento por tentativa de golpe de Estado.
Em entrevista à Focus Brasil, Cardozo detalhou as inconsistências jurídicas do voto, lido durante quase treze horas no terceiro dia do julgamento, e avaliou os riscos políticos que ele pode trazer para a democracia brasileira – incluindo a abertura para que o projeto de anistia avançasse no Congresso um dia após a conversa.
“Esse voto isolado tem várias consequências. Do ponto de vista jurídico, apresenta inconsistências e incoerências que precisam ser destacadas”, afirmou. “Fux sempre teve uma postura mais punitivista, e agora, de forma absolutamente surpreendente, fez uma guinada garantista. Nada impede que mude de posição, mas foi incoerente com seus julgamentos anteriores, inclusive dentro do mesmo processo.”
LEIA MAIS +
Os condenados: as penas e os crimes do núcleo central da tentativa de golpe julgada pelo STF
Após aprovação na Câmara, Otto Alencar diz que PEC da Blindagem não passa na CCJ do Senado
As incoerências no voto de Fux
Segundo Cardozo, o maior erro metodológico foi o fatiamento dos fatos, desconsiderando o plano de golpe descrito na denúncia da Procuradoria-Geral da República.
“Fux desconsiderou a ideia de uma organização criminosa e desconectou atos que só fazem sentido quando analisados em conjunto. Se eu isolar todo o plano, posso dizer: ‘Bem, mas aqueles que serviram comida não cometeram nenhum crime’. Servir comida não é ilícito em si. Mas, no contexto de uma ação criminosa mais ampla, tem um significado. Essas pessoas participaram, sim, do plano.”
Ele lembrou ainda a metáfora usada pelo ministro Flávio Dino em seu voto: “É como olhar um bife e dizer que não é boi porque não tem quatro patas ou rabo. Esse é um equívoco analítico grave”.
Outro ponto questionado é a contradição entre condenar Braga Netto e Mauro Cid e absolver Bolsonaro. “É como admitir que houve um plano, mas inocentar quem o liderava. Isso não se sustenta juridicamente”, disse.
Brechas políticas e o risco da anistia
Na avaliação de Cardozo, embora derrotado na Primeira Turma, o voto de Fux acabou servindo de munição política. Na noite de quarta-feira (17/9), a Câmara dos Deputados aprovou a urgência para uma proposta que pode beneficiar condenados por atos antidemocráticos e tentativa de golpe de Estado. O texto de 2023, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), deve ser alterado, mas sua tramitação foi acelerada. Quando esta entrevista foi realizada, no entanto, o projeto ainda não havia entrado em pauta.
“O bolsonarismo dizia que o golpe era invenção esquerdopata, uma conspiração do STF, da imprensa, da Polícia Federal. Ora, o próprio Fux reconheceu que havia cabeças do golpe, como Braga Netto e Mauro Cid. Portanto, não era invenção alguma. Mas, ao absolver Bolsonaro, deu argumento para os que querem sustentar que houve perseguição”, explicou Caardozo.
Ele destacou ainda a concordância com a crítica feita pelo ministro Gilmar Mendes, que classificou o voto como incoerente. “O voto de Fux, endeusado pelos bolsonaristas, quebra o pé do próprio raciocínio raiz do bolsonarismo, mas ao mesmo tempo fragiliza a decisão e abre brecha para leituras distorcidas.”
As brechas abertas pelo voto ajudaram a alimentar o ambiente político para que, no dia seguinte à entrevista, o Congresso avançasse sobre a PEC da Blindagem e aprovasse a urgência de um projeto de anistia.
Em entrevista à BBC no mesmo dia (17/9), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que vetaria a proposta. “Se viesse pra eu vetar, pode ficar certo de que eu vetaria”, afirmou. Projetos de lei precisam de sanção presidencial, mas o Congresso pode derrubar um eventual veto.