Governo federal estuda tarifa zero no transporte público
Tendência global, gratuidade traz benefícios para economia e qualidade de vida nas cidades

Bandeira importante do direito à cidade, a tarifa zero nos transportes voltou a ser assunto nas últimas semanas a partir de conversas com o presidente Lula, que solicitou que o assunto fosse alvo de estudos de viabilidade pela equipe do governo federal.
O peso do alto custo das passagens no bolso dos brasileiros permanece como o contexto da discussão. Em São Paulo, por exemplo, uma pessoa que utiliza a integração ônibus-metrô, em todos os dias úteis, desembolsa R$ 391,60 ao mês, o que equivale a mais de 25% do salário mínimo.
Os benefícios da gratuidade, no entanto, ainda esbarram nos desafios para encontrar um modelo orçamentário adequado e possível. Apesar da complexidade na estruturação do financiamento, 138 cidades já registram a tarifa zero integral, ou seja, em todos os dias da semana para todas as pessoas, além de outros municípios que adotaram um modelo parcial, aos finais de semana ou para grupos específicos, como estudantes e idosos. A política pública teve um salto nos últimos anos. Em 2020, o país tinha 42 cidades com gratuidade de tarifa.
Círculo vicioso
Defensor da tarifa zero universal, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP) é um dos principais interlocutores que o Planalto tem sobre o tema. Sobre o cenário atual, ele cita o que especialistas denominam como o “círculo vicioso” do sistema do transporte público.
“Cada aumento tarifário representa uma perda de passageiros, que resulta em perda de arrecadação, seguido por uma piora na qualidade do serviço para poder cortar custos, o que acarreta em perda de mais passageiros, fazendo com que as empresas pressionem o poder público por aumento da tarifa”, explica.
Em março de 2023, Tatto apresentou um Projeto de Lei relativo ao tema na Câmara dos Deputados e agora continua em tratativas para que o assunto entre, cada vez mais, em debate. “Toda política pública no Brasil demanda uma certa adequação às diferenças socioeconômica e demográficas, não será de outra forma com a tarifa zero. Acredito que é preciso criar um sistema com diversificadas fontes de irrigação de um fundo, os estudos técnicos podem mostrar quais deverão ser essas fontes. Todas as possibilidades estão em aberto”, diz o deputado.

Um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas analisou 57 cidades que implantaram o sistema, no período entre 1994 e 2022, e foi verificado um aumento de 3,2% nos empregos e uma expansão de 7,5% de empresas nestes municípios, além dos impactos positivos no comércio local.
Na cidade de São Caetano do Sul, na região do ABC paulista, um monitoramento do Waze trouxe um dado interessante sobre a redução do número de carros após a implantação da tarifa zero em novembro de 2023. De acordo com a Prefeitura, parceira da plataforma no levantamento, o transporte gratuito foi capaz de retirar 1.500 veículos por hora nas vias locais.
Desafios
Mesmo que o objetivo seja atender aos trabalhadores, segundo apuração do jornal Valor Econômico, os técnicos do governo estudam um cenário de gratuidade, inicialmente, apenas aos finais de semana. E ainda não há garantia de que a medida seja implementada no próximo ano.
“Um projeto de tarifa zero do governo federal não conseguiria atender agora a todas as cidades do Brasil, não só pela dimensão do nosso país em número de cidades, mas, principalmente, porque para elas entrarem em programas federais elas precisam ter licitação de ônibus feita e um plano de mobilidade, e muitas cidades ainda não cumpriram essa etapa”, diz Rafael Calabria.
Geógrafo e especialista em Mobilidade Urbana, ele lembra que o Brasil é o país com maior número de cidades com tarifa zero no mundo e que muitas delas, em especial as de pequeno porte, realizaram a transição para a gratuidade para obter uma simplificação do sistema, já que, com a tarifa, o uso da malha fica mais restrito aos trabalhadores que utilizam o vale-transporte, pago pelas próprias prefeituras (que são grandes empregadoras nos municípios menores).
Calabria é otimista e diz que para um projeto como esse sair do papel requer muita vontade política, o que o presidente Lula já demonstrou. “Acredito que essa pauta tem um potencial muito grande, assim como o fim da escala 6×1 e a questão do Imposto de Renda”, aponta.
Sistema Único de Mobilidade
No Congresso, tramita uma PEC, que é uma Proposta de Emenda à Constituição, de autoria da deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), que quer regulamentar a gratuidade do transporte por meio do SUM – o Sistema Único de Mobilidade.
Inspirado no funcionamento do SUS, o SUM prevê duas formas de financiamento: uma contribuição sobre o uso do sistema viário, para automóveis, e uma contribuição para empregadores, para substituir o Vale Transporte.