Governo quer processar terras-raras no Brasil e agregar valor à produção; entenda
Com a terceira maior reserva do mundo, Brasil discute nova política mineral para nacionalizar o processamento, ampliar valor agregado e reduzir impactos ambientais

Em meio ao anúncio dos Estados Unidos da América sobre a taxação de produtos brasileiros, que entrará em vigor no dia 6 de agosto, ganhou destaque na mídia o interesse daquele país pelos elementos químicos classificados como terras-raras.
Trata-se de um grupo estratégico de 17 elementos presentes em praticamente toda a tecnologia avançada, insubstituíveis na fabricação de produtos que vão desde smartphones até turbinas eólicas.
Nos discos rígidos, por exemplo, o neodímio e o praseodímio compõem os ímãs que controlam o braço mecânico responsável pela leitura e gravação de dados. Já as telas de TVs e monitores dependem de materiais luminescentes à base de ítrio, európio e térbio, que produzem as cores que enxergamos.
Ao contrário do que o nome sugere, as terras-raras não são escassas na natureza. Alguns desses metais são até mais comuns do que elementos amplamente utilizados. O cério, por exemplo, é mais abundante na crosta terrestre do que o cobre, enquanto o neodímio, o segundo mais comum do grupo, possui reservas quase duas vezes maiores que as de lítio.
“Terras-raras”
O termo “terras-raras” foi utilizado pela primeira vez em 1788, quando um mineiro sueco descobriu uma rocha negra incomum. Na época, “terra” era usado para designar minerais solúveis em ácido, e “raro” refletia a surpresa com o achado, não sua escassez geológica.
A precisão de lentes de telescópios e câmeras de alto desempenho deve-se ao lantânio, elemento que aprimora a qualidade óptica do vidro. Elementos provenientes das terras-raras também são utilizados em tacos de beisebol: ligas com escândio combinam leveza, resistência e durabilidade.
Com aplicações tão diversificadas, esses elementos tornaram-se indispensáveis na corrida tecnológica global. Dados do Ministério de Minas e Energia colocam o Brasil como a terceira maior reserva de terras-raras do mundo, com 21 milhões de toneladas, ao lado da Rússia.
Os maiores depósitos estão na China, com 44 milhões de toneladas, e no Vietnã, com 22 milhões. O país também detém reservas expressivas de minerais estratégicos como nióbio, grafite e lítio.
Exploração estrangeira e riscos ambientais
Apesar de sua importância estratégica para tecnologias modernas, a extração de terras-raras é um processo complexo e altamente poluente. Entre os principais problemas estão a liberação de elementos radioativos, como tório e urânio, que contaminam solo, água e ar; a acidificação de solos e rios, afetando ecossistemas e comunidades próximas; e a emissão de partículas e gases tóxicos durante o processamento, com riscos à saúde humana. No Brasil, empresas estrangeiras, canadenses, australianas e estadunidenses, realizam a exploração dessas jazidas. Pela Constituição, é a União quem decide sobre o uso do subsolo nacional.
A CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) é o mecanismo que assegura retorno financeiro pela extração de minérios no Brasil. Todas as empresas e pessoas físicas que realizam mineração com fins econômicos são obrigadas a pagar esse tributo, com exceção do garimpo, onde a responsabilidade pelo pagamento recai sobre o primeiro comprador do minério.
Os recursos arrecadados são distribuídos mensalmente da seguinte forma: 10% para a União, sendo 7% destinados à Agência Nacional de Mineração (ANM), 1% ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), 1,8% ao Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) e 0,2% ao IBAMA; 15% para o estado onde ocorre a mineração; 60% ao município produtor; e 15% aos municípios impactados pela atividade, mesmo que não possuam mineração em seu território.
Por lei, esses recursos têm destinação específica. Não podem ser usados para pagamento de dívidas ou da folha de servidores públicos. Devem obrigatoriamente ser aplicados em benefício direto das comunidades locais, por meio de investimentos em infraestrutura, preservação ambiental e melhorias nos serviços de saúde e educação. Em junho, a Agência Nacional de Mineração distribuiu R$ 443.047.630,29 a estados e municípios produtores minerais. Minas Gerais, com cerca de R$ 39 milhões, e o Pará, com mais de R$ 35 milhões, foram os estados que mais receberam recursos da CFEM.

Projeto de lei propõe processamento no Brasil e agregação de valor
Durante audiência pública realizada em julho, o Ministério de Minas e Energia destacou o potencial estratégico do Brasil no setor mineral.
“Somos detentores da segunda maior reserva global de grafita e terras-raras, além de liderarmos a produção mundial de nióbio”, afirmou Rodrigo Toledo, representante do MME.
A proposta que estabelece a nova política mineral está em fase final de elaboração e deverá ser encaminhada ao Legislativo nos próximos meses. Paralelamente, o Senado já analisa um projeto do senador Rogério Carvalho (PT-SE), que propõe que o processamento de terras-raras seja feito obrigatoriamente em território nacional.
A medida reforça a estratégia de agregar valor à produção mineral brasileira, criando regras mais rígidas para a exportação de minerais portadores de elementos terras-raras e outros recursos críticos.

Legislação chega para agregar valor
Procurado pela Focus Brasil para comentar o projeto, o senador informou, por meio de sua assessoria, que a proposta determina que 100% do minério extraído contendo terras-raras, ouro, prata, elementos do grupo da platina, espodumênio, lepidolita, petalita, cassiterita, monazita, grafita e minerais portadores de lítio deverá ser beneficiado, concentrado, transformado ou processado em plantas instaladas no Brasil.
Adicionalmente, 80% do refino necessário para a separação de produtos derivados ou ligas metálicas também deverá ocorrer em território nacional.
O senador afirma que, sem essa legislação, o país continuará a exportar bens primários sem agregação de valor, perdendo oportunidades de desenvolvimento industrial em setores estratégicos como ligas especiais e ímãs aplicados à mobilidade e à geração de energia elétrica.
Em sua avaliação, “o projeto visa proteger os interesses nacionais, fortalecer a indústria brasileira, garantir a agregação de valor em território nacional e contribuir para os esforços globais de contenção de efeitos climáticos adversos, posicionando o Brasil como agente mais relevante nas economias verdes do futuro”, conclui a nota.