O rompimento da barragem de Brumadinho 2019 é considerado um dos maiores desastres ambientais da história recente do Brasil. Associação das vítimas reivindica reparação aos familiares de mortos e desaparecidos. A Vale foi denunciada à Justiça

Em 25 de janeiro de 2019, o chão tremeu e ouviu-se o barulho da tragédia que se anunciava na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, cidade localizada na região metropolitana de Belo Horizonte. Só não se ouviu a tempo o alerta: a sirene que deveria soar para alertar os moradores do risco iminente do rompimento da barragem de rejeitos de mineração na bacia do Rio Paraopeba. Quatro anos, 270 mortos e quatro desaparecidos depois, ninguém foi responsabilizado até hoje.

As primeiras imagens que apareceram para o país logo após a notícia da tragédia davam a dimensão do estrago, com cenas e enredo de um filme de terror. Até agora, há buscas de restos mortais das quatro pessoas desaparecidas. Segundo os bombeiros, aproximadamente 60% do rejeito vazado da barragem já foram vistoriados — ou seja, ainda resta 40% do material a ser analisado.

Foi o segundo rompimento de barragem de responsabilidade da Vale em Minas Gerais. O primeiro foi em 2015, quando a população de Bento Rodrigues, no distrito de Mariana, foi surpreendida pela enxurrada de rejeitos de mineração, deixando 18 mortos e um desaparecido. O que se repetiu em Brumadinho tornou-se no maior “acidente de trabalho” no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século, segundo especialistas e rankings compilados pela BBC.

Além da crise humanitária, saltou aos olhos dos mais atentos outro um alerta de que a fiscalização falha e a exploração predatória da mineração praticada por empresas como a Vale e suas sócias significa um enorme risco ambiental ao Brasil. No caso de Brumadinho, mais de 20 municípios foram atingidos com prejuízos ambientais pelo derrame de mais de 10 milhões de metros cúbicos de lama e detritos sobre vegetação, fauna e rios ao longo de centenas de quilômetros, alçando o acidente a um dos maiores desastres ambientais da história do país.

A tragédia de Brumadinho foi como um aviso do desgoverno de Jair Bolsonaro na área ambiental. Durante a campanha em 2018, o candidato da direita já havia deixado claras suas posições em relação ao meio ambiente, afirmando que não permitiria um governo “xiita” na fiscalização ambiental.

Ele chegou a propor alterações nas leis ambientais e a flexibilização do setor. É que, para ele, não se fiscalizava e nem  se protegia o meio ambiente. Tudo era um mecanismo de excesso de burocracia nos processos de licenciamentos. O lastro de permissividade e desestruturação de fiscalizações que se seguiu à sua posse não abre margem para dúvidas de cumpriu suas promessas com o setor privado: liberou geral.

A posição do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também recém-empossado, não diferia muito do governo federal, no que diz respeito à abertura para a mineração desenfreada.  Antes mesmo das eleições de 2018, um projeto que tramitava na Assembléia Legislativa e endurecia regras de licenciamento para barragens de mineração, teve seu texto vetado na íntegra pela Comissão de Minas e Energia. À época, o deputado estadual Rogério Corrêa (PT) apontou a pressão das empresas mineradoras para que o projeto fosse barrado, sob o risco de que “a fiscalização atrapalhasse os empresários”.

Em 2020, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou 16 pessoas por homicídios dolosos e crime ambiental. Entre os acusados, estão Fabio Schvartsman, ex-presidente da Vale, e a empresa Tüv Süd. Apesar de todos terem virado réus, em 2021 o STJ decidiu pela extinção do processo criminal, transferindo a competência de julgamento para a Justiça Federal. Até hoje não houve punição.

Sob o risco de prescrição, a presidenta do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, decidiu, no início deste ano, que a Justiça Federal de Minas desse prosseguimento à ação penal. Em 20 de janeiro, o Ministério Público Federal ratificou integralmente a denúncia oferecida pelo MP de Minas contra 16 funcionários da Vale e Tüv Süd por homicídio qualificado, cometido 270 vezes, além de crimes contra a fauna, crimes contra a flora e crime de poluição. As duas empresas também foram denunciadas pelos crimes ambientais.

Enquanto a novela do empurra-empurra de recursos avança, a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem (Avabrum) teme mesmo é que tudo acabe com a impunidade aos réus e prejuízo às vítimas, além do risco de que novas ocorrências causem mais tragédias em Minas Gerais.

A Vale segue recorrendo a cada decisão judicial que a indicie e a responsabilize, incluindo pedidos de indenização. A certeza do poder da gigante parece ser realmente a da impunidade, especialmente sob o governo Zema, que abertamente defende a expansão predatória da mineração no estado.

Em 2021, a Vale assinou um acordo de R$ 37,68 bilhões a título de reparação de danos socioambientais com o governo de Minas Gerais. Nenhuma reunião contou com representantes dos atingidos e familiares das vítimas da tragédia. Nunca foram sequer chamados ou ouvidos durante toda a negociação.

A Avabrum segue em luta para que o acordo seja refeito em audiências que contemplem representantes das vítimas e que a Vale seja responsabilizada pelas mortes de trabalhadores e residentes da região atingida e pela tragédia ambiental. •

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