“Temos que disputar o senso comum, as redes, disputar a linguagem”, afirma novo presidente do PT, Edinho Silva
Em entrevista à Focus Brasil, Edinho Silva afirma que o desafio central do PT é político, defende a disputa de valores e linguagem nas redes e destaca a reconexão com a classe trabalhadora como prioridade do novo ciclo

Eleito presidente nacional do Partido dos Trabalhadores no último PED, Edinho Silva (PT-SP) afirma que a reconstrução do pacto democrático e a retomada do diálogo com o povo devem orientar a nova etapa do partido. Para ele, a disputa que se coloca hoje no Brasil é de natureza política, não apenas econômica. “O maior desafio que nós temos não é de ordem econômica, é de ordem política. É a capacidade da política enfrentar o poder do sistema financeiro.”
Na entrevista, Edinho fala da necessidade de reconectar o PT à classe trabalhadora em um cenário de precarização do trabalho e avanço da extrema direita. Ele defende a formação política como instrumento essencial para combater o discurso antissistema que se espalha inclusive entre setores populares. “Não adianta o PT ter as melhores ideias se essas ideias não viram maioria social.”
O novo presidente do PT também propõe atualizar a linguagem política do partido, sem perder o conteúdo. “Nós temos que disputar o senso comum, disputar as redes, disputar a linguagem”, afirma. A comunicação, segundo ele, precisa estar onde o povo está — “e o povo está nas redes”.
Edinho destaca ainda o papel da militância e da Fundação Perseu Abramo na construção desse novo ciclo, reforçando temas como justiça tributária, fim da jornada 6×1 e regulação do trabalho. “Nós temos que nos reaproximar da base, reorganizar a esperança e apresentar um projeto de país que seja compreendido e vivido pelas pessoas”, conclui.
A seguir, a entrevista na íntegra.
No fim de semana, o senhor publicou um artigo na Folha de S. Paulo onde apresenta quatro pontos principais para o próximo período no Brasil. Seria essa a agenda para o próximo período?
Esses são temas importantes, mas eu trato também de outros temas prioritários. Eu foco na questão do financiamento do SUS, que eu penso que é um grande desafio para o Brasil e que o Partido dos Trabalhadores tem que formular, tem que fazer disputa política pela ampliação do financiamento do SUS. Eu coloco também um problema grave hoje nos municípios brasileiros, nas médias e grandes cidades, que é a questão do financiamento do transporte público. Muitas famílias, milhões de famílias no Brasil, não têm acesso muitas vezes à educação, ao esporte, à cultura, mesmo ao lazer familiar, de visitar amigos, parentes, mesmo muitas vezes à busca por uma vaga de emprego. Por isso, muitas vezes, as famílias estão se abstendo de lutar por esses direitos, pelo acesso a esses direitos, a essas políticas públicas, por conta de não ter condições de financiar o transporte público. Coloquei como desafio a questão do tempo livre, que no Brasil se materializou como o debate dos 6 x 1, ou seja, da carga horária de trabalho. Não tenho nenhuma dúvida de que também é um grande desafio, como é um grande desafio a universalização da educação integral e a universalização do direito à primeira infância, interpretando o direito à primeira infância como o direito à creche, o direito à segurança alimentar, o direito às políticas de estímulo ao cognitivo na fase mais rica do ser humano, o direito ao acompanhamento familiar para que a criança cresça em um ambiente saudável.
E, claro, aí eu enfoco também a questão da reforma política eleitoral. Eu não vejo, pelo menos no médio e longo prazo, a perspectiva de fortalecimento da democracia se nós não fortalecermos os partidos, se nós não formos capazes de debater uma agenda para o Brasil envolvendo os partidos políticos. Hoje, infelizmente, a dinâmica do Congresso Nacional é a dinâmica da emenda individual, a dinâmica do interesse individualizado. Não estou dizendo que isso não seja legítimo: o parlamentar, muitas vezes, brigar pela sua cidade, pela sua região, acho legítimo. Mas isso não pode secundarizar uma agenda para o país, uma agenda onde o país supere as suas dificuldades e construa um legado para as futuras gerações.
A reforma política eleitoral pressupõe — e acho que o PT tem que voltar a defender isso com muita força — a questão do voto em lista. E que o debate de projetos para o país, esse debate seja feito pelos partidos, para que a sociedade entenda o que cada partido pensa, qual é o projeto de cada partido para a sociedade. Ou seja, que a sociedade interprete o programa partidário. A reforma política eleitoral significa fugirmos desse debate de varejo, do debate do projeto individualizado, do projeto pessoal; significa, portanto, qualificarmos o papel dos partidos na política brasileira. E, claro, é mais fácil você debater um projeto de país com seis, sete partidos, do que você cair no varejo que hoje predomina no Congresso Nacional.
Eu coloco também no artigo a questão da segurança pública. Hoje, qualquer pesquisa que a gente faça, a segurança pública vai aparecer como o primeiro ou o segundo problema nacional. Se nós não defendemos a segurança, esse projeto de segurança pública é quase que uma síntese das ações policiais que têm levado à letalidade policial. Se nós não aceitamos essa concepção de segurança pública, se para nós a segurança pública não é e não deve ser igual a esta polícia letal, nós temos que ter uma proposta. O PT e os partidos do campo democrático popular temos que apresentar uma proposta concreta à sociedade.
E nesse sentido, tenho defendido fortemente a adoção de novas tecnologias nas políticas de segurança pública: as câmeras inteligentes, como são chamadas, aquelas que fazem leitura de placas veiculares e rastreamento, as que realizam reconhecimento facial e monitoramento. Ou seja, é possível combater a criminalidade e a violência utilizando o que há de mais moderno e avançado em inteligência eletrônica. Por isso defendo — e sempre que questionado, cito o exemplo de minha cidade, que governei por quatro mandatos — o modelo de Araraquara. Lá implantamos mais de 3 mil câmeras inteligentes e totens numa cidade de 250 mil habitantes. A guarda municipal era desarmada, e mesmo assim Araraquara tornou-se a segunda cidade mais segura do Brasil.
Precisamos avançar nesse debate, mas sempre digo que, da nossa perspectiva, ela tem que jogar muito peso nas políticas públicas dos adolescentes em conflito com a lei. Nós temos que disputar os adolescentes e a juventude. Precisamos desenvolver políticas públicas eficazes para disputar adolescentes e jovens com a criminalidade. Sem essas políticas, é evidente que esses jovens serão cooptados pelo crime organizado. E, lá na ponta, eu defendo também a necessidade de uma política de reinserção social. É impossível pensar uma política de segurança pública que não atenda àqueles que cumpriram suas penas, pagaram por seus erros, mas enfrentam dificuldades para retornar ao mercado de trabalho e ao convívio social. Se não disputarmos os adolescentes e não garantirmos a reinserção social dos apenados, estaremos diante de dois setores socialmente vulneráveis que inevitavelmente serão absorvidos pelo crime organizado. Portanto, é fundamental que realizemos um debate sério e formulemos propostas concretas sobre segurança pública.
Outro tema que considero prioritário para o Partido dos Trabalhadores é a urgência climática e a transição energética. Este será, sem dúvida, o grande tema que permeará os debates na segunda metade do século XXI, não tenho nenhuma dúvida. Esse debate está acalorado atualmente. Com a COP sendo organizada no Brasil, o debate sobre transição energética se tornará predominante. Precisamos compreender que, daqui a 20 anos, será impossível conceber qualquer modelo de desenvolvimento econômico sem que tenhamos realizado essa transição energética. Este é o debate fundamental.
A direita mundial — especialmente essa nova versão do fascismo que se instala, e não tenho receio em fazer essa caracterização, pois para mim Trump é o maior líder fascista do século XXI — nega a emergência ambiental. Trump diz explicitamente que não existe crise climática. A concepção de desenvolvimento dessa ultradireita é de continuar gerando riqueza, destruindo a natureza. Nós, da esquerda, devemos dizer o contrário: a urgência climática é real e precisamos construir as condições para a transição energética. Especialmente no Brasil, que na minha avaliação é o país com maior potencial no mundo para produzir energia limpa.
Outro debate prioritário é a exploração da costa equatorial. Se os estudos confirmarem, poderemos encontrar ali reservas de petróleo possivelmente maiores que as do pré-sal. Porém, este é um tema que exige extrema responsabilidade, pois está localizado na margem da floresta amazônica e impacta diretamente grande parte da Amazônia Legal. Minha proposta é que, ao explorarmos o petróleo da margem equatorial, estabeleçamos primeiro um fundo dedicado a três prioridades fundamentais: financiar o reflorestamento da Amazônia, investir em tecnologia de ponta para melhorar nosso monitoramento do desmatamento, e desenvolver um projeto econômico sustentável para toda a Amazônia Legal.
Precisamos levar adiante este debate crucial e defender um projeto de desenvolvimento verdadeiramente sustentável para a Amazônia Legal, que garanta qualidade de vida para seus povos da região amazônica. Não basta apenas dizer o que queremos que ocorra, pois são milhões de brasileiros que vivem na região, precisando sustentar suas famílias e buscar um futuro digno, que vai além do desenvolvimento tecnológico. Temos todas as condições de debater com a região, convocando lideranças locais e representantes da sociedade civil para debater um modelo de desenvolvimento que tenha como perspectiva o desenvolvimento tecnológico.
Estas são agendas importantes para o país. Na minha avaliação, se o PT não se envolver ativamente, liderando esses debates, formulando propostas e defendendo políticas públicas concretas, corremos o risco de perder conexão com a sociedade real. E assim, naturalmente, perderemos espaço político. Como partido com a maior capilaridade nacional e maior capacidade de diálogo com todos os setores da sociedade brasileira, detemos a legitimidade para conduzir esses debates sobre o futuro do país. Portanto, temos a responsabilidade histórica de cumprir este papel no próximo período.

Presidente, diante do avanço do discurso antissistema, inclusive entre trabalhadores, o senhor acredita que o PT deveria investir numa educação política de base, que resgate o papel dos partidos, da política e da participação popular?
Primeiro, eu penso que o PT tem que fazer um esforço para formular sobre esse sentimento antissistema que é real e hoje está sendo totalmente apropriado pela direita. Se nós voltarmos para tentar fazer um recorte histórico para entender esse sentimento antissistema, primeiro tem um trecho do Cadernos do Cárcere de Gramsci que diz que a crise do capitalismo, e nós estamos vivendo uma crise longa do capitalismo que se iniciou em 2008, destrói as instituições do status quo do capital e propicia a ascensão do fascismo, isso quando ele analisa, na década de 1920, a ascensão do fascismo na Itália e depois o fascismo que se desenvolve após a crise de 1929 que na verdade, já vinha dando indícios antes de 1929. O capitalismo já mostrava ali os seus limites do ponto de vista da reprodução do capital. Então, nós estamos vivendo uma crise econômica desde 2008, essa crise empobrece o mundo, torna o mundo mais pobre, derrota o conceito da globalização; que era um conceito em ascensão no começo do século XXI, quando os economistas diziam que não se daria mais pelo conceito de Estado nacional, mas sim pela dinâmica das grandes corporações, as empresas, essas grandes corporações integradas ao sistema capitalista mundial, elas que supostamente dariam a dinâmica do desenvolvimento econômico. Só que a crise de 2008 derrubou esse conceito de globalização e fez emergir uma nova concepção de Estado nacional. Agora, se fizermos um paralelo histórico, esse Estado nacional que está surgindo não é muito diferente daquele que o mundo viveu na primeira metade do século XX, antes da Segunda Guerra, um Estado nacional marcado por xenofobia, racismo, e que junto com essas características traz toda uma agenda de retrocesso nos direitos. Então, nós estamos vivendo uma crise longa do capitalismo, uma crise que empobrece o mundo, que enterrou a concepção de globalização e que fortalece essa visão de Estado nacional. Hoje a economia se move pela dinâmica dos países europeus, pelos Estados Unidos, pela China, Rússia – enfim, pelas grandes potências capitalistas desse século XXI. E junto com essa ascensão de um Estado xenofóbico e racista, vem também, um enfraquecimento da democracia representativa. É inegável que nós estamos vivendo no enfraquecimento da democracia representativa. Em qualquer país do mundo que se reivindique democrático, nós estamos vendo a abstenção crescer eleição após eleição, porque as pessoas não votam, porque elas entendem que votando o mundo não muda, a vida dela não melhora, as condições de vida dela não melhoram, então para que ela vai votar? Então, tem uma descrença à democracia representativa e, com isso, tem um crescimento do antissistema, ou seja, nada disso que está aí resolve o meu problema. Por que não resolve o problema? Porque, principalmente, a classe média perdeu o poder de consumo, perdeu a perspectiva de um futuro melhor, porque o mundo está mais pobre, porque o capitalismo não conseguiu sair da crise que se iniciou em 2008. Então, esse sentimento do antissistema é fruto de uma produção da crise do capitalismo e ele é apropriado por aqueles que querem negar o sistema. E, claro, por incrível que pareça, a esquerda ou a centro esquerda no mundo defende a democracia representativa, defende o parlamento, defende o judiciário, nós defendemos as instituições da democracia, porque nós temos responsabilidade no processo e a direita, efetivamente, não defende e acaba capitalizando o antissistema. O Bolsonaro foi o antissistema em 2018 no Brasil, o Trump foi o antissistema em 2016 nos Estados Unidos. Nós vimos a Meloni, que é uma fascista, se eleger primeira-ministra na Itália. E lideranças que representam esse antissistema, essas lideranças crescem em todos os países do mundo, absolutamente em todos os países do mundo. Então, claro que tem uma disputa a ser feita. Primeiro, essa descrença é consequência de uma crise do capitalismo. Portanto, nós deveríamos estar cobrando do capitalismo mundial o empobrecimento do mundo, o enfraquecimento das instituições, o enfraquecimento da democracia representativa. Porque, se é verdade que a globalização é derrotada pela crise de 2008, também é verdade que a financeirização da economia avança em uma velocidade absurda. E o que isso provoca? A concentração da renda. A financeirização da economia, sem aqui me estender, tão pouco, querer adotar algum tom professoral, mas para ser didático, se é verdade que o capitalismo cria as condições para o pensamento fascista, o sentimento de antissistema, por conta da descrença do que está aí, a financeirização da economia concentra a renda, ela aprofunda os efeitos do empobrecimento. Por quê? Só há duas formas de você distribuir renda na economia: ou pelos salários e pagamento de serviços, ou pelo recolhimento de impostos e políticas de transferência de renda, não há outra forma de você distribuir. Mas, quando o capital produtivo começa a migrar para o capital financeiro, ou seja, para a economia financeira, aquilo que seria tradicional no capitalismo produtivo, você obtém, você executa a mais-valia, você faz com que a mais-valia seja realizada, você se apropria desse excedente, e reinveste para aumentar ainda mais a sua capacidade de produção da mais-valia. Ou seja, o capital produtivo, na dinâmica do capitalismo até o começo do século XXI, ele produz, ele vende, ele se apropria e ele reinveste, e assim, ele vai gerar mais riqueza, mas ele também vai gerar mais empregos, ele vai distribuir renda. O capitalismo financeiro, não: você gera riqueza, porque só a produção gera riqueza, só você transforma a matéria-prima em produto gera riqueza, você produz valor, só que quando você vai para as operações financeiras, você reproduz o capital sem gerar emprego. Então, você provoca a concentração da renda. Por incrível que pareça, hoje o que nós estamos vivendo é o empobrecimento do mundo todo, mas o aprofundamento da pobreza e da miséria nas regiões mais pobres do mundo. Aí o que acontece? Ou os conflitos regionais ou o aumento da pobreza faz com que aumente o fluxo imigratório. E aí, essa ascensão do pensamento fascista escolhe o inimigo. Quem é o inimigo? O inimigo é o imigrante. Então, efetivamente, nós estamos diante de um grande impasse. Eu penso que os partidos de esquerda, os partidos de centro-esquerda no mundo têm que abrir o debate da distribuição de renda, porque a velocidade da concentração de renda é absurda. No Brasil, essa dinâmica também se reproduz, por isso que o debate sobre justiça tributária é tão crucial que precisamos enfrentar a discussão sobre a concentração de renda no país. O que defendemos é simples: que os pobres e trabalhadores paguem menos impostos, enquanto aqueles que concentram riqueza paguem mais. Inclusive, dessa perspectiva, é fundamental taxar as operações financeiras, pois são elas que aceleram a concentração de renda. Temos o dever de explicar claramente à sociedade as raízes do que vivemos hoje: o empobrecimento, a descrença, a crise de credibilidade na democracia representativa. Se não fizermos esse esforço de esclarecimento, o sentimento antissistema será capturado pela direita – a mesma direita que é responsável por toda essa situação. Foi a direita que causou a crise capitalista de 2008, é a direita que mantém a concentração de renda. É a direita que provoca os fluxos migratórios desesperados. E é a direita que hoje representa o fascismo, como vimos na semana passada em Portugal, onde a centro-direita se aliou à extrema-direita para aprovar leis que perseguem imigrantes, especialmente brasileiros. Portanto, devemos levar esse debate à sociedade, para que ela entenda: se vivemos uma crise do capitalismo e uma descrença na democracia representativa, a responsabilidade é inteiramente da direita. Foi o projeto político da direita que levou o capitalismo a essa crise que enfrentamos hoje.
Presidente, diante do impacto da reforma trabalhista e da precarização trazida pela uberização, o senhor acredita que este é o momento para o PT retomar o diálogo com a classe trabalhadora e recolocar a luta trabalhista no centro da sua atuação política?
O que estamos enfrentando e ainda vamos enfrentar, não é um processo simples. Entre o final do século XX e início do XXI, nós tivemos uma mudança profunda no mundo do trabalho com a incorporação de novas tecnologias, a robotização… E ainda nem começamos a ver os verdadeiros impactos que a inteligência artificial trará para o mercado de trabalho. Se já presenciamos mudanças significativas na composição da classe trabalhadora, com algumas profissões desaparecendo e outras surgindo, esse processo se intensificará dramaticamente nos próximos anos. O PT não pode, em hipótese alguma, abrir mão de seu papel protagonista: primeiro, na compreensão dessas transformações; segundo, na identificação de como afetam os trabalhadores atuais. Por nossa história e relação orgânica com a classe trabalhadora, por sermos hoje o partido com maior inserção sindical no país, nós temos que entender quais são os anseios dessa nova classe trabalhadora. E o PT não pode ter uma postura autoritária de achar que ele sabe. Nós não sabemos. Nós vimos o esforço do ministro Marinho, corretamente, tentando criar uma legislação para defender os interesses dessas novas profissões emergentes, como motoentregador, motorista de Uber, que são profissões que emergiram, mas que não temos uma legislação ainda específica que proteja essas novas profissões. Quando levamos esse projeto ao Congresso, literalmente, fomos derrotados, até por trabalhadores que se posicionaram contra a regulamentação. Na minha avaliação, claro que houve uma forte atuação das empresas nesse processo, que foram extremamente agressivas no debate político contra a regulamentação. Mas não tenho dúvidas: precisamos ter humildade para ouvir essas trabalhadoras e trabalhadores. Estou falando dos motoboys, dos motoristas de aplicativo, dessas novas profissões que surgiram com a internet. Como classificar, por exemplo, esses jovens que editam e impulsionam vídeos nas plataformas? Nem nome tem essa profissão ainda! Se não conseguimos nem nomeá-la, imagina representar seus interesses. E claro, isso não acontece por magia. Tenho defendido fortemente a economia solidária como ferramenta para organizar essa nova classe trabalhadora. Quando nos deparamos com trabalhadores que resistem ao modelo sindical tradicional, seja por influência do pensamento liberal ou neoliberal, o cooperativismo e a economia solidária surgem como alternativas viáveis de organização. Nos meus diálogos com a CUT e o movimento sindical, tenho insistido: cada sindicato deveria criar uma Secretaria de Economia Solidária, uma secretaria de economia solidária para que todos os sindicatos estivessem olhando para essas novas profissões e pudessem, dentro do seu âmbito de atuação, também ajudar a organização dessas trabalhadoras e trabalhadoras. Precisamos estar presentes e, como tenho dito, o Partido dos Trabalhadores precisa retomar – não que tenha abandonado completamente, embora alguns se incomodem quando falo isso – mas é fato que nosso trabalho de base, como a nucleação do partido, deixou de ser uma orientação central da nossa construção partidária como era antes. Por isso, defendo fortemente que retomemos a nucleação do partido e o trabalho de base, estando presentes no cotidiano das trabalhadoras e dos trabalhadores. Tenho dito constantemente em todos os espaços do partido e durante o PED: não conquistaremos consciência de classe apenas postando reels [formato de postagem em vídeo na plataforma Instagram, da Meta], por mais que as novas tecnologias sejam importantes, eu mesmo, como professor, as utilizo, mas a verdadeira disputa pela consciência de classe se dá através da educação popular. Precisamos estar lá, presentes, debatendo como a sociedade funciona para que os trabalhadores entendam que engrenagem eles estão envolvidos, que engrenagem eles estão fazendo parte, que entendam que eles precisam se organizar, eles têm condições de se organizar para, inclusive, melhorar as condições de negociação deles, que é outra coisa interessante: o novo patrão. O novo patrão são os fundos de investimento, acionistas da bolsa de valores, sem a figura concreta do patrão tradicional. Essa nova realidade exige um nível ainda maior de organização, seja para disputar o valor das corridas com os entregadores de aplicativo, as condições de trabalho dos motoristas, ou os direitos de quem edita vídeos em home office.
Presidente, quais são os seus planos para a comunicação do partido? Como enfrentar os desafios de linguagem, como o uso do termo “fascista”, que muitos dizem não dialogar com a sociedade? E já houve conversa com os demais candidatos sobre a construção interna a partir da sua posse?
Na minha avaliação, a comunicação do partido tem dado conta dos debates da conjuntura. Quero destacar e elogiar o excelente trabalho da equipe de comunicação do PT, liderada pelo Jilmar Tatto, nosso secretário de comunicação, e de toda a equipe – um grupo que se formou, extremamente comprometido e dedicado, fica aqui meu reconhecimento. Tenho absoluta convicção: com clareza de ação política, a comunicação flui naturalmente. Sempre afirmei que a comunicação é reflexo da linha política. Não adianta querer uma comunicação forte se a orientação política não estiver bem definida. Precisamos ter uma linha política clara e unificada – a comunicação certamente dará conta do resto. Recentemente, estive em uma reunião da Bancada, onde conversei com o companheiro Rui Falcão e seguiremos dialogando. Romênio Pereira, que também disputou a presidência do partido, solicitou um encontro na semana passada, que realizamos sem problemas. Não tenho qualquer reserva com quem disputou comigo, pelo contrário, sou grato ao Rui, ao Romênio e ao Walter por terem possibilitado esse rico debate sobre o PT e nosso futuro. Essa discussão só foi possível porque tivemos múltiplas candidaturas. Quem me conhece sabe que não estou apenas fazendo discurso – já demonstrei isso na prática.
Eu serei o presidente de todo o PT, de todas as forças políticas, de todas as tendências. Fiz isso quando fui presidente do PT de São Paulo por dois mandatos e farei agora na presidência nacional do partido. Então, eu não sou presidente de uma tendência ou de um grupo, eu sou presidente do PT. E nós vamos dialogar muito com todas as forças políticas do PT para que a gente construa unidade para enfrentar o que vem por aí, que são desafios duríssimos, duríssimos, que nós teremos pela frente, sabendo que o centro da nossa tática, a nossa ação mais importante é a reeleição do presidente Lula. Nós precisamos reeleger o presidente Lula. Primeiro, para darmos continuidade a esse projeto de reconstrução do Brasil, que o presidente Lula tem liderado. E também, a reeleição do presidente Lula significa nós derrotarmos essa organização de ultradireita no Brasil, que para mim, eu acho que não tem problema nenhum em falar e qualificar, que é fascista. Para quem está nos assistindo e que não consegue identificar o fascismo, o fascismo nasce na década de 1920 na Itália, mas ele avança por toda a Europa e desemboca no nazismo, no pré-Segunda Guerra Mundial, para a gente entender o que representa o pensamento fascista, o pensamento político que se organiza por meio dos conceitos do fascismo. Então, nós temos que derrotar essa forma de pensar política, nós temos que derrotar essa prática política, porque nós não queremos perseguir os diferentes, porque o fascismo não aceita os diferentes, tanto é que no pré-Segunda Guerra Mundial perseguiu os judeus, perseguiu os ciganos e os imigrantes. Agora, nós estamos vendo de novo o pensamento fascista perseguindo imigrantes no mundo afora. Então, nós não queremos isso para o mundo, não queremos isso para o Brasil. Nós queremos que prevaleça a democracia para que a gente construa um país sem privilégios, nós temos que enfrentar os privilégios para construir um país com igualdade de oportunidades.
Presidente, diante dos desafios que o senhor mencionou, como o senhor enxerga o papel da Fundação Perseu Abramo dentro do PT e da sua contribuição por meio da formação política da militância e dos quadros partidários?
Olha, eu penso que a Fundação Perseu Abramo é estratégica para pensar o desenvolvimento do partido, ela é fundamental. Ela tem cumprido um papel importante, um papel de formulação, como você mesmo disse, de investir muito na formação política. E hoje a Fundação tem um acúmulo político que, inclusive, é importante para orientar as nossas ações. Se depender de mim, eu quero trabalhar cada vez mais próximo da Fundação, quero que a Fundação nos ajude nos grandes desafios que nós temos pela frente, para que ela possa, nesse esforço de formulação que nós temos que ter, desses temas que eu elenquei aqui, eu não tenho nenhuma dúvida desse seu papel. Então, vamos trabalhar muito em conjunto. Tenho conversado muito com o Paulo Okamotto, que é o presidente da Fundação, e vou visitar a Fundação logo depois da posse, já combinei com ele, temos reuniões de planejamento sobre as ações da Fundação nesse apoio às mudanças que nós precisamos provocar no partido. O PT é um partido vitorioso, elegeu o presidente da República cinco vezes, é um partido que tem uma história linda, magnífica. Na minha avaliação, a Gleisi foi a principal dirigente da história do PT, pelas condições históricas que ela presidiu o partido. Mas, claro, nós temos novos desafios colocados e esses novos desafios vão exigir um outro Partido dos Trabalhadores, e a grande parceria do PT nesse esforço de formulação, de formação dos nossos quadros, da nossa militância, com o enfrentamento que terá pela frente, é fundamental essa organização, essa aliança estratégica com a Fundação Perseu.