Jogo político mais difícil: fragmentação, distanciamento e as novas dinâmicas de poder no Brasil de 2025, por Pedro Henrichs
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A política brasileira sempre foi marcada por sua multiplicidade de atores e interesses. Com um sistema multipartidário robusto, resultado de sua redemocratização, o país convive com um Congresso fragmentado, alianças instáveis e um presidencialismo de coalizão que exige, do Executivo, talento permanente para compor maiorias. Em 2025, esse quadro tornou-se ainda mais desafiador. O que antes já era complexo, agora beira o caótico. Fragmentação, distanciamento de aliados e antecipação da disputa eleitoral formam um cenário onde o governo Lula precisa jogar em múltiplos tabuleiros ao mesmo tempo.

A dinâmica atual evidencia uma mudança de paradigma. O que está em curso não é apenas um rearranjo tático das forças políticas, mas uma reconfiguração mais profunda da forma de se fazer política no Brasil. Desde o retorno de Lula ao poder em 2023, a governabilidade tem sido um esforço de engenharia política constante. Montar uma base de sustentação exigiu negociações com partidos de diferentes matizes ideológicos do progressismo ao centro pragmático e a concessão de espaços estratégicos na máquina pública. Contudo, como era previsível, alianças construídas sobre o cimento frágil da conveniência têm se mostrado instáveis.

A criação da federação União Progressista (UP), que uniu União Brasil e Progressistas, é talvez o exemplo mais emblemático dessa nova fase. Com 109 deputados e 14 senadores, além de seis governadores e quase 1.400 prefeituras sob seu guarda-chuva, a UP tornou-se a maior força do Congresso. No entanto, essa força é ambígua: embora institucionalmente robusta, carece de alinhamento ideológico real. Os líderes da federação Antonio Rueda e Ciro Nogueira têm histórico de oposição ao PT e mantêm um discurso de independência que coloca o governo em alerta. O que une essas legendas é, sobretudo, o pragmatismo eleitoral: a busca por sobrevivência diante das novas regras do jogo, como a cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais.

O nascimento da UP desencadeou um efeito dominó. Outras legendas do chamado “centrão ampliado” como MDB, Republicanos e PSD também passaram a se movimentar, buscando alternativas para não perder protagonismo. No caso do PSD, liderado por Gilberto Kassab, a estratégia tem sido clara: ocupar espaço sem se comprometer com alianças automáticas. Embora ocupe três ministérios no governo Lula, o partido insiste em sua autonomia. A filiação recente do governador Eduardo Leite (RS), com discursos de independência e ambições presidenciais, evidencia a tentativa do PSD de se colocar como uma alternativa de centro à polarização entre PT e Bolsonaro. Kassab também cogita o nome de Ratinho Jr. (PR) como presidenciável, sinalizando um projeto político próprio.

Essa movimentação dos partidos do centro não apenas esgarça a base do governo, como também acelera o relógio político. A eleição de 2026 já começou, ao menos nos bastidores. Com mais de um ano de antecedência, já se vislumbra uma disputa antecipada por espaços, apoios regionais e lançamento de candidaturas. Isso cria um ambiente de instabilidade decisória, em que medidas impopulares como reformas fiscais ou ajustes estruturais tendem a ser evitadas por parlamentares preocupados com sua reeleição.

A situação se agrava com a saída do PDT da base governista. Apesar de sua identidade progressista e de ter ocupado o Ministério da Previdência com Carlos Lupi, o partido

rompeu com o governo em 2025, após denúncias de irregularidades no INSS e a exoneração de Lupi. O afastamento foi justificado como um gesto de reafirmação da identidade do partido e de compromisso com a “independência responsável”. O PDT, assim como outros partidos, optou por não migrar para a oposição formal, mas deixou claro que votará de acordo com seus interesses próprios o que torna o governo ainda mais dependente de negociações caso a caso.

Esse conjunto de movimentos amplia o isolamento do governo no Congresso e fragiliza sua capacidade de articulação. O Executivo se vê compelido a negociar apoio para cada projeto, abrindo mão de pautas prioritárias ou cedendo em pontos sensíveis para assegurar maiorias. Trata-se de uma forma de governar que consome energia, tempo e capital político. E isso em um contexto de crise social persistente, demandas econômicas urgentes e pressão popular por resultados concretos.

A fragmentação, entretanto, não está restrita à arena interpartidária. Dentro do próprio PT, o partido que comanda o governo, há divisões internas acirradas. As eleições internas da sigla, previstas para este ano, podem agravar ainda mais o quadro. A depender dos resultados, disputas por espaços, rumos estratégicos e influência sobre o governo podem emergir, dificultando ainda mais a unidade do campo progressista. O PT, partido historicamente centralizado e disciplinado, vive um momento de disputas internas que refletem tanto divergências táticas quanto diferenças geracionais e ideológicas.

Diante de tudo isso, o governo Lula precisa repensar sua estratégia. Não basta apenas distribuir cargos ou ampliar o número de ministérios. É preciso construir uma narrativa política mais coesa, que recupere a legitimidade popular e mobilize setores da sociedade civil. As ruas, que historicamente foram aliadas fundamentais do petismo, hoje estão distantes seja por desencanto, seja por dispersão de agendas. Reconquistar esse apoio pode ser crucial não apenas para garantir governabilidade, mas para enfrentar a próxima eleição em condições competitivas.

A lição de Maquiavel continua atual: “A melhor fortaleza é não ser odiado pelo povo”. Em tempos de crise de representação e de ceticismo com a política, a conexão com as demandas populares é a única âncora real para um governo progressista. Isso exige não apenas habilidade institucional, mas ousadia programática. É hora de o governo sair da defensiva, retomar sua capacidade de iniciativa e voltar a ocupar o centro do debate público com propostas que falem à maioria da população.

O jogo político mudou. Ele está mais fragmentado, mais fluido e mais imprevisível. Para seguir jogando, o governo precisará de mais do que boas intenções ou alianças de ocasião. Precisará, sobretudo, de visão estratégica, firmeza democrática e coragem para enfrentar um cenário onde cada movimento conta e onde a margem para erro é cada vez menor.

Pedro Henrichs é Mestrando em Relações Internacionais, Pedro Henrichs é gestor público e Ex-presidente do Fórum de Juventude dos BRICS