Neste 8 de março, mulheres foram às ruas por vida com dignidade
Elas lutam pelo direito à vida, ao aborto legal, à igualdade salarial, por políticas de cuidados, saúde, educação, respeito por sua orientação sexual e dignidade
Rose Silva
As mulheres brasileiras saíram à ruas neste 8 de março para dar visibilidade às lutas pelo direito de ficarem vivas, ao aborto legal, à igualdade salarial, por políticas de cuidados, saúde, educação, respeito por sua orientação sexual e dignidade. Não é pouca coisa em um país como o Brasil, que registrou mais de 10 mil casos de feminicídio em nove anos. E onde o racismo acentua as violências contra as mulheres negras, indígenas, pobres e periféricas.
O Brasil é o quinto país do mundo em assassinato de mulheres. E entre as dez mortas por arma de fogo, sete são negras. Meninas de até 13 anos são as maiores vítimas de abuso sexual. Em 2022, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 35 mulheres foram agredidas por minuto e quase 8 milhões receberam agressões como chutes e socos.
Com apenas 13 anos de idade, a jovem estudante Elis Maiara Marinho Novaes estreou neste 8 de março, no ato da Av. Paulista, e se destacou no público da manifestação, que era majoritariamente adulto e mais velho. Ela explicou por que estava lá: “acho que é uma data importante e deveria ser mais valorizada. A gente deveria ter uma cultura de mulheres fortes, eu vim de uma cultura de mulheres fortes. Estamos aqui há milhares de anos, recebemos séculos de falta de respeito, abusos, quantas mulheres não foram estupradas, violentadas para a gente estar aqui hoje? Minha tataravó, que foi escravizada, morreu em um quilombo para que eu pudesse estar aqui hoje. A mulher é um símbolo de força pra mim”.
As mulheres são ainda, lamentavelmente, sub-representadas na política. E mudar essa situação é essencial para garantir à brasileiras ter o direito de viver com dignidade. A deputada federal Juliana Cardoso (PT-SP), que participou do ato na Avenida Paulista, reconhece alguns avanços. “Hoje, entre 513 deputados, somos 94 mulheres, a maior bancada da história da República. Isso foi conquista de muita luta. Mas são pessoas de várias classes sociais e de vários partidos, principalmente que não atuam junto com as causas das mulheres. A gente cresceu também como bancada do PT, somos hoje 29 deputadas”, diz.
“Mas óbvio que não é fácil. O Congresso é um lugar que não foi pensado para as mulheres, onde o machismo predomina. Na Câmara Federal, a gente consegue enxergar de verdade as classes sociais e os interesses da mesquinharia da política. Por outro lado, temos um time de mulheres feministas que conseguem pautar e enfrentar projetos como a lei contra o aborto, o desmonte de políticas públicas para as mulheres, que legalizam a morte de jovens e crianças periféricas, e o Marco Temporal, que acaba com o meu povo indígena. E infelizmente eles são maioria.
Ela defende que a paridade no Parlamento para homens e mulheres seja uma política prioritária dentro dos partidos. “Hoje temos 30% do fundo partidário, do fundo eleitoral, que ajudam a avançar e ocupar espaços. Mas o que falta principalmente às mulheres de esquerda é ter mais espaço nos nossos partidos, porque ainda não dão a atenção necessária para que as mulheres possam adentrar na política”.
A militante da Marcha Mundial das Mulheres Maria Fernanda Marcelino e da Sempreviva Organização Feminista (SOF) participa do 8M desde 1995. “Temos avanços que são fruto da luta permanente das mulheres por direito à vida, ao trabalho e à dignidade, mas temos também, em contraposição, um avanço do conservadorismo e do fascismo no Brasil, que impõe limites às nossas conquistas. No campo dos cuidados, as mulheres carregam o mundo nas costas para que a sociedade funcione. No campo da sexualidade, uma repressão muito maior em torno da orientação sexual ou mesmo as questões do aborto, como o fechamento do Hospital Nova Cachoeirinha que fazia o atendimento dos casos de aborto legalizados pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes”, afirma.
Em relação à sub-representação feminina nos espaços de poder, ela acredita que seja essencial a reforma do sistema político para aumentar a possibilidade de eleger mulheres, pessoas negras e indígenas. A outra coisa é investir para que as mulheres tenham tempo livre, porque recaem sobre elas o cuidado com as crianças, o sustento da casa, os menores salários.
A Secretária de Organização do Movimento Negro Unificado em São Paulo, Luka Franca, afirma que não vamos acabar com o feminicídio se não tratarmos a questão racial ali colocada. “As mulheres negras são vistas de forma objetificada muito mais do que as brancas, e isso precisa estar no nosso norte. Por isso a gente precisa fortalecer a política de proteção das mulheres, sobretudo contra a violência, educação sobre o tema e a Lei Maria da Penha nas escolas, para que os professores saibam identificar quando a criança está em um ambiente de violência doméstica e possa acessar uma rede. Isso não é possível, obviamente, se a gente não pensa a questão racial”.