O líder brasileiro recebe a presidência do G20 e propõe uma aliança mundial  contra a fome e a desigualdade. Presidente diz que mudanças climáticas e a luta por governança global também são prioridades e volta a cobrar ajuda dos países ricos

Luta global contra a fome
10.09.2023 – Encerramento da Cúpula do G20. Nova Delhi – Índia Foto: Ricardo Stuckert / PR

Depois de sete anos de tropeços no plano internacional, por conta do Golpe de 2016 que tirou Dilma Rousseff do poder numa manobra de líderes da oposição e traidores e da ascensão ao poder de um político porta-voz da extrema-direita, o Brasil segue em ascensão no palco internacional, resgatando sua liderança. No domingo, 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a presidência do G20, durante o encerramento da 18ª Cúpula de Chefes de Governo e Estado do grupo que reúne as 20 maiores economias do planeta. Durante a cerimônia, realizada em Nova Déli, na Índia, Lula recebeu a liderança do bloco das mãos do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.

Lula fez questão de mostrar que vai tornar a liderança do G20 em uma plataforma em defesa da construção de um mundo mais justo e que a luta contra a fome deve ser encampada por todos os líderes globais. “Apesar de todos os esforços, nossa família está cada vez mais desunida. O que nos divide tem nome: é a desigualdade, e ela não para de crescer. Há dois séculos, a renda dos mais ricos era 18 vezes maior do que a dos mais pobres. Hoje, em plena quarta revolução industrial, a renda dos mais ricos é 38 vezes a dos mais pobres”, alertou. 

A presidência brasileira no G20 terá três prioridades: a inclusão social e a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza; o enfrentamento das mudanças climáticas e a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental; e a defesa da reforma das instituições de governança global, que reflita a geopolítica do presente.

“Todas essas prioridades estão contidas no lema da presidência brasileira, que diz ‘Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável’”, disse Lula durante discurso no encerramento do encontro. Ele anunciou que serão criadas duas forças-tarefas: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima.

Em Nova Déli, o presidente lembrou a tragédia no Rio Grande do Sul em decorrência da passagem de um ciclone extratropical, que deixou mais de 40 mortos e quase 50 desaparecidos. Oitenta e oito municípios do Rio Grande do Sul decretaram estado de calamidade pública. “Isso nos chama a atenção porque fenômenos como esse têm acontecido nos mais diferentes lugares do nosso planeta”, apontou. Lula voltou a cobrar recursos de países ricos contra aquecimento global. “A natureza continua dando demonstração de que nós precisamos cuidar dela com muito mais carinho”, disse. 

Lula reforçou que a preocupação com a fome a injustiça social precisa ser de todos. “Precisamos redobrar os esforços para alcançar a meta de acabar com a fome no mundo até 2030, caso contrário estaremos diante do maior fracasso multilateral dos últimos anos. Agir para combater a mudança do clima exige vontade política e determinação dos governantes, e também recursos e transferência de tecnologia”, destacou.

Ele ressaltou ainda a necessidade de que países emergentes tenham mais participação nas decisões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). “A insustentável dívida externa dos países mais pobres precisa ser equacionada. A OMC [Organização Mundial do Comércio] tem que ser revitalizada e seu sistema de solução de controvérsias precisa voltar a funcionar. Para recuperar sua força política, o Conselho de Segurança da ONU precisa contar com a presença de novos países em desenvolvimento entre seus membros permanentes e não permanentes”, defendeu.

Luta global contra a fome
09.09.2023 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a abertura da Cúpula do G20 – Sessão I: “Uma Terra”, no Bharat Mandapam, 2° andar, Plenário da Cúpula. Nova Delhi – Índia. Foto: Ricardo Stuckert / PR

A presidência brasileira do G20 começa em 1º de dezembro de 2023 e se encerra em 30 de novembro de 2024. A agenda do grupo será decidida e implementada pelo governo do Brasil, com apoio direto da Índia, última ocupante da presidência, e da África do Sul, país que exercerá o mandato em 2025. Esse sistema é conhecido como troika e é um dos diferenciais do grupo em relação a outros organismos internacionais. Entre dezembro de 2023 e novembro de 2024, o Brasil deverá organizar mais de 100 reuniões oficiais em várias cidades do país, que incluem cerca de 20 reuniões ministeriais, 50 reuniões de alto nível e eventos paralelos. O ponto alto será a 19ª Cúpula de chefes de Estado e governo do G20, nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro.

De acordo com Lula, no G20, o Brasil pretende organizar os trabalhos em torno de três orientações gerais. Primeiro, ele propõe uma aproximação entre a trilha de política, mais ampla e onde se discutem políticas públicas, e a trilha de finanças, onde se discutem as questões de financiamento, de forma que “se coordenem e trabalhem de forma mais integrada”. “Não adianta acordarmos a melhor política pública se não alocarmos os recursos necessários para sua implementação”, avaliou.

À frente do G20, Lula deve criar ainda um canal de diálogo entre os líderes e a sociedade civil, assegurando que os grupos de engajamento da sociedade, entidades de classe e órgãos públicos tenham a oportunidade de reportar suas conclusões e recomendações aos representantes de governo. Para o presidente, também é preciso evitar discussões sobre questões geopolíticas, como guerras, para não esvaziar a agenda de discussões das várias instâncias do bloco. “Não nos interessa um G20 dividido. Só com uma ação conjunta é que podemos fazer frente aos desafios dos nossos dias. Precisamos de paz e cooperação em vez de conflitos”, disse.

É a primeira vez que o Brasil assume a presidência do G20 desde a sua criação, em 1999. O país esteve presente desde o início, quando as 20 maiores economias do mundo se reuniram com o objetivo de buscar uma solução para a grave crise financeira que abalou todos os mercados e que levou à quebra de um número enorme de bancos e outras companhias. O grupo reunia, à época, apenas ministros de finanças e presidentes de bancos centrais. Em 2008, para enfrentar nova crise financeira internacional, passou a ter o formato atual, com chefes de Estado e de governo.

“Nossa atuação conjunta nos permitiu enfrentar os momentos mais críticos, mas foi insuficiente para corrigir os equívocos estruturais do neoliberalismo”, disse Lula. “A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. Novas urgências surgiram, os desafios se acumularam e se agravaram, vivemos num mundo em que a riqueza está mais concentrada, em que milhões de seres humanos ainda passam fome, em que o desenvolvimento sustentável está sempre ameaçado, em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado”.

Para o líder brasileiro, a redução das desigualdades deve estar no centro da agenda internacional. “Só vamos conseguir enfrentar todos esses problemas se tratarmos da questão da desigualdade. A desigualdade de renda, de acesso à saúde, educação e alimentação, de gênero e raça e de representação está na origem de todas essas anomalias”, destacou.

Além dos líderes dos países-membros do G20 – África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União Europeia –, participaram da cúpula, na condição de convidados da presidência indiana, os líderes de Bangladesh, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Maurício, Nigéria, Omã, Países Baixos, Singapura e União Africana.

O G20 é responsável por mais de 80% do PIB mundial, 75% do comércio global e 60% da população do planeta. O principal documento resultante da 18ª Cúpula do G20 foi a Declaração de Líderes, que incluiu temas como necessidade do desenvolvimento sustentável, da cooperação econômica e científica, de ações contra desigualdade e da redução do sofrimento causado pelas guerras. •

Lula visita memorial a Gandhi

O presidente brasileiro Luiz Inacio Lula da Silva ficou verdadeiramente emocionado durante sua visita a Raj Ghat em Nova Deli, onde prestou homenagem ao seu líder Mahatma Gandhi. Ele traçou um paralelo entre o trabalho que deu início ainda nos anos 1970 e no movimento sindical e a luta não violenta de Gandhi.

Enquanto os líderes globais se reuniam no Memorial Mahatma Gandhi antes do segundo dia da Cúpula do G20, o presidente Lula compartilhou seus sentimentos em seu discurso final, dizendo: “Pessoalmente, fiquei muito tocado e emocionado quando fui prestar homenagem ao nosso querido Gandhi hoje”, informou.

O primeiro-ministro Narendra Modi, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o presidente da Indonésia, Joko Widodo, e o Lula deixaram uma coroa de flores no Raj Ghat para prestar homenagem a Gandhi, no domingo, 10.

“Todo mundo sabe que na minha vida política, Mahatma Gandhi tem um grande significado porque a luta contra a não-violência foi um modelo que eu segui por muitas décadas quando estava no movimento sindical. É por isso que estou muito emocionado”, acrescentou.

O Raj Ghat é um memorial e local onde se encontram as cinzas de Mahatma Gandhi. Consiste em uma plataforma de mármore negro, sobre a qual está colocada uma chama eterna, que não se apaga. Gandhi foi cremado ali em 31 de janeiro de 1948, e abriga os restos mortais de outros líderes indianos. •