Luta global contra a fome
O líder brasileiro recebe a presidência do G20 e propõe uma aliança mundial contra a fome e a desigualdade. Presidente diz que mudanças climáticas e a luta por governança global também são prioridades e volta a cobrar ajuda dos países ricos
Depois de sete anos de tropeços no plano internacional, por conta do Golpe de 2016 que tirou Dilma Rousseff do poder numa manobra de líderes da oposição e traidores e da ascensão ao poder de um político porta-voz da extrema-direita, o Brasil segue em ascensão no palco internacional, resgatando sua liderança. No domingo, 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a presidência do G20, durante o encerramento da 18ª Cúpula de Chefes de Governo e Estado do grupo que reúne as 20 maiores economias do planeta. Durante a cerimônia, realizada em Nova Déli, na Índia, Lula recebeu a liderança do bloco das mãos do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.
Lula fez questão de mostrar que vai tornar a liderança do G20 em uma plataforma em defesa da construção de um mundo mais justo e que a luta contra a fome deve ser encampada por todos os líderes globais. “Apesar de todos os esforços, nossa família está cada vez mais desunida. O que nos divide tem nome: é a desigualdade, e ela não para de crescer. Há dois séculos, a renda dos mais ricos era 18 vezes maior do que a dos mais pobres. Hoje, em plena quarta revolução industrial, a renda dos mais ricos é 38 vezes a dos mais pobres”, alertou.
A presidência brasileira no G20 terá três prioridades: a inclusão social e a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza; o enfrentamento das mudanças climáticas e a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental; e a defesa da reforma das instituições de governança global, que reflita a geopolítica do presente.
“Todas essas prioridades estão contidas no lema da presidência brasileira, que diz ‘Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável’”, disse Lula durante discurso no encerramento do encontro. Ele anunciou que serão criadas duas forças-tarefas: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima.
Em Nova Déli, o presidente lembrou a tragédia no Rio Grande do Sul em decorrência da passagem de um ciclone extratropical, que deixou mais de 40 mortos e quase 50 desaparecidos. Oitenta e oito municípios do Rio Grande do Sul decretaram estado de calamidade pública. “Isso nos chama a atenção porque fenômenos como esse têm acontecido nos mais diferentes lugares do nosso planeta”, apontou. Lula voltou a cobrar recursos de países ricos contra aquecimento global. “A natureza continua dando demonstração de que nós precisamos cuidar dela com muito mais carinho”, disse.
Lula reforçou que a preocupação com a fome a injustiça social precisa ser de todos. “Precisamos redobrar os esforços para alcançar a meta de acabar com a fome no mundo até 2030, caso contrário estaremos diante do maior fracasso multilateral dos últimos anos. Agir para combater a mudança do clima exige vontade política e determinação dos governantes, e também recursos e transferência de tecnologia”, destacou.
Ele ressaltou ainda a necessidade de que países emergentes tenham mais participação nas decisões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). “A insustentável dívida externa dos países mais pobres precisa ser equacionada. A OMC [Organização Mundial do Comércio] tem que ser revitalizada e seu sistema de solução de controvérsias precisa voltar a funcionar. Para recuperar sua força política, o Conselho de Segurança da ONU precisa contar com a presença de novos países em desenvolvimento entre seus membros permanentes e não permanentes”, defendeu.
A presidência brasileira do G20 começa em 1º de dezembro de 2023 e se encerra em 30 de novembro de 2024. A agenda do grupo será decidida e implementada pelo governo do Brasil, com apoio direto da Índia, última ocupante da presidência, e da África do Sul, país que exercerá o mandato em 2025. Esse sistema é conhecido como troika e é um dos diferenciais do grupo em relação a outros organismos internacionais. Entre dezembro de 2023 e novembro de 2024, o Brasil deverá organizar mais de 100 reuniões oficiais em várias cidades do país, que incluem cerca de 20 reuniões ministeriais, 50 reuniões de alto nível e eventos paralelos. O ponto alto será a 19ª Cúpula de chefes de Estado e governo do G20, nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro.
De acordo com Lula, no G20, o Brasil pretende organizar os trabalhos em torno de três orientações gerais. Primeiro, ele propõe uma aproximação entre a trilha de política, mais ampla e onde se discutem políticas públicas, e a trilha de finanças, onde se discutem as questões de financiamento, de forma que “se coordenem e trabalhem de forma mais integrada”. “Não adianta acordarmos a melhor política pública se não alocarmos os recursos necessários para sua implementação”, avaliou.
À frente do G20, Lula deve criar ainda um canal de diálogo entre os líderes e a sociedade civil, assegurando que os grupos de engajamento da sociedade, entidades de classe e órgãos públicos tenham a oportunidade de reportar suas conclusões e recomendações aos representantes de governo. Para o presidente, também é preciso evitar discussões sobre questões geopolíticas, como guerras, para não esvaziar a agenda de discussões das várias instâncias do bloco. “Não nos interessa um G20 dividido. Só com uma ação conjunta é que podemos fazer frente aos desafios dos nossos dias. Precisamos de paz e cooperação em vez de conflitos”, disse.
É a primeira vez que o Brasil assume a presidência do G20 desde a sua criação, em 1999. O país esteve presente desde o início, quando as 20 maiores economias do mundo se reuniram com o objetivo de buscar uma solução para a grave crise financeira que abalou todos os mercados e que levou à quebra de um número enorme de bancos e outras companhias. O grupo reunia, à época, apenas ministros de finanças e presidentes de bancos centrais. Em 2008, para enfrentar nova crise financeira internacional, passou a ter o formato atual, com chefes de Estado e de governo.
“Nossa atuação conjunta nos permitiu enfrentar os momentos mais críticos, mas foi insuficiente para corrigir os equívocos estruturais do neoliberalismo”, disse Lula. “A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. Novas urgências surgiram, os desafios se acumularam e se agravaram, vivemos num mundo em que a riqueza está mais concentrada, em que milhões de seres humanos ainda passam fome, em que o desenvolvimento sustentável está sempre ameaçado, em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado”.
Para o líder brasileiro, a redução das desigualdades deve estar no centro da agenda internacional. “Só vamos conseguir enfrentar todos esses problemas se tratarmos da questão da desigualdade. A desigualdade de renda, de acesso à saúde, educação e alimentação, de gênero e raça e de representação está na origem de todas essas anomalias”, destacou.
Além dos líderes dos países-membros do G20 – África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União Europeia –, participaram da cúpula, na condição de convidados da presidência indiana, os líderes de Bangladesh, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Maurício, Nigéria, Omã, Países Baixos, Singapura e União Africana.
O G20 é responsável por mais de 80% do PIB mundial, 75% do comércio global e 60% da população do planeta. O principal documento resultante da 18ª Cúpula do G20 foi a Declaração de Líderes, que incluiu temas como necessidade do desenvolvimento sustentável, da cooperação econômica e científica, de ações contra desigualdade e da redução do sofrimento causado pelas guerras. •
Lula visita memorial a Gandhi
O presidente brasileiro Luiz Inacio Lula da Silva ficou verdadeiramente emocionado durante sua visita a Raj Ghat em Nova Deli, onde prestou homenagem ao seu líder Mahatma Gandhi. Ele traçou um paralelo entre o trabalho que deu início ainda nos anos 1970 e no movimento sindical e a luta não violenta de Gandhi.
Enquanto os líderes globais se reuniam no Memorial Mahatma Gandhi antes do segundo dia da Cúpula do G20, o presidente Lula compartilhou seus sentimentos em seu discurso final, dizendo: “Pessoalmente, fiquei muito tocado e emocionado quando fui prestar homenagem ao nosso querido Gandhi hoje”, informou.
O primeiro-ministro Narendra Modi, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o presidente da Indonésia, Joko Widodo, e o Lula deixaram uma coroa de flores no Raj Ghat para prestar homenagem a Gandhi, no domingo, 10.
“Todo mundo sabe que na minha vida política, Mahatma Gandhi tem um grande significado porque a luta contra a não-violência foi um modelo que eu segui por muitas décadas quando estava no movimento sindical. É por isso que estou muito emocionado”, acrescentou.
O Raj Ghat é um memorial e local onde se encontram as cinzas de Mahatma Gandhi. Consiste em uma plataforma de mármore negro, sobre a qual está colocada uma chama eterna, que não se apaga. Gandhi foi cremado ali em 31 de janeiro de 1948, e abriga os restos mortais de outros líderes indianos. •