A mais megalomaníaca das operações segue em curso, sem nunca ter sido concluída e repleta de esqueletos escondidos no Judiciário. Chamada Greenfield, ela confirma que a corrupção ocorre quando há incompetência e ilegalidade nas investigações

Juiz Vallisney de Souza Oliveira

A criação da Sisbin, o Sistema Brasileiro de Inteligência, foi um marco importante na história da inteligência no Brasil. A lei que a instituiu, a Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, estabeleceu um novo modelo de inteligência para o país, baseado na integração entre os órgãos de inteligência.

Acompanhei entusiasmado a criação do modelo. Aliás, fui convidado pelo então ministro Márcio Thomaz Bastos para uma das palestras do evento de lançamento, em Perinópolis. Presentes o então procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, e o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, Bastos pediu que eu “descesse a ripa” no amadorismo de ambas as corporações para investigar crimes financeiros.

Antes disso, especialmente na CPI dos Precatórios, eu havia escrito uma série de artigos na Folha mostrando a falta de conhecimento das autoridades, da CPI e da mídia, sobre crimes financeiros.

A Sisbin unificava os serviços de inteligência, que passavam a trabalhar em conjunto, trocando informações.

Da Sisbin resultou o aparecimento das forças tarefas, criadas para enfrentar denúncias mais complexas de crimes. Mas o modelo Paulo Lacerda era rígido. Se a PF de algum estado identificasse crime com ramificações em outros estados, ia a Brasilia, era montada uma força tarefa, mas com supervisão da superintendência e da inteligência central da PF – que providenciava os meios e segurava os arroubos, para impedir abusos.

Com mudanças de governo, tudo mudou. Foi criado um monstro quando o Ministério da Justiça e a Procuradoria Geral da República passaram a ser dirigidos pelas duas autoridades mais omissas em suas respectivas funções, desde a redemocratização: José Eduardo Cardozo e Rodrigo Janot.

O sucesso da Lava Jato deflagrou um processo de disputa entre forças tarefas que se constitui em um dos episódios mais vergonhosos e perdulários da história da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Conduzida pelo delegado Maurício Moscardi Grillo, licenciado da Lava Jato, a Operação Carne Fraca, para investigar denúncias de corrupção na fiscalização de frigoríficos, envolveu 1.100 policiais federais, além de agentes de outros órgãos. 

Para a Operação Ouvidos Moucos – que levou aos suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina – a delegada federal Erika Merena convocou mais de cem policiais de todo o país.

Outros cem policiais participaram da também infame Operação Esperança Equilibrista, que repetiu na Universidade Federal de Minas Gerais os abusos cometidos contra a UFSC.

Os abusos fizeram com que a então subprocuradora Raquel Dodge levasse ao Conselho Superior do Ministério Público uma proposta da Procuradoria do Distrito Federal, de definir um percentual máximo de procuradores de cada região, convocados para forças tarefas, a fim de não desfalcar as regionais.

Malandramente, o então procurador-geral Rodrigo Janot convocou a imprensa para a cobertura da reunião do Conselho Superior, na qual acusou Dodge de pretender impedir o combate à corrupção.

E, nesse país de mediocridade explícita, o mais medíocre dos PGRs conseguiu abrigo na mídia para seus blefes.

Em 2021, em uma atitude corajosa, o procurador-geral da República, Augusto Aras, decretou o fim das forças tarefas. 

Não tirou a medida da cartola. O debate começou em 2020, quando Aras, anunciou a intenção de extinguir as forças-tarefas substituindo-as pelo modelo de grupos de atuação especial de combate ao crime organizado (Gaecos), unidades permanentes do MPF.

Em 2021, o Conselho Superior do MPF aprovou a extinção das forças-tarefas, com exceção da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, que foi extinta em 2023.

O fim das forças-tarefas foi um marco importante na história do MPF. Levaram-se em conta os seguintes argumentos: 1) Instabilidade: O modelo de forças-tarefas é temporário, o que pode dificultar a continuidade das investigações; 2) Fraqueza institucional: As forças-tarefas são unidades independentes, o que pode dificultar a coordenação com outros órgãos do MPF; e 3) Suspeitas: O modelo de forças-tarefas pode ser visto como uma forma de concentrar o poder em um grupo de procuradores.

Operação Greenfield

Depois da Lava Jato, a mais megalomaníaca das operações foi a Greenfield, criada no segundo semestre de 2016 inicialmente para investigar acusações contra fundos de pensão. Dentro da mesma lógica de Curitiba, acabou açambarcando um sem-número de investigações paralelas. 

Titular da operação, o procurador Anselmo Cordeiro Lopes, em parceria com o juiz Vallisney de Souza Oliveira – uma espécie de Sérgio Moro do Distrito Federal – passou a se valer dos mesmos estratagemas da Lava Jato. Nas delações, qualquer menção a outros crimes servia de álibi para mais uma Força Tarefa, embaixo do guarda-chuva da Greenfield.

Foi assim que incorporou a Operação Sépsis, que investigava denúncias de uso do FGTS; a Cui Bono, da Caixa Econômica Federal; a Circus Maximus, no BRB; a Tesouro Perdido, Patmos, Sala, operações que, a rigor, nada tinham a ver com o objetivo inicial da Greenfield.

Ao todo, passou a trabalhar com 189 metas, envolvendo 564 policiais federais, sete procuradores da República, oito auditores da Previc, 12 inspetores e três procuradores federais da Comissão de Valores Mobiliários. 

“Até hoje, essa pode ser considerada uma das maiores operações da história do Ministério Público Federal”, vangloriava-se o procurador Anselmo, em um dos relatórios enviados ao Conselho Nacional do Ministério Público.

Anselmo já havia dado sinais de protagonismo ululante quando, em parceria com o polêmico juiz Ricardo Leite, conseguiu o bloqueio das contas do Instituto Lula, o confisco do passaporte de Lula, tentou criminalizar Lula pela Licitação dos caças. 

Aliás, o juiz Ricardo Leite – que acaba de condenar o hacker a incríveis 20 anos de prisão – foi o mesmo que autorizou a condução coercitiva de 40 funcionários do BNDES, em um dos episódios mais degradantes desses tempos de trevas.

A Greenfield deflagrou sete prisões temporárias, 40 conduções coercitivas, implicou 110 pessoas físicas e jurídicas, tudo com enorme estardalhaço na mídia. Houve bloqueio de bens, retenção de passaportes, de telefones celulares e notebooks, limitação de locomoção, prisões para forçar acordos de delação. Enfim, todo o combo inaugurado pela Lava Jato, especialmente os assassinatos de reputação, tratando meros suspeitos como culpados. 

Imitou a Lava Jato até na tentativa de direcionar as verbas das multas e de trabalhar em parceria com a Transparência Internacional do Brasil.

O tamanho da operação tornou-a claramente inadministrável, a não ser que se alocasse um batalhão permanente de procuradores e policiais federais. 

Quando Aras decretou o fim das forças tarefas, em um claro gesto de boicote, procuradores que há cinco anos atuavam na Greenfield resolveram abandonar os trabalhos. Abandono de obrigação funcional é considerada falta grave. Mas não houve nenhum movimento da corregedoria do MPF contra a atitude.

A PGR abriu inscrição, então, para que outro procurador assumisse a operação. Apresentou-se apenas Celso Três, procurador que ganhou destaque no caso Banestado.

Celso ainda tentou convencer Anselmo a retornar os trabalhos. Propôs que ele, Celso, e outros colegas ajudariam; tudo à distância, teletrabalho, acumulando carga própria das lotações; sem diárias. Anselmo levou a proposta ao colegiado da Procuradoria da República do Distrito Federal, mas nada conseguiu. Havia animosidade contra ele, devido a seu excesso de estrelismo. 

Celso Três assumiu, então, com o propósito de transferir para outras regionais investigações que nada tinham a ver com o objetivo central da Greenfield. No meio do caminho, cometeu uma ironia: “Não estou aqui para trabalhar muito”. 

Foi um óbvio chiste, mas que imediatamente foi aproveitado pela imprensa, a exemplo do que ocorreu com o juiz Eduardo Appio. O procurador foi alvo de uma campanha pesada, cujo ápice foi uma reportagem do Jornal Nacional, preparada por Vladimir Neto jornalista que, nas gravações da Operação Spoofing, aparece como consultor de comunicação informal da Lava Jato.

A corregedoria atuou rapidamente e afastou Celso Três da operação. E a Greenfield virou um ectoplasma.

Hoje em dia, dezenas de acusados continuam com bens bloqueados. Há casos de denunciados que até hoje não foram ouvidos. Estão todos no limbo da justiça.

Um dos pontos centrais da garantia da segurança jurídica é a prescrição de crimes. É uma forma de garantir que o Estado não possa punir alguém indefinidamente, sob o risco de violar o princípio da segurança jurídica. A ideia é que, após um determinado período de tempo, o réu não deve mais ser punido pelo crime que cometeu, mesmo que seja culpado e mesmo que não tenha sido possível obter uma sentença condenatória.

Nada disso ocorreu com as pessoas incriminadas pela Greenfield. São mortos vivo civis, com bens bloqueados, sob suspeita permanente, com restrições de toda ordem.

No macarthismo deflagrado pela mídia, em torno da Lava Jato, houve a criminalização generalizada de qualquer ato. Com autorização do juiz Ricardo Leite, o MPF tentou criminalizar operações do BNDES de financiamento de exportações de serviço; a licitação dos aviões da FAB e outras.

Quando o governo Dilma decidiu derrubar sistematicamente a taxa Selic, levou a um movimento de realocação de recursos dos fundos de pensão. Eles têm como meta obter um retorno anual dos investimentos, as chamadas metas atuariais, já que trabalhar com recursos hoje, para garantir aposentadorias futuras.

Sem a comodidade da renda fixa, a saída foi a busca de novos investimentos, em novas áreas. Uma delas, foram os chamados investimentos “greenfield” – em novas empresas ou novas atividades.

O valor de um investimento é calculado pelo  fluxo futuro de resultados, trazidos a valor presente por determinada taxa de desconto. No caso de empresas já existentes, o fluxo futuro toma como base o histórico passado de resultados. No caso das empresas greenfield, há uma aposta que pode se realizar ou não.

Os investimentos criminalizados

Há vários questionamentos sobre os critérios utilizados pela Greenfield para formular acusações. Em um período em que se criminalizava até financiamentos de serviços do BNDES, bastaria um questionamento da taxa de desconto utilizada no cálculo de valor, para criminalizar a operação.

Foi o que sucedeu em muitas das denúncias, especialmente quando outros órgãos de regulação, como a Previc (que fiscaliza fundos de pensão) entraram no esquema Lava Jato.

Cevix. Em 2010, a Funcef montou parceria com a Engevix em energia, constituindo a empresa Cevix, que juntava várias PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas). O preço acertado estimava um retorno de IPCA mais 7,96% a 10,64% ao ano. 

Oito anos depois, o Ministério Público entender que o valor foi superavaliado. Comparava a taxa de retorno com as taxas de títulos públicos, que não têm risco.

Um ano e oito meses depois da entrada da FUNCEF na empresa CEVIX, a ENGEVIX vendeu a parte dela para uma das maiores empresas de energia limpa do mundo, a estatal norueguesa STATKRAFT.  Essa venda – dos mesmos ativos – foi feita por um valor 23% superior ao que foi pago pela Funcef.

O preço pago pela Funcef incluía posição de controle com várias exigências de governança corporativa (criação de conselho fiscal, abertura de capital em um prazo definido, o que aconteceu, comitês técnicos de apoio ao Conselho de Administração, inclusive de auditoria, direitos de venda ou compra futuras).  

Na denúncia o MP afirmou que o valor da empresa seria dado pelo somatório do preço de suas ações e se utilizou deste argumento em um parecer de dois peritos da PF. Qualquer especialista em mercado sabe que as ações de controle tem um valor maior que as ações disponibilizadas para o público.

Hoje em dia, o valor do investimento supera as evoluções de meta atuarial,  a evolução do CDI e dos índices de bolsa.

Invepar. A empresa foi fundada em 2000 pela Previ e OAS e o principal ativo era a Linha Amarela no Rio. Em 2008 Petros e Funcef entraram na companhia aportando suas participações no Metrô/Rio, as quais haviam adquirido do Citi Bank, no bojo da solução do conflito com o Opportunity.

Nos anos seguintes, vários investimentos adicionais foram feitos pela empresa, com destaque para a concessão de Guarulhos e a de uma rodovia no Peru, tendo os quatro investidores como sócios. A empresa era um sucesso até que veio a LJ.  O valor da empresa despencou. 

Florestal Brasil. Investimento feito pela Funcef e Petros em parceria com a JBS no ano de 2009 (fusão com a Eldorado em 2011). 

Em 2018 em função das pressões do MP sobre a empresa houve uma negociação com a Paper Excellence, da Indonésia. As duas fundações venderam suas participações pelo preço acordado.

É importante anotar que a pessoa que trouxe a Transparência Internacional para o Brasil foi o principal lobista contratado pela Paper Excelente em seus embates com a JBS.

As duas fundações têm o direito de receber o mesmo que o grupo controlador.  

A venda foi coordenada pela JBS que também vendeu sua parte; porém, no decorrer do processo ela resistiu a entregar uma parte das suas ações. Recentemente, a arbitragem deu ganho de causa à Paper Excellence, mas a JBS recorreu e o litígio continua.

A venda das participações da Funcef e da Petros deram um resultado positivo, superior à meta atuarial e também a outras aplicações, como o CDI. 

Empresa Sete Brasil. Investimentos feitos por Petros, Previ, Funcef e Valia em conjunto com vários investidores, especialmente os bancos BTG, Santander e Bradesco. O projeto visava formar uma grande empresa alocadora de sondas e embarcações para a Petrobras, com encomendas aos estaleiros nacionais.  

Os bancos colocaram valores maiores que os recursos alocados pelos Fundos de Pensão. 

A destruição da empresa levou a grandes prejuízos para todos os investidores. Para os Bancos não houve qualquer questionamento judicial; para os Fundos foram levantadas suspeitas e denúncias pesadas. 

Depois, em 2021, houve um acordo da Petros, Previ e outros investidores com a Petrobras que pagou a todos com valores corrigidos. A Funcef não entrou na negociação e ficou com o prejuízo total. Isso porque ela era assistente de acusação junto ao MP contra os ex-gestores. 

Fundo Global. Fundo imobiliário com investimentos em projetos residenciais e comerciais. Houve uma 1ª etapa sem problemas (2008-2011). Em 2012/13 houve novos aportes (2ª etapa). Vários fundos de pensão participaram. As ações judiciais foram apenas para gestores da Previ, Petros e Funcef. 

O investimento tem fortes indícios de desvios feitos pelo gestor no ano de 2013 em diante. Pela legislação, o gestor tem total autonomia para administrar os recursos. Apesar disso, o MPF priorizou o ataque aos dirigentes dos Fundos de Pensão, inclusive para aqueles que só participaram no início do negócio (2008-2010) quando não existia qualquer problema e nem foi apurado nenhum indício.  

Belo Monte. Funcef e Petros participaram da disputa e junto com Eletronorte foram os vencedores. As duas entraram com 20% (10% cada). O investimento tinha total sustentação técnica, feita com rigor e com consultorias especializadas. 

Depois, com a LJ, a Previc, totalmente envolvida com o lavatismo, abriu processo administrativo e depois foram abertas pelo MP ações judiciais. 

Os mortos-vivos

Todos os processos apresentados pelo MP eram aceitos, de imediato, pelo então juiz da 10ª Vara, Vallisney de Souza Oliveira. Até hoje não houve nenhuma condenação. Há investigados que jamais foram ouvidos pelo MPF. 

Até 2022 – seis anos depois – havia cautelar impeditiva de diálogo entre os investigados/réus. Até hoje mantém-se o bloqueio de bens. Até 2021 – cinco anos depois – os bens pessoais (celulares, notebooks, cadernos) ficaram retidos na PF. Até final de 2021 – mais de cinco anos depois – os passaportes estavam retidos também. 

O MPF abriu dezenas de PICs (Procedimentos de Investigação) que foram remetidos à PF. Tais PICs tem sido alvo de relatório de delegados da PF, em períodos recentes e, em todos, há a posição para arquivamento por falta de sustentação para denúncia. 

Há dezenas de HCs que estão para serem julgados. 

O que confirma que o maior aliado da corrupção é a incompetência e a ilegalidade das investigações. •

Publicado originalmente no portal GGN.

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