As provas contra Deltan
Uma nova bomba na República de Curitiba: a Lava Jato tratou em sigilo com os Estados Unidos sobre o rateio do dinheiro cobrado da Petrobrás, que seria usado ilegalmente por procuradores em fundo administrado por eles mesmos
Sem mandato parlamentar e de volta à planície, o ex-deputado federal Deltan Dallagnol, que ganhou fama como coordenador da Operação Lava Jato, está em maus lençois. Na última quinta-feira, 20, os jornalistas Jamil Chade e Leandro Demori, respectivamente do UOL e A Grande Guerra, revelaram que o ex-procurador da República negociou em sigilo, indevidamente, com autoridades norte-americanas, fora de sua competência legal, o destino de recursos públicos.
Segundo os jornalistas, Dallagnol participou de um acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para dividir o dinheiro que seria cobrado da Petrobrás em multas e penalidades nas investigações sobre corrupção. E, diferentemente, do que determina a lei, a negociação não envolveu a Controladoria-Geral da União, ou sequer passou pelo Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça.
As negociações se deram extraoficialmente e fora dos canais competentes. Durante três anos, procuradores suíços e brasileiros trocaram mensagens pelo aplicativo Telegram, sem passar por qualquer tipo de registro oficial. As conversas aconteciam por causa do papel das autoridades suíças na busca, confisco e detalhamento das contas usadas como destino das propinas investigadas na Lava Jato.
Em 2018, a Petrobras assinou um acordo com Departamento de Justiça (DOJ) e a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) para encerrar processos nos Estados Unidos. Em virtude disso, pagou uma multa de US$ 853,2 milhões — 10% como multa criminal para o DOJ, 10% como multa civil para a SEC, e 80% para pagamentos às “autoridades brasileiras”.
Os chats revelados agora fazem parte dos arquivos apreendidos pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, que investigou o hackeamento de procuradores e também do ex-juiz Sergio Moro no caso que ficou conhecido como Vaza Jato, que veio a público graças ao jornalista Gleen Greenwald, à época à frente do The Intercept. Em 29 de janeiro de 2016, Dallagnol escreveu aos suíços para contar o resultado dos primeiros contatos entre ele e as autoridades americanas.
Como aponta a denúncia dos jornalistas Jamil Chade e DLeandro Demori, os encontros e negociações ocorreram sem pedido de assistência formal e foram comprovados por documentos oficiais do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, obtidos pelo Intercept para além dos diálogos da Vaza Jato. Durante as conversas e visitas, os procuradores da Lava Jato sugeriram aos americanos maneiras de driblar um entendimento do STF que permitisse que os EUA ouvissem delatores da Petrobrás no Brasil.
A Petrobrás fecharia um acordo com os EUA mais de dois anos depois, aceitando pagar uma multa de US$ 853,2 milhões de dólares para não ser processada. O acordo garantiu o envio de 80% do valor ao Brasil — metade do montante milionário seria destinado a um fundo privado que a própria Lava Jato tentou criar e não conseguiu. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a criação do fundo a pedido da Procuradoria Geral da República. O dinheiro foi destinado à Amazônia e, agora, o CNJ investiga o caso.
Em nota divulgada na quinta-feira, 20, Deltan Dallagnol teve o desplante de rebater as acusações. Disse que não reconhecia os diálogos vazados e obtidos na Operação Spoofing e alegou que “negociações de acordos sempre foram tratadas de modo confidencial por várias razões de interesse público, que incluíam preservar os interesses da investigação e da recuperação de ativos, assim como promover, na forma e tempo apropriado de acordo com a lei das sociedades anônimas, a divulgação de informações ao mercado”.
Ele só esquece de mencionar na nota divulgada nas redes sociais que ele próprio não tinha autoridade nem legitimidade para promover acordos de cooperação com outros países, muito menos para recuperar ativos, tendo em vista que a autoridade é do Ministério da Justiça e não de um procurador da República. •