Do calipso ao ativismo
O cantor, ator e ativista dos direitos humanos Harry Belafonte morre aos 96 anos em Nova York. Foi um artista comprometido com os direitos civis nos EUA e na luta contra o racismo
Harry Belafonte não é tão somente o cantor famoso, o astro de cinema, é também um lutador pelos direitos dos homens, o combatente contra o apartheid, o amigo de Martin Luther King. Ao vê-lo comandando o programa comemorativo dos 20 anos do assassinato de King, recordo outro grande negro de quem fui igualmente amigo, Paul Robeson. Têm os dois a mesma estatura, a mesma consciência, representam a dignidade do homem”.
A descrição do cantor e ator Harry Belafonte é de ninguém menos que Jorge Amado. Em seu livro “Navegação de Cabotagem – Apontamentos para um Livro de Memórias que Jamais Escreverei” (1992), o escritor relembra a amizade com Belafonte, a quem conheceu ainda nos anos 1950 e de quem se tornou amigo depois de uma viagem do norte-americano ao Brasil, nos anos 1970.
Nascido em Nova York em 1927, Belafonte passou parte da juventude na Jamaica, terra natal de sua mãe. Integrou as Forças Armadas norte-americanas na Segunda Guerra Mundial e, de volta aos EUA, queria trabalhar como ator. Para se sustentar, tornou-se crooner em boates, cantando ritmos caribenhos, como calipso, mambo e rumba, que à época faziam enorme sucesso nas boates e inferninhos novaiorquinos.
O trabalho como cantor rendeu um LP de enorme sucesso — o primeiro de um artista negro a vender mais de 1 milhão de cópias — que levaria o nome justamente do ritmo que o consagraria, “Calypso” (1956). No cinema, ele estrearia um longa-metragem dois anos mais tarde em “Carmen Jones”, de Otto Preminger.
Apesar do carisma e do talento, não abundavam papéis para protagonistas negros na Hollywood na década de 1950. Suas posições políticas e antirracistas o levaram a ser incluído na Lista Negra do Macartismo, o que o fez amargar alguns anos distante do cinema. A trajetória como cantor, no entanto, deslanchava graças aos programas de variedades na televisão. Foi o primeiro homem negro a ganhar um Emmy em 1959 com o especial “Tonight with Belafonte”, exibido naquele mesmo ano.
Sua aproximação aos movimentos dos direitos civis e às pautas consideradas de esquerda nos Estados Unidos foram decisivas para a consolidação de Belafonte com um símbolo dos movimentos negros norte-americanos. Era amigo pessoal de Martin Luther King (1929-1968) e foi um dos principais organizadores da Marcha Sobre Washington, em 1963. Sempre foi crítico à política externa belicista dos EUA, e defendeu publicamente o fim do embargo econômico a Cuba. O ativismo antirracista levou Belafonte a uma volta triunfal nos anos 1980. Foi ele quem levou a ideia de organizar o USA for Africa, projeto beneficente que reuniu os artistas pop mais quentes da década de 1980 para gravar “We Are The World”. Com as vozes do próprio Belafonte, Michael Jackson, Tina Turner, Lionel Ritchie e Bruce Springsteen, entre outros, a canção virou hit.