Brasil não seria o que é sem o banco
Em discurso, Mercadante anuncia novos tempos para o órgão criado por Celso Furtado: “O BNDES não foi apenas gigante no fazer, foi gigante também no pensar. E o pensar fez o fazer”. Eis a íntegra
Após 50 anos dedicados à vida pública, na luta por um país mais justo, mais desenvolvido, mais solidário, mais inclusivo e menos desigual, assumo a Presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o maior banco de desenvolvimento das Américas.
A minha militância começou na USP, em 1973, quando assumi a presidência de nossa entidade estudantil. Sou de uma geração que lutou muito e pela redemocratização do país.
Tomo posse em um momento extremamente desafiador, no qual o Brasil sofreu a ameaça mais grave ao Estado Democrático de Direito desde o fim da ditadura militar. O respeito à soberania do voto, às instituições democráticas e à Constituição é uma exigência fundamental para a nova diretoria do BNDES e para toda a sociedade brasileira.
Presidente Lula, só a sua história, a qualidade dos seus governos, o seu compromisso com o país e a sua capacidade de construir alianças poderiam derrotar o autoritarismo e os retrocessos, que ameaçavam devastar conquistas civilizatórias do povo brasileiro.
Menciono também a escolha do vice-presidente, e ministro desta casa, Geraldo Alckmin, uma escolha improvável e imprescindível, que reuniu duas experiências complementares para a vitória eleitoral e para a união e a reconstrução do país.
Não vamos retroceder na defesa da democracia!
É um grande desafio presidir este banco, que já teve entre seus colaboradores grandes intelectuais como Celso Furtado, Roberto Campos, Ignácio Rangel, Conceição Tavares, Carlos Lessa e tantos outros.
O país não seria o que é sem o BNDES. Quando este banco foi criado, o Brasil era um país de 52 milhões de habitantes, predominantemente agrário, com uma indústria incipiente e infraestrutura precária. Três décadas depois, o Brasil havia se convertido em um país predominantemente urbano e industrial. Antes da crise da dívida e da chamada “década perdida”, a indústria brasileira era maior do que a da Coreia e a da China, somadas. Essa transformação fantástica não teria sido possível sem o BNDES.
A história deste banco se confunde com a da industrialização e a da modernização da infraestrutura do país. O BNDES esteve na linha de frente para viabilizar o financiamento de longo prazo, nos grandes ciclos de investimento e desenvolvimento do país. O qualificado corpo técnico do BNDES tem experiências extremamente exitosas na elaboração de projetos, na formulação de políticas, na industrialização, no desenvolvimento científico e tecnológico e na infraestrutura no Brasil.
Darei alguns poucos exemplos:
A Ferrovia Central do Brasil não existiria sem o BNDES. Na verdade, foi o primeiro projeto financiado pelo BNDES.
A Eletrobrás, que iluminou o Brasil, também é fruto do grande investimento que o BNDES liderou para gerar, integrar e distribuir energia elétrica pelo país.
A Embraer é outro exemplo. Apenas oito países no mundo têm capacidade tecnológica para produzir aeronaves. O Brasil é um deles.
Hoje, a Embraer é uma história de sucesso do talento brasileiro, que contou, em 25 anos, com R$ 25 bilhões de financiamento do BNDES para exportações de 1.275 aeronaves para inúmeros países.
Esses exemplos demonstram que um banco de desenvolvimento tem de ter visão de longo prazo, visão estratégica. E uma das dimensões importantes para um projeto estratégico de desenvolvimento são as exportações, não apenas de commodities agrícolas — em que o Brasil é um dos principais produtores e exportadores do mundo —, mas também de produtos industriais de alto valor agregado.
Noventa e oito por cento do mercado mundial está fora do Brasil. Para serem competitivas, as empresas brasileiras precisam exportar, como tem defendido também o ministro Alckmin, ganhar escala e se integrar às cadeias globais de valor. O BNDES deve apoiar o pré-embarque e o pós-embarque das exportações de bens e produtos. Na verdade, estamos desenvolvendo um projeto para a constituição de um Eximbank no BNDES, a exemplo do que já existe nas principais economias do mundo.
O BNDES também teve um papel central no desenvolvimento da indústria de papel e celulose, no complexo industrial da saúde. O BNDES contribuiu para a transição energética no Brasil, apoiando a geração de energia eólica e solar, que, somadas, hoje representam uma parcela significativa da potência de energia elétrica do Brasil, tornando o país mais verde.
O BNDES não foi apenas gigante no fazer, foi gigante também no pensar. E o pensar fez o fazer.
O BNDES foi seminal no planejamento do Brasil. Foi o BNDES que gerou o Plano de Metas de Juscelino. Foi o BNDES que gestou o plano trienal de Celso Furtado e Santiago Dantas, num período extremamente difícil e interrompido pela ditadura militar.
Pois bem, essa é uma tradição que iremos retomar.
Para tanto, é vital que o BNDES seja uma instituição plural. Uma das maiores riquezas desta instituição é a pluralidade do pensamento e o respeito democrático pelas diferentes visões de mundo. O BNDES foi construído por servidores desenvolvimentistas, como Ignácio Rangel e Celso Furtado, e por liberais, como Roberto Campos. Essa dialética entre diferentes pensamentos, feita de modo civilizado e qualificado, contribuiu muito para o sucesso do BNDES.
Vamos liderar pelo exemplo. Enquanto estivermos aqui, não haverá perseguição a pessoas, nem censura ao debate. Partimos do entendimento que a tensão criativa entre as escolas de pensamento da economia é a base para uma rigorosa avaliação e o aprimoramento constante das nossas políticas. Queremos uma equipe de pensadores em um ambiente de liberdade.
E da imprensa, tão vital para a democracia e vilipendiada por um governo autoritário, queremos a crítica, quando acharem que cometemos erros, e o reconhecimento nos avanços.
Estamos aqui não para debater o BNDES do passado, mas para construir o BNDES do futuro, que será verde, inclusivo, tecnológico, digital e industrializante.
Vamos apoiar com mais determinação o crescimento e a modernização das micros, pequenas e médias empresas, que são grandes geradoras de emprego e renda. Precisamos impulsionar a digitalização dessas empresas, por meio de ações conjuntas com parceiros tecnológicos.
Vamos apoiar as micro, pequenas e médias empresas, as cooperativas e a economia solidária, com R$ 65 bilhões por meio de crédito indireto do banco e alavancagem via garantias para o crédito privado.
O grande desafio para o sucesso da agenda modernizante das MPMEs será, em parceria com o Congresso Nacional, debatermos e ajustarmos a Taxa de Longo Prazo do BNDES, também conhecida como TLP.
Não queremos e não estamos reivindicando um retorno ao padrão de subsídio do passado, mas uma taxa de juros mais competitiva, sobretudo para MPMEs.
Atualmente, a TLP apresenta enorme volatilidade e representa um custo financeiro acima do custo da dívida pública federal, o que penaliza de forma desnecessária as micro, pequenas e médias empresas.
Desde 2015, o BNDES devolveu mais de R$ 678 bilhões ao Tesouro sob a forma de pagamento de principal, juros, liquidação antecipada da dívida e dividendos. Esse é um valor 54% maior que as transferências do Tesouro para o BNDES, de 2008 a 2014.
Essa página precisa ser virada. Se quisermos ter futuro, precisaremos de um BNDES mais presente e atuante, e de uma relação de equilíbrio com o Tesouro Nacional. Mas não pretendemos ficar disputando mercado com o sistema financeiro privado. Precisamos de parcerias e o BNDES pode contribuir para reduzir risco, abrir novos mercados, alongar prazos e elaborar bons projetos para os investimentos.
Somente na infraestrutura, nosso hiato de investimentos é, hoje, de cerca de R$ 226 bilhões. Ou seja, 2,6 % do PIB, ao ano. O investimento privado de infraestrutura, que foi de R$ 131 bilhões em 2022, precisa ser alavancado fortemente com o suporte do BNDES.
Nosso planeta não tem chance de sobreviver e de prosperar se o sistema econômico e financeiro não mudar radicalmente para enfrentar a emergência climática e social. Estamos muito perto de uma catástrofe ambiental sem retorno e a tragédia social está em toda parte. Precisamos enterrar de vez o obtuso negacionismo climático que nos tornou o grande vilão ambiental do planeta!
O BNDES precisa apoiar a transição justa para a economia de baixo carbono, bem como promover a inclusão produtiva e a reurbanização inteligente, visando construir as cidades do futuro.
Transitar para uma economia de baixo carbono, com empregos verdes e de baixa emissão é um imperativo que orientará a estratégia do banco. Mas precisamos fazer mais. Não existirá futuro sem preservar a Amazônia e outros biomas. Essa será a prioridade do BNDES do futuro.
Por isso, o presidente Lula, no primeiro ato de seu governo, garantiu a reativação do Fundo Amazônia, que, sob a coordenação interministerial e a participação ativa da sociedade civil, voltará a ser gerido pelo BNDES.
Na nossa visão, três diretrizes serão fundamentais: reconstruir as condições para enfrentar o desmatamento através das operações de comando e controle; viabilizar projetos estruturais e com escala que gerem desenvolvimento sustentável e mantenham a floresta em pé, protegendo e atendendo de forma emergencial os mais vulneráveis, especialmente os Yanomami; e desenvolver a infraestrutura, a indústria limpa e a pesquisa científica, gerando novas oportunidades de emprego e renda para 28 milhões de habitantes da região.
Outro grande desafio é a reindustrialização. Não se trata da velha indústria. Trata-se da nova indústria: digital, descarbonizada, baseada em circularidade e, assim, intensiva em conhecimento. Essa nova indústria exigirá inovação e grandes investimentos na pesquisa aplicada.
Este país precisa se reindustrializar. A participação da indústria nos desembolsos do BNDES era de 56% em 2006 e caiu para 16% em 2021. Vamos colocar a indústria no topo das ações estratégicas do BNDES.
O Brasil precisa também se digitalizar. O próprio BNDES irá fazer a sua transformação digital, como processo contínuo e permanente.
Nesse campo, nós temos uma agenda inovadora que é o uso do FUST, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, projeto que será gerido pelo BNDES, para implantar a inclusão digital nas escolas públicas do Brasil, projeto da minha autoria, enquanto senador da República, que só foi possível aprovar na pandemia, quando ficou explícito o imenso apartheid digital no Brasil.
A grande liderança internacional do presidente Lula reposicionou o Brasil no mundo e abriu uma janela de oportunidades para explorarmos a nova configuração geopolítica planetária. Saímos da nossa condição de pária, herdada do governo anterior. Voltaremos a ser uma grande liderança ambiental e mundial e o país respeitado que fomos.
O mundo civilizado aplaude. Com a eleição de Lula, o Brasil voltou! O nosso desenvolvimento passa necessariamente pela integração da América Latina e pela parceria com países do Sul Global.
O presidente Lula tem inteira razão quando diz que o BNDES tem que ser um banco parceiro do desenvolvimento e da integração regional. O Brasil é mais da metade do território, do PIB e da população da América do Sul. Estamos irrevogavelmente inseridos nesse contexto geográfico e histórico. Nosso destino está, portanto, indissoluvelmente ligado ao destino da nossa região. O Brasil é grande, mas será ainda maior quando atuar em conjunto com seus vizinhos.
Outro compromisso do BNDES do futuro é enfrentar as enormes desigualdades de gênero e de raça, chagas históricas que nos marcam profundamente. A agenda de gênero e do enfrentamento do racismo estrutural será parte da estratégia de negócios do BNDES. Seremos promotores de uma sociedade mais justa e inclusiva por meio das nossas linhas de crédito e das ações de fomento que empoderem economicamente os negros e negras deste país.
Esse nosso compromisso com a igualdade de gênero e racial não será só da porta para fora, como também da porta para dentro. Vamos buscar estabelecer ambientes de trabalho verdadeiramente sadios, seguros e dignos. Ambientes livres de assédio e de discriminação.
Vamos propor um programa de estágio para negros e negras e retomaremos concursos, que não ocorrem há mais de 10 anos, com cotas. O êxito das políticas de cotas nas nossas universidades aponta que é preciso avançar para que os negros e negras também tenham espaço na administração pública, nas empresas e no mercado financeiro.
Sob a coordenação da ministra Anielle Franco, vamos desenvolver o museu sobre a história da escravidão no Brasil. Não podemos esquecer essa chaga. O museu ficará localizado no Valongo, que foi a porta de entrada que recebeu mais escravos africanos em todo o mundo.
Teremos uma diretoria plural e com diversidade de gênero. Para isso, trouxemos duas das quatro CEOs do mercado financeiro, Luciana Costa e Natália Dias, para o BNDES. Mas o presidente Lula repôs a participação com as presidentas do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.
Teremos um profissional experiente em indústria e inovação, o ex-presidente da EMBRAPII, José Luís Gordon. Além disso, estarão na nossa equipe pessoas responsáveis por 13 anos exitosos dos nossos governos: a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello. o ex-ministro da CGU e pai da lei anticorrupção Luiz Navarro e o ex-ministro de Planejamento e da Fazenda Nelson Barbosa.
Teremos ainda o ex-presidente do Conselho de Administração do BNDES e procurador federal da AGU, Walter Baere. Ademais, temos o Alexandre Abreu, uma pessoa com mais de 30 anos de experiência no mercado financeiro e que foi presidente do Banco do Brasil.
Esse é um sinal claro de que nós vamos trabalhar junto com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os demais bancos públicos. Os bancos públicos deverão ter uma agenda de complementaridade e sinergia.
Como prova de reconhecimento da excelência do corpo técnico do banco, estamos trazendo, para a diretoria de Pessoas e Operações, a economista e servidora da casa Helena Tenório.
Quero aproveitar e comunicar ao Arthur Koblitz, presidente da Associação de Funcionários do BNDES, e demais associações, que nós teremos uma mesa de diálogo permanente e que a retrógrada política de avaliação de curva forçada por pontos dos empregados está revogada.
Vamos estabelecer de forma democrática e participativa um diálogo para a construção de uma nova política de avaliação, de saúde e de carreira para os empregados e empregadas.
O novo Conselho de Administração do BNDES será presidido pelo Rafael Luchesi, diretor-geral do SENAI e grande conhecedor da inovação e da indústria brasileira. Também estarão no Conselho Carlos Nobre e Izabela Teixeira, expoentes das questões climática e ambiental. Ainda, Adésio e Júlio, ex-vices presidentes do Banco do Brasil; Jean Uema, consultor jurídico do Senado Federal e secretário da Casa Civil; e Robison Barreirinhas, secretário da Receita Federal.
Teremos ainda no Conselho Clemente Ganz, que foi 18 anos superintendente do DIEESE, e Celso Amorim, esse grande ministro e diplomata do Brasil, que traz toda a sua larga experiência em relações internacionais. Por fim, Arthur, você não precisará mais brigar na justiça para exercer o seu legitimo direito de ocupar o seu assento no conselho. Você foi eleito por 74% dos empregados e faz parte deste projeto.
Quero anunciar também que estamos criando uma Comissão de Estudos Estratégicos, que será coordenada pelo renomado economista André Lara Resende e por um servidor aposentado da casa, José Roberto Afonso. A eles se somam o ex-presidente do Conselho Federal de Economia Antônio Correia de Lacerda, a servidora Lavínia Barros de Castro, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, o ex-reitor da Universidade Federal de Viçosa e ex-ministro interino da Educação Luiz Claudio Costa e a Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e especialista em orçamento público.
Essa comissão irá abrir o debate e convidar mais especialistas, intelectuais, pesquisadores e lideranças, resgatando o papel do BNDES sobre políticas de desenvolvimento para o Brasil.
Quero agradecer aos funcionários e funcionárias do banco pela firmeza na defesa do BNDES frente aos brutais ataques nesses anos difíceis. Vocês passaram por situações de extrema injustiça, como a abusiva condução coercitiva de vários funcionários da Casa, em 2017, quando foram para a frente do BNDES com o crachá de empregados na mão para defender a história do BNDES.
Esse tempo acabou! Brigou com os funcionários, brigou comigo. O Brasil tem que se orgulhar muito do BNDES e de seus funcionários.
Senhoras Senhores, olhando para trás, vemos que o mundo mudou, o Brasil mudou e o BNDES mudou.
Olhando para frente, porém, vemos que os desafios e os sonhos continuam sendo os de construirmos um Brasil próspero, moderno e industrializado. Um país justo e inclusivo, com bons empregos para todas e todos. Um país generoso e solidário. Um país soberano e respeitado no mundo.
Quando o nosso querido ´residente Lula subiu pela terceira vez a rampa do Planalto, a mesma rampa que seria, uma semana depois, barbaramente violentada pelos golpistas, ele não subiu sozinho. Com ele, subiu a mãe desesperada que não tem o que dar de comer a seus filhos. Com ele, subiram os 33 milhões de brasileiros que passam fome e os 10 milhões de desempregados.
Com Lula, subiram também dezenas de milhões de trabalhadores que não têm direitos e salários dignos. Com ele, subiram as negras e os negros do Brasil, as vítimas de um racismo estrutural profundo, que massacra vidas e sonhos. Com ele, subiram as mulheres do Brasil, as vítimas de feminicídio e aquelas que ganham uma fração do salário dos homens para fazer o mesmo trabalho.
Com Lula, subiram os parentes e os amigos das 700 mil vítimas da Covid, abandonados por um governo negacionista. Com Lula, subiram a rampa Raoni e todos os yanomami esquálidos e doentes, as vítimas apavorantes de um governo genocida! Com ele, subiram a rampa do poder os sonhos e os anseios de todas e de todos.
Pois são eles todos, elas todas, que estão aqui, agora. Basta enxergar quem era invisível, basta ouvir as vozes que não eram escutadas. Lula são muitos. Lula são milhões.
Nós, do BNDES, vamos trabalhar para esses milhões. Das cooperativas de catadores até uma grande empresa moderna, este banco estará aberto a todos, sem distinção.
Seguindo a missão de sempre, a mesma missão histórica de Celso Furtado, Ignácio Rangel, Roberto Campos, da querida Conceição e de todos os que me antecederam. Trabalharemos unidos por essa eterna grande causa chamada Brasil. •