Nos governos do PT, foi estruturado um amplo conjunto de instrumentos para a agricultura familiar, visando fomentar a produção sustentável, ampliar mercados e diminuir o risco produtivo e proteger a renda dos pequenos produtores.

Praticamente todas essas políticas e programas foram brutalmente reduzidos, quando não foram totalmente extintos, como foi o caso da ATER para a agricultura familiar e do programa da apoio à organização econômica e promoção da cidadania de mulheres rurais.

Instrumento que já teve papel importante no abastecimento, no atendimento a populações em situação de vulnerabilidade, e no apoio à agricultura familiar, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) está sendo conduzido de forma célere para a extinção.

Os recursos para o PAA cresceram de forma praticamente contínua até 2012. No biênio 2013-14, com a interdição de sua execução em alguns estados devido a ações da Lava Jato, houve redução do volume aplicado.

A retomada da execução acelerada do programa foi abortada pelo golpe e, a partir de 2016, o PAA foi sendo progressivamente reduzido. Em 2021, o orçamento previsto é 59% menor, em termos reais, que o executado em 2015. Ressalte-se que, em 2020, o valor orçamentário mais expressivo deve-se a um incremento de R$ 500 milhões associado ao orçamento da Covid. Também diminuiu continuamente o número de agricultores familiares atendidos pelo programa, que chegou a 184 mil, em 2012, caindo para 80 mil em 2016 e para 40 mil em 2020.

Houve também uma mudança no foco do PAA, que tem sido cada vez mais a promoção das compras institucionais, para compensar a diminuição dos orçamentos federais do programa. Em 2020, cerca de 58% do valor total do PAA foi de compras institucionais. Contudo, o mercado de compras institucionais favorece agricultores mais organizados, que já contam com associações e/ou cooperativas mais estruturadas.

Os agricultores mais pobres e vulneráveis, que ainda não conseguem atender a esse mercado, pois não passaram pela curva de aprendizado que o PAA proporciona, ficam cada vez mais excluídos, assim como são prejudicadas as entidades que recebiam alimentos do programa.

 

O abandono da produção sustentável

Enquanto nos governos do PT buscou-se estimular a produção agrícola sustentável, por meio de linhas de crédito especiais como o Pronaf Agroecologia e o Programa ABC, os governos pós-golpe abraçaram a causa dos agrotóxicos.

Após o golpe, vem crescendo velozmente a liberação de novos registros de agrotóxicos no Brasil. Em 16 anos, de 2000 a 2015, foram liberados 1.954 novos registros de agrotóxicos. Depois do golpe, de 2016 até 23 de abril de 2021, foram liberados 2.170 novos registros de produtos agrotóxicos, dos quais cerca de 60% em apenas 2 anos e 4 meses da gestão Bolsonaro.

Para este resultado, foi preciso mudar o marco regulatório para agrotóxicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2019. Ao adotar o risco de morte como único critério para classificar a toxicidade, a Anvisa alterou significativamente a avaliação dos produtos, que passaram a ter novas exigências de informações contidas nos rótulos. O governo permitiu a dispensa de estudos de toxicidade se isso for “justificado tecnicamente” pela empresa.

O Brasil tornou-se o maior importador mundial de agrotóxicos – US$ 3 bilhões – e o segundo maior consumidor mundial desses produtos – 502 mil toneladas. O elevado grau de contaminação ambiental está se transformando em grave caso de saúde pública no país.

 

Desmanche do programa de cisternas

A implantação de 1,3 milhão de cisternas para consumo e de 170 mil cisternas para produção agrícola foi resultado de uma política prioritária dos governos do PT, para assegurar acesso à água em domicílios de baixa renda na zona rural. Esta premiada tecnologia social foi praticamente abandonada após o golpe.

Embora ainda haja uma demanda estimada de 1,3 milhão de famílias sem acesso regular à água, o número de cisternas vem decrescendo continuamente, chegando a valores irrisórios em 2020. E, em 2021, como o orçamento corresponde a 48% do executado em 2020, as perspectivas são ainda piores.

Bolsonaro não tem qualquer compromisso com a soberania e segurança alimentar da população. Abandonou a política de estoques de produtos estratégicos como arroz, feijão e milho, entre outros, permitindo que os estoques públicos quase zerassem.

O AGF, instrumento histórico utilizado para a aquisição de alimentos para fins de estoques e outras finalidades, enfrenta processo de definhamento acentuado. Os recursos efetivamente despendidos pelo Tesouro para essas operações diminuíram 78% entre 2018 e 2020.

Em sua política irresponsável de expandir as exportações do agronegócio sem qualquer limite, Bolsonaro deixou o país à mercê dos grandes grupos interessados em exportar e lucrar. Nenhum governo neoliberal anterior a Bolsonaro adotou essa estratégia estúpida de transferir para o mercado a responsabilidade pela regulação do abastecimento de alimentos.

Em decorrência, a pandemia nos pegou sem estoques públicos e incapazes de regular o preço de produtos essenciais para o abastecimento da população brasileira. O resultado foi o aumento do preço do arroz, do óleo de soja, da carne, entre outros, com forte impacto sobre a segurança alimentar dos brasileiros, em especial os mais pobres.

Como também está em curso o processo de privatização dos armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o abastecimento da população está atualmente, por causa desta política irresponsável, sob forte risco.

 

A interdição da reforma agrária

A ascensão das forças políticas que patrocinaram o golpe resultou na interdição imediata e plena do programa de reforma agrária. Ao mesmo tempo, tornaram prioridade absoluta a privatização de terras públicas mediante a titulação dos assentamentos e a regularização fundiária das ocupações ilegais de terras da União.

O alvo subjacente a esta estratégia foi criar as condições formais para a transferência dessas terras para o mercado e assim atender à obsessão dos agentes do agronegócio que, da mesma forma, operam intensamente pela apropriação das terras indígenas e das unidades de conservação.

As alterações normativas promovidas após o Golpe de 2016 facilitaram a pilhagem do patrimônio fundiário da União por grileiros. A Lei 13.465/2017 foi decisiva nesta direção. Duas mudanças que ela promoveu na regularização fundiária merecem destaque: aumento da área máxima possível de titulação de 1.500 hectares para 2.500 hectares e alteração do marco temporal da ocupação regularizável, avançando-o de julho de 2004 para julho de 2008 (e 2011), e passando a regularizar posses mais recentes, em clara sinalização de tolerância à grilagem.

A nova norma alterou ainda a Lei 8.629/1993 para excluir a possibilidade da titulação coletiva das famílias já assentadas, por meio da concessão do direito real de uso, e tornou obrigatório aos beneficiários da reforma agrária o recebimento do título individual de domínio, mais uma medida a estimular e a facilitar o retorno de terras públicas ao mercado.

A evolução dos recursos orçamentários nos governos Temer e Bolsonaro mostra que tais medidas de regularização fundiária que reforçam o princípio mercantil atribuído à posse da terra têm se consolidado. Em 2021, ano em que os cortes orçamentários foram intensos, a dotação para ações de consolidação de assentamentos rurais e o Programa Terra Legal cresceram não apenas em relação ao anterior mas também em relação ao previsto no projeto orçamentário. Nos dois casos, expressando a celeridade que se pretende imprimir ao processo de titulação dos assentados.

As mudanças na legislação promovidas por Temer deram as bases para Bolsonaro institucionalizar a paralisação da reforma agrária. Nos primeiros dias da gestão Bolsonaro, foi determinada a suspensão de vistorias de imóveis e do andamento dos processos administrativos de desapropriação. Essa medida foi aprofundada com a desistência de ações de desapropriação que já tramitavam no Judiciário e do arquivamento de processos de compra de áreas para o assentamento de famílias sem terra. Em dezembro de 2020, foi criado o Programa Titula Brasil, que busca acelerar a titulação de terras ocupadas da União transferindo aos municípios a responsabilidade pela execução de parte do processo, sobretudo a realização das vistorias de campo.

 

Demarcação zero

Bolsonaro vem cumprindo sua promessa de não demarcar um centímetro de terra indígena. E, à semelhança do que fez com os processos de obtenção de terras para a reforma agrária, devolveu, para revisão, vários processos à Funai. Vale lembrar que, em 2020, 60% das terras indígenas foram devastadas por focos de incêndios, um aumento de 38% em comparação com 2019.

Em relação a terras quilombolas, foram abertos 16 processos de titulação em 2019. Entre janeiro e maio de 2020, apenas um. Os números são inferiores à média de 77 novas análises territoriais entre 2016 e 2018, durante o governo Temer, e apenas uma fração dos 148 processos abertos pelo Incra entre 2004 e 2009, com Lula.

Segundo levantamento da Terra de Direitos, no atual ritmo, o país levaria 1.170 anos até que todos os processos abertos no Incra fossem concluídos.

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