A saída do governo Dilma foi fatal ao processo de fortalecimento dos trabalhadores rurais e da democracia no campo. Elites rurais retomaram o controle e restabeleceram a velha ordem marcada pelo rebaixamento da presença da agricultura camponesa

 

A agricultura familiar foi reconhecida, nos governos do PT, como eixo estratégico para o desenvolvimento do Brasil. Foi instituída a Política Nacional de Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais e adotadas variados programas de fomento e proteção à produção, de acesso a mercados, e para assegurar o avanço da reforma agrária. Os resultados foram extraordinários: mais inclusão e mais trabalho no campo, mais alimentos de qualidade para os brasileiros, menos violência rural e mais justiça no acesso à terra.

O Golpe de 2016 foi fatal a este processo de fortalecimento da agricultura familiar e da democracia no campo. Com as elites rurais retomando o controle das políticas setoriais, cuidou-se de restabelecer a velha ordem político-institucional marcada pelo rebaixamento da presença da agricultura familiar e camponesa. De imediato foi extinto o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Na sequência, teve início a escalada de retrocessos nas políticas conquistadas pelos trabalhadores rurais, visando restringir ou até mesmo excluí-los das disputas pelos recursos orçamentários da União.

Com Michel Temer, a realidade agrária brasileira retrocedeu ao período anterior ao primeiro governo Lula. Mas com a ascensão do líder da extrema direita nas eleições presidenciais de 2018, a situação se agravou ainda mais. Com Jair Bolsonaro, o Brasil rural retrocedeu para antes da Constituição de 1988.

A primeira medida provisória assinada por Temer após o golpe continha a extinção do MDA. Fundido ao Ministério do Desenvolvimento Social, sob pressão, e devido aos vínculos produtivos entre agronegócio e ‘setores integrados’ da agricultura familiar, transformou-se em uma secretaria especial da Casa Civil da Presidência da República.

O rebaixamento institucional foi radicalizado no governo Bolsonaro. A secretaria que conduzia as políticas para a agricultura familiar saiu da Presidência e foi deslocada para o Ministério da Agricultura. E, para conduzir as políticas agrária e para agricultura familiar, foi colocado à frente do órgão Nabhan Garcia, ex-presidente da UDR e figura icônica dos setores mais atrasados das oligarquias rurais.

Adicionalmente, foram extintos os espaços de diálogo com a sociedade civil, a exemplo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). A Ouvidoria Agrária Nacional do Incra foi transformada em mera ouvidoria dos serviços do instituto, com a extinção de sua função de consolidar informações sobre tensões e conflitos no campo.

Neste novo arranjo institucional em que as políticas para a agricultura familiar foram secundarizadas, o foco da atuação do Ministério da Agricultura foi colocado na agenda econômica do agronegócio, em especial, do exportador, tendo como pontos centrais a abertura de novos mercados externos, independente dos impactos da estratégia exportadora sobre o abastecimento e nos preços internos, e a pressão sem trégua sobre a área econômica do governo por desonerações crescentes para as cadeias do agronegócio e pela ampliação das subvenções ao setor, notadamente no seguro rural. Por fim, houve ainda a liberação massiva de agrotóxicos e a desregulação do crédito aos grandes produtores, com a aprovação da Lei 13.986, de 2020, que modifica e cria títulos para prover o crédito aos grandes produtores inclusive com recursos externos, mas com subvenções pelo Tesouro.

O desprezo de Bolsonaro pela agricultura familiar se expressou também no veto de praticamente toda a Lei 14.048, chamada Lei Assis Carvalho. Em plena pandemia, o governo deixou a agricultura familiar sem qualquer medida de proteção e estímulo econômico mesmo com a crise no abastecimento alimentar, tratada com absoluta indiferença pelo governo Bolsonaro.

 

Redução do crédito para a agricultura familiar

A partir do golpe, a estrutura diferenciada de crédito para a agricultura familiar começou a minguar. O volume de recursos alocados para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) permaneceu praticamente estável a partir da safra 2016/2017. Mesmo o aparente aumento da dotação para a safra 2020/2021 deve ser relativizado, pois o valor alocado é, em termos reais, 7% menor que o disponibilizado na última safra do governo Dilma Rousseff.

A partir de 2019, o governo Bolsonaro acabou com o “plano safra” da agricultura familiar, que passou a ser parte do financiamento geral da agricultura. Ademais, a definição de valor elevado do corte da renda para caracterizar o pequeno produtor – no valor de até R$ 415 mil – permitirá o acesso de médios produtores ao Pronaf de médios produtores, retornando ao histórico processo de exclusão de agricultores familiares ao acesso ao crédito bancário.

Este processo de exclusão já estava em curso. Nos cinco últimos anos, houve significativa redução no número de contratos de crédito firmados com recursos do Pronaf. Em 2015 foram celebrados 1.697.300 contratos com recursos do programa. Em 2020, esse número caiu para 1.438.193. Uma redução de 15,3%.

Em dezembro de 2020, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltou a suspender os financiamentos ligados às linhas do Pronaf, em razão do comprometimento de recursos alocados para o ano-safra 2020/21. •

 

 

 

`