A estatal está sendo convertida em uma empresa menor, que pretende atuar apenas nas áreas de exploração do pré-sal. O petróleo voltou a ser tratado como mera commodity, a estrutura industrial-produtiva já frágil está combalida. A estatal vem sendo desmontada, desestatizada e desnacionalizada

 

Nos governos Lula e Dilma, a Petrobras esteve no centro do projeto de desenvolvimento do país. A petrolífera estatal brasileira teve papel decisivo no crescimento econômico do país e na recuperação da crise iniciada em 2008. Seu plano de investimentos foi decisivo para os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sua política de conteúdo nacional foi fundamental para a reativação da indústria naval. E a política de compras públicas foi essencial para a expansão da engenharia pesada. Sua política de pesquisa e desenvolvimento foi importante para a descoberta do pré-sal, que permitiu a criação de um fundo social para a educação, a ciência e a saúde.

A força de trabalho da empresa crescia, motivada pelo papel de âncora de desenvolvimento do país e de crescimento nacional e internacional da Petrobrás, que se tornava uma das mais importantes do mundo. A descoberta do pré-sal garantiu soberania e segurança energética ao país. E foi resultado de três pontos: 1) uma visão geopolítica que tratou os recursos naturais como bens estratégicos; 2) uma visão macroeconômica que colocou a cadeia produtiva de óleo e gás no centro de um projeto de desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico; e 3) de uma visão microeconômica que tratou a Petrobrás como empresa integrada, investidora e indutora.

Os governos Temer e Bolsonaro desfizeram o arranjo econômico-institucional exitoso que possibilitou a descoberta do pré-sal. O petróleo voltou a ser tratado como mera commodity, a estrutura industrial-produtiva já frágil se mostrou ainda mais combalida, a Petrobrás vem sendo desmontada, desestatizada e desnacionalizada. Isso afronta os interesses do país e compromete o desenvolvimento da Nação. A atual política energética e petrolífera brasileira minimiza os ganhos do país e da Petrobrás e maximiza os ganhos de petrolíferas estrangeiras.

A Petrobras já foi uma grande empresa integrada de energia atuando internacionalmente. Hoje, caminha para ser uma empresa de porte médio – enxuta – de exploração e produção do pré-sal apenas na costa do eixo Rio-São Paulo. A petrolífera brasileira vive dos ganhos das descobertas feitas no pré-sal, e não realizou mais nenhuma grande descoberta significativa de óleo. Se não fossem os contratos da cessão onerosa de 2010, que resultaram nos campos de Búzios, Atapu e Sépia, a produção da empresa estaria em profundo declínio. As reservas provadas, que já estiveram em 12.883 MMboe (milhões de barris de óleo equivalentes por dia) em 2010, caíram para 8.815 MMboe em 2020.

Desde o Golpe de 2016, quando Dilma Rousseff foi arrancada da Presidência pelo impeachment sem crime de responsabilidade, a Petrobrás está sendo desmontada como empresa integrada de energia. A estatal está sendo convertida em uma empresa que pretende atuar apenas nas áreas de exploração e produção em águas ultraprofundas do pré-sal. Com isso, a renda petroleira do Brasil vai sendo transferida:

  • do Estado para o mercado, por meio das desestatizações do Sistema Petrobras e o fim da obrigatoriedade de atuar como operadora única do pré-sal;
  • do nacional para o internacional, com as desonerações fiscais para grandes petrolíferas e o fim da cessão onerosa;
  • do público para o privado, com a abertura para múltiplos operadores e repasses de reajustes de preços instáveis e abusivos dos combustíveis;
  • da produção para o rentismo, com a queda de investimentos, do conteúdo local e a antecipação de pagamento para litígios de acionistas de fora; e
  • do longo-prazo para o curto-prazo, com leilões de óleo e gás em ritmo acelerado e os óbices ao fundo social do petróleo.

Este processo está ancorado no plano de desinvestimentos da petrolífera brasileira. Até 2020, foram vendidos ativos nos seguintes segmentos: gás e logística (Gaspetro, NTS e TAG), distribuição (BR e Liquigás), renováveis (PBio, BSBios, Guarani, Eólicas de Mangue Seco 1, 2, 3 e 4), termelétricas (térmicas Rômulo Almeida e Celso Furtado, Bahia 1, Arembepe e Muricy), petroquímica (Suape e Braskem), fertilizantes (Fafen-BA, Fafen-SE, Araucária Nitrogenados e UFN-III), além de campos de terra e águas rasas na área de exploração e produção. Campos maduros na Bacia de Campos estão também sendo privatizados.

Entre 2016 e 2020, a Petrobras já privatizou o equivalente a US$ 3,7 bilhões. Em 2021, há previsão de que outros US$ 2,7 bilhões em desinvestimentos devam ser realizados, além da venda de oito das 13 refinarias da companhia. A Petrobras ainda pretende vender a Refinaria Abreu e Lima (RNEST), Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR), Refinaria Alberto Pasqualini (REFAP), Refinaria Gabriel Passos (REGAP), Refinaria Isaac Sabbá (REMAN), Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (LUBNOR) e Unidade de Industrialização do Xisto (SIX).

 

Venda da RLAM é perda histórica

A Petrobrás finalizou a venda da Refinaria Landulpho Alves e de seus ativos logísticos associados. A privatização da RLAM, na Bahia, marca uma perda histórica e patrimonial. Histórica, pois essa foi a primeira refinaria nacional de petróleo, criada ainda na década de 1950 impulsionada pelo sonho da soberania energética. Patrimonial, pois estima-se que a operação de US$ 1,65 bilhão subvalorizou a refinaria em pelo menos -35% de seu valor efetivo. Atualmente, a RLAM responde por 14% da capacidade total de refino de petróleo do Brasil, inclui quatro terminais de armazenamento e 669 km de malha dutoviária.

Contraditoriamente, sob o argumento de que as empresas estatais são ineficientes a RLAM foi vendida para um fundo soberano estatal dos Emirados Árabes, o Mubadala Capital. Equivocadamente, sob o argumento de defesa da concorrência, a venda da RLAM pode abrir espaço para a criação de monopólios internacionais na região. Esta é apenas a primeira das oito refinarias que a Petrobrás pretende vender nos próximos anos, reduzindo pela metade a capacidade de refino da petrolífera brasileira e do país.

Privatização do refino

Para levar a cabo essa política de desmonte, a Petrobrás tem deixado suas refinarias deliberadamente operando com capacidade ociosa e com carga de processamento, em média, de 77%. Além disso, o mercado brasileiro tem sido aberto para importadores, cuja participação no mercado cresceu cerca de 35% nos últimos anos. Com essa política, o Brasil exporta óleo cru e importa derivados, de maior valor adicionado.

Esta estratégia está associada à política de Preço de Paridade Internacional (PPI), que reajusta diesel, gasolina e gás com base no preço internacional do petróleo e na cotação do dólar. Na prática, quando o preço do petróleo aumenta, as elevações são repassadas até chegarem ao consumidor. Mas quando o preço do petróleo diminui, as reduções são represadas pelos ganhos dos importadores e pelas margens de lucro de um mercado de distribuição oligopolizado nacionalmente e de de revenda cartelizado regional e localmente.

O resultado desta política de preços são combustíveis e fretes mais caros, com piora na qualidade de vida das famílias e dos trabalhadores. As greves e ameaças de greves de caminhoneiros e petroleiros, as paralisações e reivindicações de trabalhadores de aplicativos, bem como a carestia do botijão de gás e dos alimentos, guardam relação com essa desastrosa política de preços.

Quem paga a conta são os consumidores. Só em 2021, a gasolina acumula aumento de mais de 34% e o diesel, de mais de 27%. O preço médio do gás ultrapassou a casa dos R$ 70. Quem paga a conta são os trabalhadores. Entre 2015 e 2019, o efetivo da companhia caiu de 56.847 trabalhadores para 46.416 trabalhadores.

Quem também paga a conta é o meio-ambiente, devido ao aumento de vazamentos de óleos e derivados. Em 2018, vazaram 18,47m3 de óleos e derivados, em 2019 essa quantidade subiu para 415,34 m3, em 17 ocorrências, sobretudo em áreas offshore.

Quem paga a conta é a ciência, com a redução dos investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Segundo a Energy Evaluate, a petrolífera brasileira já foi a empresa do setor que mais investiu em PD&I. Entre 2014 e 2018, a Petrobras aplicou US$ 9,5 bilhões em pesquisa. Em 2019, o investimento foi de US$ 100 milhões em projetos de descarbonização e US$ 70 milhões para projetos em energias renováveis. A empresa que já investiu em grandes clusters de articulação empresa-centros de pesquisa-governo hoje aposta em inovações a partir de start-ups.

A Petrobrás havia articulado redes com centenas de pesquisadores em mais de 70 universidades e centro de estudos no Brasil, ampliando as condições de pesquisa básica no país, o que poderia contribuir para o desenvolvimento mais amplo, além de resolver as questões tecnológicas específicas do setor de petróleo e gás. Tudo isso está sendo desmontado depois de 2016. Em 2019, não houve projetos aprovados no Programa P&D do setor energia elétrica.

 

Lava Jato e o desmonte

Sob o pretexto de combater a corrupção, a Operação Lava Jato custou 4,4 milhões de empregos ao país, subtraiu o equivalente a 3,6% do PIB, fez com que o Estado deixasse de arrecadar R$ 47,4 bilhões em impostos, além de perder R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre a folha de pagamentos e reduzir a massa salarial do país em R$ 85,8 bilhões.

A Lava Jato destruiu o capital produtivo nacional nas áreas de óleo e gás, engenharia naval, engenharia pesada e construção civil. Foi também fundamental na construção e difusão do discurso de que a Petrobras era uma empresa corrupta porque era estatal e integrada. Nesse sentido, a Lava Jato ajudou a viabilizar as gestões neoliberais e as privatizações que vendem ativos da Petrobrás para petrolíferas estatais, empresas estrangeiras e fundos financeiros.

Esse método de enfrentamento à corrupção expôs indevidamente a Petrobrás às autoridades monetárias e judiciais dos EUA. A petroleira estatal teve que desembolsar cerca de R$ 14,5 bilhões para acionistas estrangeiros em contenciosos. A Lava Jato criminalizou o plano de investimentos da Petrobrás. A empresa, que chegou a investir cerca de US$ 43 bilhões em 2010, não injetou mais do que US$ 8 bilhões em 2020. A República de Curitiba estimou que a Petrobrás perdeu R$ 6,2 bilhões com ilícitos, mas as gestões neoliberais promoveram perda de mais de US$ 110,18 bilhões com impairments (operações contábeis de reavaliação de ativos).

 

Nova Lei do Gás entrega às empresas privadas

A nova regulação para o segmento de gás natural, aprovada em 2020 (Lei 14.134), tira a Petrobrás deste mercado, continuando o processo de desmonte do setor, que tinha sua infraestrutura de transporte e logística, além da produção e distribuição, muito dependentes da empresa.

Haverá privatização e saída da Petrobrás, que está vendendo toda sua participação nos gasodutos, abrindo suas unidades de processamento de gás, além da proibição às outras produtoras de gás de vender seu produto para a empresa, que também deixará de participar nas distribuidoras de gás natural.

Sem a âncora da Petrobrás, os grandes consumidores esperam obter melhores resultados, aproveitando-se dos investimentos já realizados. Não há, contudo, nenhuma garantia de que serão realizados novos investimentos necessários à densificação da malha de gasodutos e ampliação das fontes de suprimento do gás natural.

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