Em “Minha casa é o chão onde meus pés pisam”, Diego Cavaleiro Andante transforma uma travessia de dez anos em narrativa poética sobre pertencimento, cura e resistência

Diário poético narra caminhada de 4 mil quilômetros até o Delta do Parnaíba
Foto: Arquivo pessoal

Há quem encontre o caminho dentro de casa e quem precise calçá-lo com os próprios passos. Em Minha casa é o chão onde meus pés pisam, Diego Cavaleiro Andante fez da estrada o seu endereço e da palavra o abrigo possível. 

O livro, publicado em julho de 2025, nasceu da jornada iniciada em 2015, quando o autor partiu de São José dos Campos (SP) com uma mochila — roupas, cadernos e uma câmera — para refazer o percurso de sua mãe e do padrasto, que migraram do Piauí para São Paulo em busca de uma vida melhor.

Durante a travessia, Diego escreveu como quem planta pegadas: crônicas, poemas e contos que registram o que o vento, o chão e as pessoas lhe contaram. A caminhada, de mais de 4 mil quilômetros rumo ao Delta do Parnaíba, entre o Maranhão e o Piauí, foi também um rito de passagem.

O autor conta que a ideia surgiu durante uma das aulas que ministrava para adolescentes na Fundação Casa. “Depois de ler meus poemas, um menino perguntou quando eu publicaria um livro. Eu respondi que não sabia, que talvez eu não fosse bom o suficiente. Foi quando questionou: ‘O senhor vem aqui e fala para a gente mudar de vida, largar o crime, acreditar na gente. O que está esperando para ir atrás de publicar o seu livro?’”

O chacoalhão que recebeu do garoto o fez refletir sobre sonhos que havia deixado para trás. A viagem ao Delta do Parnaíba foi a maneira que encontrou de vivenciar histórias que lhe possibilitariam tornar-se escritor. 

Publicado dez anos depois, o livro reúne escritos elaborados a partir de encontros com pessoas privadas de liberdade, andarilhos, professores, educadores, artistas e amigos. “Essa caminhada nasceu como forma de enfrentar um quadro depressivo que eu estava atravessando”, diz.

Caminhada que virou escola

Diego partiu com o propósito de parar nas cidades pelas quais passasse para realizar atividades ligadas à arte da palavra, como poesia, literatura e rap. Passou por Paraibuna, Caraguatatuba, Ubatuba, Paraty e Angra dos Reis. 

“Na época eu tinha uma página no Facebook que alguns amigos acompanhavam. Alguns faziam contribuições simbólicas. Eu me alimentava nas escolas onde realizava as ações. Antes de ir para a estrada, peguei a rescisão de um trabalho e investi na produção de cartões postais com fotos e poesias. Usei o material para gerar renda. Eu trocava o postal poético por sorrisos, abraços e também comida, moradia e dinheiro”, relata.

Ao longo do percurso, Diego transformou sua caminhada em uma escola ambulante. Chegou ao Rio em agosto de 2015, oito meses após ter partido, e teve dificuldade de adaptar-se à cidade. Depois de alguns meses, as coisas começaram a acontecer. 

“Fiz trabalhos incríveis na comunidade de Rio das Pedras, Cidade de Deus, em um abrigo para crianças e adolescentes em Vila Isabel e no Degase, na Ilha do Governador. Depois de ser provocado por Dona Zu, uma senhora de 88 anos com quem costumava tomar café da tarde, decidi que era o momento de seguir com a minha jornada”, relembra.

Um ciclo que se fecha, outro que começa

Seguiu então em direção ao Espírito Santo. Em terras capixabas, passou por Presidente Kennedy, Itaipava, Marataízes, Piúma, Guarapari e Vila Velha, até se instalar na capital, Vitória, onde recebeu um convite para atuar como poeta voluntário no projeto Caravana da Educação. Mais de 20 mil pessoas entraram em contato com o seu trabalho em rodas de conversa, oficinas de escrita criativa, palestras e formações.

Em 2024, após a morte de sua mãe, o autor decidiu retornar. “O projeto de lançamento do livro, a passagem de minha mãe, o luto, a vontade de estar perto da minha família, o desejo de compartilhar como foi a minha jornada com os amigos e amigas da minha cidade natal, marcaram o final de um ciclo e o começo de um novo. Ainda pretendo chegar ao Delta do Parnaíba — só não sei se caminhando. Talvez agora a estrada seja feita de palavras”, afirma.

Sobre o autor – Diego Miranda, também conhecido como Diego Cavaleiro Andante, é escritor, rapper e produtor cultural. Em 2016, criou o projeto Diversos somos todos, que desenvolve ações educativas por meio de performances poéticas, oficinas de letra e rima, escrita criativa e artes visuais. Publicou os livros Ensaio poético sobre a teoria das coisas (2018), Palivrar (e-book, 2020), O homem que quase fez (2021), Versos imprecisos para infantilizar adultos (2023) e está finalizando seu segundo álbum musical, Palavras mal ditas.