“Cortar benefícios tributários é combater privilégios e proteger o interesse público”, diz Fernando Haddad
Após a queda da MP que taxava bancos, bilionários e apostas, Haddad defende a justiça tributária como eixo da política econômica e reafirma que eliminar benefícios fiscais é enfrentar privilégios

A tentativa do governo federal de taxar rendimentos de bancos, bilionários e empresas de apostas eletrônicas foi barrada pelo Congresso no início do mês. Com isso, a Medida Provisória 1.303/2025, que previa a tributação de aplicações financeiras e casas de apostas para compensar a revogação do aumento do IOF, caducou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reagiu afirmando que “cortar benefícios tributários é combater privilégios”. Durante audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (14/10), Haddad classificou como distorcida a forma como parte da sociedade interpreta o debate tributário.
“É curioso que setores muito conservadores tratem o corte de gastos tributários como aumento de imposto e não como o fim de um privilégio. Cortar um gasto tributário é encarado como aumento de tributo, quando na verdade é uma correção de rota”, afirmou.
A proposta do governo previa que toda atividade econômica fosse tributada de maneira equilibrada, incluindo fintechs e plataformas de apostas. “Vez ou outra vejo notícias do tipo ‘Vão tributar as bets’. Toda atividade econômica é tributada. Todos nós contribuímos com nossa justa parte para o orçamento público. Quando alguém escapa, o ônus recai sobre toda a sociedade”, disse o ministro.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou o discurso do ministro e criticou a decisão do Congresso de barrar a taxação de altos rendimentos. “A gente manda um projeto para que as pessoas que ganham acima de R$ 600 mil e R$ 1 milhão paguem um pouco mais, e eles votam contra”, afirmou, em cerimônia em São Paulo (10/10).
Lula defendeu que as medidas do Ministério da Fazenda são parte de um projeto nacional de justiça tributária, que busca equilibrar o orçamento sem penalizar os mais pobres. “O povo brasileiro está cada vez mais atento. Sabe quem defende o país e quem protege privilégios. O resultado das urnas precisa ser respeitado”, disse.
Reação do governo e sentido das reformas
Mesmo com a derrota momentânea no Congresso, Haddad afirmou que o governo manterá a estratégia de recompor receitas com justiça fiscal. O ministro confirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estuda alternativas para equilibrar o orçamento e compensar a perda de arrecadação. O plano envolve medidas estruturais que podem alcançar R$ 35 bilhões até 2027, incluindo revisão de benefícios e corte de despesas ineficientes.
“Não se trata de elevar tributos, mas de proteger a sociedade de grupos privilegiados. O papel do Estado é garantir que interesses privados não se sobreponham ao interesse público”, reiterou Haddad.
Durante a audiência, o ministro defendeu que a tributação sobre setores de alto rendimento é prática comum em economias desenvolvidas.
Citou exemplos da Escandinávia e da Europa Ocidental, onde produtos e atividades com externalidades negativas são fortemente taxados. “O Brasil é até tímido na sobretaxação. Setores que produzem dependência, como o das bets, precisam dar uma contrapartida à sociedade”, disse.
Renúncias fiscais eternas
Conhecida informalmente como tributação BBB, a MP 1.303 tinha como objetivo estabelecer equidade entre setores. A medida incluía taxar receitas brutas das bets com alíquota entre 12% e 18%, ampliar a cobrança sobre rendimentos de letras de crédito e aplicar regras mais rígidas sobre juros sobre capital próprio.
O texto foi construído em acordo técnico com o Congresso, mas enfrentou resistência de setores empresariais e parlamentares da oposição.
“Programas de renúncia fiscal não podem ser eternos, a não ser em casos muito específicos”, observou Haddad. “Estamos protegendo a sociedade de grupos de interesse que querem perenizar benefícios criados de forma conjuntural. Esse projeto tem mérito porque ataca a desigualdade e corrige distorções produzidas pelo próprio Estado.”
A retirada da MP da pauta foi considerada pelo ministro uma decisão política e deliberada. “Apesar de muita negociação, o lobby dos privilegiados prevaleceu no Congresso. Não foi descuido, foi escolha — a escolha consciente de tirar direitos dos mais pobres para proteger os privilegiados”, escreveu nas redes sociais (9/10).
O ministro também destacou o impacto das renúncias fiscais sobre as contas públicas. Segundo o Tesouro Nacional, elas representam cerca de 6% do PIB, valor superior à soma dos orçamentos de educação e saúde. “Tributar é parte natural da atividade econômica. Todos devem contribuir de forma justa. Manter desonerações sem propósito é perpetuar desigualdades e comprometer a sustentabilidade fiscal”, completou.
Isenção do IR e reequilíbrio do sistema
Dias antes da MP perder validade, o Congresso aprovou, com 493 votos favoráveis e nenhum contrário, a reforma do Imposto de Renda que amplia a isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais. A medida foi sancionada por Lula (7/10) e representa uma das maiores vitórias fiscais do atual governo.
A nova faixa de isenção beneficia milhões de trabalhadores e simboliza um avanço no princípio da progressividade tributária — cobrar mais de quem tem mais. O custo fiscal estimado é de R$ 20 bilhões por ano, e a equipe econômica busca compensar a renúncia com medidas de taxação e revisão de subsídios.
“O Estado brasileiro historicamente tributa mal e redistribui pouco. A reforma do IR corrige parte dessa distorção. Ao incluir o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda, reafirmamos o compromisso com um sistema mais justo e sustentável”, explicou Haddad.
Haddad destacou que, mesmo diante de resistências políticas, as reformas fiscais e monetárias já apresentam resultados. O Brasil deve encerrar o ciclo 2023–2026 com inflação controlada, crescimento acima da média histórica, desemprego no menor nível desde 2015 e melhora no resultado fiscal.
“Quando há inflação baixa, crescimento sólido e contas públicas em ordem, podemos afirmar que o país está em trajetória sustentável — ainda que exija vigilância e responsabilidade”, afirmou o ministro.
Com a agenda de reformas em andamento e a discussão sobre novos marcos fiscais e tributários, o governo reafirma sua prioridade: corrigir distorções históricas, reduzir desigualdades e combater privilégios que comprometem o desenvolvimento nacional.