Justiça tributária: Congresso decide se ricos continuarão isentos; MP caduca nesta quarta
MP da Taxação BBB, prioridade do governo Lula, enfrenta resistência de setores privilegiados e pode caducar nesta quarta (8)

“Estamos fazendo um ajuste tributário para que os mais ricos paguem um pouco, para que a gente não precise cortar dinheiro da educação ou da saúde”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao defender a aprovação da Medida Provisória 1303, conhecida como Taxação BBB, por atingir bets, bancos e bilionários.
A Medida, apresentada pelo Governo em junho deste ano – e que perde validade nesta quarta-feira (8) – foi aprovada no início da noite desta terça (7) na comissão mista do Congresso, por 13 votos a 12, e segue agora para votação em plenário. A proposta é uma das principais apostas do governo na agenda de justiça tributária e equilíbrio fiscal, mas pode caducar na quarta-feira (8) se não for votada a tempo.
O texto aprovado passou por ajustes e concessões para assegurar maioria mínima. A principal mudança foi o aumento da alíquota sobre aplicações financeiras e investimentos, fixada em 18%, após acordo com o MDB e partidos de centro.
O governo pretendia unificar a tributação em 17,5%, mas aceitou elevar a taxa em troca de preservar o núcleo arrecadatório da proposta e destravar as negociações.
Zarattini também alterou o dispositivo sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP) — mecanismo utilizado por grandes empresas —, fixando a alíquota em 18%, abaixo dos 20% sugeridos originalmente pelo governo, mas acima dos 15% atuais. Segundo cálculos oficiais, a arrecadação estimada é de R$ 15,8 bilhões entre 2026 e 2028.
A costura de Haddad e a resistência no Congresso
A vitória apertada na comissão mista foi resultado de negociações intensas entre o governo e as bancadas da Câmara e do Senado. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu pessoalmente com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para garantir a votação do relatório apresentado por Carlos Zarattini (PT-SP).
O deputado, relator da Medida Provisória 1.303, alternativa ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), afirmou nesta terça-feira (7) que as mudanças incluídas em seu parecer reduziram de R$ 20 bilhões para cerca de R$ 17 bilhões a estimativa de arrecadação com as medidas previstas na MP.
“É uma redução importante, mas muito melhor do que não votar a MP”, declarou Zarattini, ao defender o esforço de consenso para evitar a caducidade da proposta.
Segundo ele, a votação no Congresso depende apenas de alguns senadores que estão reunidos com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que “não tem resistências ao relatório”. “Acontece que alguns senadores estão dizendo que não tiveram tempo para conhecer melhor o texto e querem tomar pé”, afirmou o parlamentar.
Líderes da base governista também se reuniram na manhã desta terça-feira para alinhar a tramitação da medida. Ao final do encontro, Zarattini negou que houvesse mudanças estruturais em seu relatório: “São apenas algumas correções”, limitou-se a dizer.
Zarattini destacou ainda que, pela primeira vez, o país está aumentando o imposto de renda sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP), mecanismo usado por grandes empresas para reduzir carga tributária.
“O governo toma esta atitude para garantir que, no ano que vem, a gente tenha a continuidade dos programas sociais, dos investimentos na educação e na saúde. Vamos lutar para aprovar este projeto na terça-feira e, na quarta-feira, no Senado.”
O governo e o partido do presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores, contam e convocam publicamente a mobilização da sociedade civil para pressionar o Congresso a aprovar a medida, considerada vital para o equilíbrio fiscal do país e para a correção de distorções no sistema tributário nacional.
O que muda se a Taxação BBB for aprovada
A MP 1303 foi editada em junho para compensar a perda de arrecadação causada pela derrubada parcial do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no Congresso. O texto eleva tributos sobre fintechs, casas de apostas, grandes investidores e rendimentos financeiros.
Entre as medidas, estão:
- aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das fintechs de 9% para 15%, aproximando-as dos bancos tradicionais, que pagam 21%;
- criação do “RERCT Litígio Zero Bets”, para tributar retroativamente as apostas eletrônicas operadas antes da regulamentação;
- aumento da tributação sobre aplicações financeiras para 18%, unificando faixas que variavam entre 15% e 22,5%;
- manutenção da isenção para LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas, após negociação com o Congresso;
- tributação de 17,5% sobre ativos digitais (como criptomoedas), com um programa temporário de regularização para quem quiser declarar bens omitidos.
Com esses ajustes, a previsão de arrecadação, que poderia chegar a R$ 35 bilhões, foi reduzida para R$ 17 bilhões em 2026, segundo o relator. Ainda assim, o governo considera o valor essencial para o equilíbrio fiscal.
“É difícil cortar privilégios”, diz Haddad
Durante as negociações, Haddad destacou a dificuldade política de enfrentar privilégios tributários enraizados no sistema brasileiro. “É difícil, porque as pessoas vêm para cá e começam a insistir que vai acabar o mundo. E os privilégios, para serem cortados, exigem muita tenacidade, muita determinação, sobretudo por parte da área econômica”, afirmou o ministro.
“O que a gente está fazendo é mostrando que há privilégios que não fazem mais sentido. E quando um privilégio tributário não faz sentido, ele tem que ser cortado, porque está fazendo falta para alguém que está precisando mais do que aquele empresário”, disse.
Para Haddad, o relatório final representa um texto de consenso possível, que mantém o espírito da proposta original. “Depois dos esclarecimentos feitos, parece que o calendário vai seguir seu caminho, evidentemente com o aval do governo. Estamos confiando que a condução do Zarattini está adequada para seguir adiante e produzir o resultado que obtenha os votos necessários”, afirmou.
Justiça tributária e responsabilidade fiscal
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido a MP como parte central da política de responsabilidade fiscal com justiça social. Em julho, ele afirmou que o país precisa reequilibrar a carga tributária sem comprometer programas sociais.
“Estamos fazendo um ajuste tributário para que os mais ricos paguem um pouco, para que a gente não precise cortar dinheiro da educação ou da saúde”, disse.
Lula também lembrou que o governo tem buscado dialogar com o Congresso, mas que não renunciará a medidas que reforcem o financiamento de políticas públicas.
“O governo brasileiro tem o direito de propor o IOF, sim, e não estamos propondo aumento de imposto. Estamos fazendo um ajuste para que os mais ricos paguem um pouco. Houve pressão das bets, das fintechs, e o dado concreto é que o interesse de poucos prevaleceu”, afirmou.
Segundo o presidente, a MP e outras medidas semelhantes buscam corrigir distorções estruturais. “Se eu não entrar com recurso no Poder Judiciário, se não for à Suprema Corte, eu não governo mais o país. O Congresso legisla e eu governo”, disse.
Impactos e projeções de arrecadação
De acordo com a Receita Federal, a MP deverá elevar a arrecadação federal em R$ 10,5 bilhões neste ano e R$ 20,8 bilhões em 2026.
As projeções incluem:
- R$ 10 bilhões anuais com o endurecimento das regras de compensação tributária;
- R$ 4,9 bilhões com o aumento do Imposto de Renda sobre JCP;
- R$ 1,7 bilhão com a taxação das bets;
- R$ 1,5 bilhão com o reajuste sobre fintechs;
- R$ 2,6 bilhões com o fim de isenções para títulos privados incentivados.
Esses números reforçam o papel da MP na meta de equilíbrio fiscal estabelecida pela Lei do Arcabouço Fiscal, segundo a qual o governo busca zerar o déficit primário até o fim de 2025 sem comprometer investimentos sociais e infraestrutura.
A reta final e os próximos passos
Após a aprovação na comissão mista, a MP 1303 segue para votação no plenário da Câmara ainda nesta terça (7), devendo ser analisada pelo Senado até esta quarta (8). Caso não seja aprovada nas duas Casas, perde validade.
O Planalto tenta mobilizar sua base aliada e partidos do centro para garantir a aprovação, em meio a um cenário de pressão econômica e disputa política.
A expectativa é que, com a votação expressa, o governo evite a caducidade e reafirme o compromisso com um sistema tributário mais justo e equilibrado, fazendo valer a máxima de “quem pode mais, contribui mais”.