Em 2023, Fux classificou o 8 de janeiro como “atos criminosos inimagináveis contra a democracia”. Agora, absolveu Bolsonaro e aliados, abrindo divergência no Supremo. Acesse aqui a revista completa

Quarto dia de julgamento: Fux absolve Bolsonaro e outros cinco réus dos crimes da trama golpista
O ministro Luiz Fux durante a leitura de seu voto no julgamento da trama golpista: foram quase 13 horas de sessão, com apenas três breves pausas ao longo do dia
Foto: Agência Brasil

Colaborou Kriska Carvalho

O quarto dia do julgamento da tentativa de golpe de Estado protagonizada por Jair Bolsonaro e seus aliados foi marcado por um voto extenso e controverso. Durante quase 13 horas de leitura, o ministro Luiz Fux abriu divergência em relação aos colegas Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que já haviam votado pela condenação.

Na prática, Fux absolveu Bolsonaro e seis dos oito réus da chamada trama golpista, preservando apenas parte das acusações contra Mauro Cid e Braga Netto.

A decisão provocou repercussão imediata, tanto pela mudança de posição em relação ao próprio histórico de votos do ministro quanto pela sinalização política que o gesto carrega. Fux, que havia aceitado a denúncia contra os mesmos réus meses antes, passou a sustentar que o STF não teria competência para julgar o caso, alegando a ausência de foro por prerrogativa de função.

Trama golpista: contradições e divergências

No voto, Fux rejeitou a acusação de organização criminosa, afirmando que não houve “estabilidade” ou “permanência” no grupo e que não existiam armas. Assim, deixou de considerar relevantes episódios já documentados, como o plano de explosão de um aeroporto, conspirações para assassinar autoridades e os ataques de 8 de janeiro de 2023.

A contradição não passou despercebida: meses antes, o próprio ministro havia reconhecido que existiam indícios suficientes para o processo seguir no Supremo. Agora, invocando uma interpretação restritiva sobre foro privilegiado, buscou deslocar o caso para a primeira instância -tese considerada incoerente por especialistas em direito constitucional.

Em 2023, Fux chamou 8 de janeiro de “atos criminosos inimagináveis”

O contraste ficou ainda mais evidente porque, em agosto de 2023, Fux havia classificado os atos de 8 de janeiro como uma afronta direta ao Estado Democrático de Direito. Na ocasião, ao votar pela suspensão da lei que pretendia instituir o “Dia do Patriota”, afirmou que as invasões e depredações das sedes dos Três Poderes em Brasília resultaram em “atos criminosos inimagináveis em um Estado de Direito” e deveriam ser lembrados com “repúdio constante”.

Um ano depois, ao absolver Jair Bolsonaro de todos os crimes relacionados à mesma trama, o ministro abriu espaço para críticas ainda mais duras sobre a coerência de sua postura.

Repercussão negativa entre juristas

Juristas ouvidos pela imprensa criticaram duramente a posição do ministro. Para Lenio Streck, Fux mudou de entendimento de forma incoerente: “Ele aceitou o processo sob a lógica do in dubio pro societate e agora passou para o in dubio pro reo”.

Na mesma linha, Pedro Serrano afirmou que remeter o caso à primeira instância seria “anárquico”, já que a própria Corte foi vítima direta dos ataques de 8 de janeiro. O advogado Fernando Fernandes avaliou que Fux ficará isolado, lembrando que o plenário já decidiu reiteradas vezes pela competência do STF. Já Marco Aurélio de Carvalho destacou a contradição de postura: “Fux sempre foi um dos ministros mais duros, raramente concedendo benefícios processuais. Que essa mudança não seja apenas para os poderosos”.

Quarto dia de julgamento: Fux absolve Bolsonaro e outros cinco réus dos crimes da trama golpista

“In Fux We Trust”: um histórico de incoerências

A divergência de Fux também resgatou memórias incômodas. A expressão “In Fux We Trust”, revelada pela Vaza Jato em mensagens entre Deltan Dallagnol e Sérgio Moro, voltou às redes sociais como símbolo de proximidade entre o ministro e setores da Lava Jato e da direita política.

Na época, Dallagnol relatou que Fux teria dito que a força-tarefa poderia “contar com ele para o que precisasse”.

Moro respondeu: “Excelente. In Fux We Trust”. O episódio, de 2016, já havia levantado questionamentos sobre a independência do ministro em julgamentos de alta carga política.

Impacto político e próximos passos

O voto de Fux fortaleceu a narrativa da extrema-direita, que celebra o gesto como vitória parcial. Mas, na prática, a regra processual limita os efeitos: apenas um voto divergente não permite a apresentação de embargos infringentes, recurso que exigiria ao menos dois votos vencidos.

O julgamento será retomado nesta quinta-feira, 11 de setembro, com os votos esperados da ministra Cármen Lúcia e do ministro Cristiano Zanin. A expectativa é que a maioria mantenha a competência do Supremo para julgar os crimes da trama golpista.