Moraes vota para condenar Bolsonaro como líder de organização criminosa no STF
No terceiro dia de julgamento, Alexandre de Moraes vota pela condenação de Jair Bolsonaro e do núcleo do golpe; Flávio Dino acompanha, rejeita anistia e reforça que tentativa também é crime. Placar parcial: 2 a 0 pela condenação. Acesse aqui a revista completa

Redação Focus Brasil * | Colaborou Kriska Carvalho
No terceiro dia do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sete aliados no STF, coube ao ministro Alexandre de Moraes abrir a rodada de votos com uma exposição que reorganizou o tabuleiro político e jurídico do país. Em mais de quatro horas, o relator descreveu uma engrenagem que operou muito antes de 8 de janeiro de 2023, vinculando atos preparatórios e executórios à tentativa de golpe de Estado.
“O que está em julgamento não é discurso político, não são especulações. São crimes documentados, com provas robustas”, afirmou o ministro. E cravou: “Esse julgamento não discute se houve ou não tentativa de golpe. Isso é fato. O que se discute é a autoria.”
A liderança de Bolsonaro
Moraes repetiu pelo menos 21 vezes ao longo do voto: Bolsonaro era o líder da organização criminosa. Sua imagem aparecia em destaque nos slides projetados no plenário. “O réu Jair Messias Bolsonaro deu sequência a essa estratégia golpista estruturada pela organização criminosa, sob a sua liderança, para já colocar em dúvida o resultado das futuras eleições, sempre com a finalidade de obstruir o funcionamento da Justiça Eleitoral, atentar contra o Poder Judiciário e garantir a manutenção do seu grupo político no poder.”
O ministro destacou que a trama não começou no dia da invasão às sedes dos Três Poderes, mas em discursos e atos públicos desde 2021, quando Bolsonaro afirmou que só deixaria o poder “morto ou preso”.
Moraes citou a minuta golpista encontrada na agenda do general Augusto Heleno, descrevendo-a como um roteiro explícito de ruptura. Relembrou a reunião ministerial de julho de 2022, que classificou como uma “confissão coletiva de golpe”, e o encontro com embaixadores em que Bolsonaro atacou o sistema eleitoral diante de diplomatas estrangeiros.
Também detalhou a tentativa frustrada de explosão no Aeroporto de Brasília, que, se consumada, poderia ter matado centenas de pessoas. “Não se trata de fantasia ou paranoia. Foram atos reais, planejados e articulados”, sublinhou.
A minuta e o Punhal Verde e Amarelo e o uso do Estado
Um dos momentos mais duros foi a análise do chamado Plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato de autoridades, entre elas o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio Moraes. “Isso não foi impresso em uma gruta ou em um porão de terroristas. Foi impresso no Palácio do Planalto”, afirmou.
Ironizando a versão defensiva, acrescentou: “É ridicularizar a inteligência do tribunal dizer que se imprimiu esse plano para fazer barquinhos de papel.”
Para Moraes, o golpe só não se consumou porque foi contido a tempo. Mas a utilização da máquina pública foi inequívoca. Ele lembrou que Bolsonaro atrasou a divulgação do relatório das Forças Armadas sobre as urnas, usando a estrutura militar para manter a narrativa de fraude.
O relator também classificou como “acintosa” a atuação da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições, quando operações dificultaram o acesso de eleitores às urnas no Nordeste.
Ao tratar de mensagens entre Bolsonaro e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, Moraes foi categórico: “Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro. Isso é uma mensagem do diretor da Abin para o então presidente da República.” O conteúdo das conversas, usado em lives oficiais, reforçou a tentativa de desacreditar as urnas.
O relator também rebateu críticas às delações, especialmente a de Mauro Cid. “São oito depoimentos sobre fatos diversos, não contraditórios. Alegar o contrário beira a litigância de má-fé. O juiz não é uma samambaia jurídica.”
Flávio Dino: sem anistia, sem relativização
Em seguida, o ministro Flávio Dino acompanhou Moraes na condenação de todos os réus, mas diferenciou os graus de participação de Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Paulo Sérgio Nogueira. Para Dino, eles tiveram atuação de “menor importância”, ainda que inserida na engrenagem golpista.
Ele foi direto ao ponto sobre a pauta da anistia: chamou projetos nesse sentido de “no mínimo pornográficos” e lembrou que crimes contra o Estado Democrático de Direito são imprescritíveis e não podem ser objeto de indulto ou perdão.
Dino também criticou a intimidação digital e pressões externas: “Me espanto com alguém imaginar que alguém chega ao Supremo e vai se intimidar com um tweet. Será que alguém acredita que um cartão de crédito ou o Mickey vão mudar um julgamento no Supremo?”
Rebatendo a tese de que atos preparatórios não configuram crime, Dino foi claro: “O nome do plano não era Bíblia Verde e Amarela, era Punhal Verde e Amarelo. Os acampamentos não foram em portas de igreja, foram em portas de quartéis. Se reza nos quartéis é a fuzis, metralhadoras e tanques.”
Para ele, a Justiça não pode ser torcida organizada: “Quando o árbitro marca pênalti para o meu time, é um herói; quando marca para o outro, é o pior. Mas o árbitro é o mesmo e as regras são as mesmas.”
Com os votos de Moraes e Dino, o placar está em 2 a 0 pela condenação. Ainda faltam se pronunciar Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente da 1ª Turma. Bastam três votos para formar maioria.
As próximas sessões devem se concentrar na dosimetria das penas e nas divergências pontuais. Ainda nesta quarta-feira (10), é esperado o voto de Fux.