Vice-líder do Governo diz que fraudes vitimaram aposentados e critica a pauta da anistia: “É uma agressão ao povo e à democracia”

Alencar Santana: “O esquema do INSS é algo muito engenhoso, muito elaborado”
Foto: Câmara dos Deputados

Após três semanas de CPMI, o deputado Alencar Santana (PT-SP) afirma que o esquema de desvio no INSS tem raízes no governo Bolsonaro e revela a participação de servidores estratégicos.

 “Quem eram as verdadeiras figuras por detrás e beneficiadas? Havia envolvimento de quem estava na direção do INSS ou do Ministério da Previdência? Ou seja, quem dava sustentação a esse golpe, a esse roubo? É algo muito engenhoso, muito elaborado. E vitimou pessoas que eram, e continuam sendo, as beneficiárias das aposentadorias e pensões.”

O parlamentar destacou a trajetória meteórica de José Carlos Oliveira, servidor que, após o golpe de 2016, ocupou cargos de superintendente em São Paulo, diretor de Benefícios, presidente do INSS e, por fim, ministro da Previdência. “Ele vai assumindo um cargo, depois pulando para outro, e sempre deixando um rastro, porque indica alguém de confiança para ocupar o posto que deixa para trás. Dessa forma, vai montando um time.”

Alencar também relacionou o caso ao debate da anistia. “A anistia é uma agressão ao nosso povo, ao nosso país, às pessoas que foram às urnas votar. É também uma agressão à memória de tudo o que sofremos, como o golpe de 1964. E, ao mesmo tempo, um incentivo para que coisas semelhantes possam ocorrer no futuro.”

Para o deputado, o ambiente da CPMI é “insalubre” pela agressividade da oposição, mas o trabalho segue: “É muito importante o apoio da militância. Quero convidar o nosso povo a acompanhar e compartilhar as nossas redes para nos ajudar a fazer o enfrentamento.”

Ontem a CPMI ouviu o ex-ministro Carlos Lupi na condição de convidado, qual a sua avaliação desse depoimento?

Na semana passada a CGU instaurou 40 Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) contra 38 associações e 3 empresas, relacionados a fraudes nos descontos associativos sobre benefícios pagos pelo (INSS) a aposentados e pensionistas, ou seja, o governo está fazendo sua parte e atuando para combater atos ilícitos. Gostaria de saber a sua opinião sobre como a insistência na pauta da anistia se relaciona com essas práticas fraudulentas dentro de órgãos de governo, podemos estabelecer esse paralelo?

Foram realizadas 7 reuniões até o momento, ainda é cedo, mas o que já foi revelado sobre o esquema que ainda não tinha sido apurado pela PF?

Primeiro, é importante que tenhamos claro que esta é uma novela longa. Serão muitos capítulos. Nós ainda estamos apenas na terceira semana, ou seja, em um momento muito incipiente. Mas, sem dúvida, vai ficando cada vez mais claro que houve, no governo anterior, um ponto de partida no qual entidades fraudulentas, entidades laranja, com a conivência ou mesmo a participação de pessoas no INSS e de algumas figuras políticas, que entraram e passaram a se organizar de forma crescente para aplicar esses descontos, esses roubos que atingiram aposentados e pensionistas. Isso foi repetido por todos que se manifestaram até agora. Todos. A representante da AGU, advogado, delegado, o ex-ministro. Além disso, os documentos e algumas informações que conseguimos reunir também apontam nessa direção. 

Ontem, confrontei um senador do PL, do Distrito Federal, em relação a algo que ele havia mencionado a mim em um debate, que ele reafirmou durante a CPMI, diante de uma indagação: de que ele tomou conhecimento, no final de 2018, ainda no governo de transição, e entregou ao presidente eleito Bolsonaro, e nada foi feito. Pelo contrário, não é? 

Eu não tenho dúvida de que, no decorrer do trabalho, ao longo do tempo e das reuniões da CPMI, isso vai ficando cada vez mais claro. Agora, nós precisamos chegar ao essencial. Quem eram as verdadeiras figuras por detrás e beneficiadas? Havia participação política de quem? Havia envolvimento de quem estava na direção do INSS ou do Ministério da Previdência? 

Ou seja, quem dava sustentação a esse golpe, a esse roubo? É algo muito engenhoso, muito elaborado. E vitimou pessoas que eram, e continuam sendo, as beneficiárias das aposentadorias e pensões. Então, nós temos que chegar, de fato, a isso: a quem está por trás do negócio. Esse tem que ser o objetivo central e é o nosso objetivo.

Já dá pra identificar qual é a origem desse esquema? 

Olha, existem alguns personagens. Um deles já ficou bastante exposto, a imprensa deu muita visibilidade: o Careca, que é o Camisotti, um lobista, e um outro empresário. Há também uma pessoa de quem se fala muito, mas em relação à qual ainda precisamos avançar de fato, que é o tal do Oliveira. Quando o Lula vence em 2002 e toma posse em 2003, há 22 anos, ele era servidor de carreira do INSS. Ele sai do INSS e, segundo informações, teria afirmado que não trabalharia em governo de petista. 

Ele só retorna ao INSS depois do golpe em 2016. Ficou fora todo esse período. E retorna a um cargo alto: superintendente do INSS em São Paulo, já no governo Temer. Volta, portanto, depois do golpe em 2016, governo Temer. E ali assume como superintendente, ou seja, comandando e organizando todo o estado de São Paulo. Quando Bolsonaro vence, ele continua como superintendente. 

Em seguida, vem para Brasília como diretor de Benefícios, a diretoria responsável pela assinatura dos convênios com as entidades, convênios que permitem que essas entidades realizem os descontos. Ele assume como diretor de Benefícios. Assina convênios que pessoas que estavam lá antes já não queriam assinar, mas ele assina diretamente. Algum tempo depois, passa a ser presidente do INSS e, posteriormente, ministro da Previdência.

Então, ele tem uma carreira meteórica no governo Bolsonaro: quatro cargos. Superintendente — nos governos Temer e Bolsonaro —, diretor de Benefícios no governo Bolsonaro, presidente do INSS no governo Bolsonaro e, por fim, ministro da Previdência, também no governo Bolsonaro. É o último ministro. Só que ele vai assumindo um cargo, depois pulando para outro, e sempre deixando um rastro, porque indica alguém de confiança para ocupar o posto que deixa para trás. 

Assim, ele sai de superintendente e nomeia um aliado, vai para diretor de Benefícios. Sai da diretoria de Benefícios, nomeia outro para o cargo em São Paulo. Depois nomeia mais um em São Paulo, assume a presidência do INSS, e assim vai construindo a sua trajetória. Dessa forma, vai montando um time. Ele assinou alguns ACTs que levantam muitas suspeitas, e justamente as entidades que entraram nesse período foram as que mais cresceram — e até continuaram no nosso governo, porque, em tese, não havia desconfiança de irregularidades. Essas entidades realizavam os descontos e parte da equipe dele estava envolvida. 

Talvez, e é preciso reconhecer, tenha havido uma falha: no INSS todos os servidores são de carreira, em qualquer cargo, e isso pode ter dado a aparência de normalidade. Uma coisa é o INSS, outra coisa é o Ministério da Previdência. No INSS, todos são de carreira. Essas figuras de carreira, que estavam em postos de comando, parte delas continuou no nosso governo porque, como disse o ministro ontem, eu achei que eram competentes, tinham currículo, estavam ali, enfim, considerei que eram servidores de carreira e que não tinham lado político. 

Uma certa inocência, não é? E, na prática, era a turma do Oliveira. Agora, nós precisamos chegar a um elo, a alguma materialidade concreta, de fato, envolvendo o Oliveira, uma figura ligada ao PL. E reparem: quando o Lula ganhou em 2002 e tomou posse em 2003, ele saiu. Depois, volta no período pós-golpe, em 2016. E assim que o Lula ganha novamente, ele sai do INSS, ele pede licença outra vez. Então, nós temos que chegar nessa figura e através dela, nós vamos chegar a muita gente.

Qual a sua avaliação do depoimento do ex-ministro Carlos Lupi ontem, em que mesmo na condição de convidado, ele sofreu ameaças constantes dos deputados da oposição, perguntando se ele tinha habeas corpus etc.? Ou seja, ele não era testemunha, ele era convidado, foi tratado como testemunha. E como é que o senhor avaliou a contribuição dele por ter sido logo o primeiro que fez questão de participar logo no início da CPMI?

Primeiro, a transparência, a disposição de vir até aqui, de não recuar. Ele foi convidado, portanto poderia ter escolhido não comparecer. Mas respondeu a tudo com muita disponibilidade, em todas as respostas foi muito claro, muito franco, muito seguro, trazendo explicações e dados realmente pertinentes, muito consistentes. Eu acho que ele se saiu muito bem. A oposição, se tinha algum objetivo maior com a vinda dele, acabou se dando mal, porque não conseguiu extrair nada que pudesse comprometer diretamente a gestão dele, muito menos o governo. E ele explicou muito bem o que aconteceu: quando tomou conhecimento, já era bem mais adiante, quando a operação, de fato, estourou, e deixou claro também que parte dessas entidades vinha lá de trás. Acho que foi muito bom, foi um depoimento muito positivo. Gostei.

Na semana passada, a CGU instaurou 40 processos administrativos de responsabilização contra 38 associações e 3 empresas. Esse é o resultado do trabalho que a PF realizou com relação ao INSS, Ou seja, o governo está fazendo a sua parte e atuando para combater os ilícitos dentro do INSS, como o senhor já descreveu, começou muito antes, até de 2003. Qual é a sua opinião sobre a insistência na pauta da anistia no Congresso e como é que ela se relaciona com essas práticas fraudulentas dentro dos órgãos de governo? Será que a gente pode estabelecer esse paralelo?

Muito. Podemos, sim. O primeiro ponto é que a anistia não tem sentido em prosperar. A anistia é uma agressão ao nosso povo, ao nosso país, às pessoas que foram às urnas votar e ali manifestaram sua opinião, a quem defende o Estado Democrático de Direito, as instituições, não dá para permitir que um crime tão grave como a tentativa de golpe seja esquecido. E mais: a anistia também é uma agressão à memória do nosso povo, que já sofreu outros golpes, como o de 1964, que durou 21 anos, com perseguições, mortes, tortura, cassação de mandatos e tantas outras violências. Então, é uma agressão à memória de tudo o que nós sofremos e, ao mesmo tempo, um incentivo para que coisas semelhantes possam ocorrer no futuro. Ou seja, são várias agressões reunidas nessa pauta. Essa turma bolsonarista, essa turma do PL, não tem zelo, não tem amor pela coisa pública. Não tem respeito pelo que é público. Dizem que defendem a ordem, a liberdade, tudo balela. O que defendem é a porrada, a ordem imposta pela porrada, e os seus interesses pessoais, financeiros e de pequenos grupos. Então, quando deixam que isso ocorra no INSS, mesmo com avisos repetidos de que havia fraudes, e não fazem nada, isso representa, no mínimo, a ausência de zelo, de cuidado, de atenção com a coisa pública  e, ao mesmo tempo, a participação de parte desse time nesses grupos de irregularidades. Porque é isso: não é algo deles, estão lesando aquele cidadão humilde, coitado, que muitas vezes nem sabe, está sendo enganado, e eles agem como se estivesse tudo bem. Da mesma maneira, a anistia representa um menosprezo tremendo pela coisa pública, pela sociedade, pelos valores, em nome de algo pessoal, restrito e, nesse caso, familiar. Então tem muita relação. Mesmo aqueles que estão na oposição na CPMI, tentando negar o que ocorreu no governo deles e tentando apontar o dedo para nós, são os mesmos que agora defendem a anistia com muito vigor. Isso porque o apreço deles pela coisa pública, pela democracia, pelo que é do povo é zero. Literalmente zero. Mas eu tenho certeza de que eles serão novamente derrotados na CPMI e também serão derrotados na questão da anistia.

Parece que é difícil estar ali, a gente vê um ambiente super tóxico. Eu gostaria que o senhor comentasse um pouco sobre isso. Primeiro, como é que o senhor consegue ficar nesse espaço durante tantas horas e como que isso, esse tratamento que eles dão a esse comportamento tóxico e agressivo? 

De fato, é isso. É um espaço insalubre. Porque é um debate na política com muita agressividade da parte deles. Sem qualquer respeito, sem cordialidade. Em qualquer ambiente, você tem a cordialidade do amigo, do colega, o respeito mútuo, isso não quer dizer que você vai concordar com o pensamento do outro. Não significa dizer: “olha, você está certo”, ou querer que a pessoa diga que nós estamos certos. Não. A divergência é natural na política: de ideias, de comportamento, de visões de mundo, de interpretações. Mas eles são muito agressivos, e isso gera, naturalmente, um ambiente carregado, pesado, exaustivo, cansativo ao longo do trabalho. Isso ocorre também em algumas outras comissões. Se você pegar a Comissão de Segurança, é idêntico, um horror. Se pegar a CRE, a Comissão de Relações Exteriores, é uma barbaridade, e isso se repete em outras. De fato, nós vamos ter que tomar muito calmante ao longo desse tempo e cuidar muito do estômago, porque o debate vai ser longo, duro e difícil de encarar.

Eles gritam o tempo inteiro ou é só quando as câmeras estão ligadas, quando eles estão usando o microfone? É sempre desse jeito? 

Você tem alguns que são assim, outros são personagens. Tem alguns com quem você consegue conversar, mas a maioria, esses mais agressivos, de fato, deixam a convivência muito difícil. E assim é no parlamento: eu já fui vereador, deputado estadual, e agora, como federal, a gente conversa com o outro, é normal. Você toma água, senta para tomar um café no ambiente, pergunta como a pessoa está, como não está. As pessoas têm vida, né? Mas tem alguns ali com quem você não consegue, minimamente, estabelecer uma relação de “bom dia”. Porque eles não cumprimentam, não iniciam qualquer conversa ou são agressivos desse jeito.

Como é que está o seu trabalho? Porque está acumulando deputado federal, seu próprio mandato, o cargo de vice-líder. Então, qual é o trabalho que o senhor está fazendo agora para se preparar para essa próxima reunião e qual é a sua expectativa sobre esse depoimento?

Primeiro, tem o trabalho da assessoria, que é muito bom, muito competente aqui das lideranças da Câmara e do Senado, da CPMI mista. Quem coordena o nosso trabalho na CPMI é o deputado Paulo Pimenta, dos dois grupos, senadores e deputados. Lógico que é uma atividade compartilhada, mas estamos nos preparando, buscando elementos para poder indagar essa que é uma figura central nesse processo, o Oliveira, por isso, vamos nos preparar para extrair informações importantes. 

Também é muito importante o apoio da militância, por isso quero convidar o nosso povo, a nossa militância a acompanhar, compartilhar as nossas redes, dos deputados do PT que estão lá. Eu, Rogério Corrêa, Paulo Pimenta, do Orlando Silva, do PCdoB, de outros aliados, dos senadores, Randolfe Rodrigues, Leila do Vôlei, Senadora Augusta, também do PT, Rogério Carvalho, para nos ajudar a fazer o enfrentamento na rede, que é muito importante.