Governo anuncia projetos para regular big techs e proteger crianças no ambiente digital; AGU aciona Meta
O governo Lula avança na regulação das plataformas digitais: AGU notifica a Meta, governo prepara o “ECA Digital” e dois novos projetos de lei sobre conteúdo e concorrência das big techs; Leia a revista completa

Foto: Arte Focus Brasil sobre imagem da Agência Brasil
A repercussão do “caso Felca” — denúncias feitas pelo criador de conteúdo Felipe Bressanim sobre a “adultização” de crianças nas redes — acendeu um alerta no país e arrastou o tema da regulação digital para o centro do debate público.
O assunto dominou as redes, entrou em programas de grande audiência, como Fantástico e Altas Horas, no último final de semana, e acelerou reação do governo.
Em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua equipe consolidaram uma ofensiva em três frentes: a ação da Advocacia-Geral da União (AGU) contra chatbots de erotização infantil hospedados na Meta, o apoio à tramitação do PL 2628/2022, conhecido como “ECA Digital”, e o envio ao Congresso de dois novos projetos de lei que miram a regulação de conteúdo e a concorrência das big techs.
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AGU mira chatbots e exige providências imediatas
A primeira frente coube à AGU, que notificou extrajudicialmente a Meta, controladora de Instagram, Facebook e WhatsApp, pela manutenção em suas plataformas de chatbots que simulam perfis infantis e reproduzem diálogos de teor sexual.
O documento, elaborado pela Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia a partir de demanda da Secretaria de Comunicação Social, citou reportagens da Reuters e do Núcleo Jornalismo para sustentar a gravidade da denúncia.
Na notificação, a AGU pede a imediata retirada desses bots, a indisponibilização de novos recursos semelhantes e informações claras sobre quais medidas a empresa adota para proteger crianças de conteúdos eróticos.
O texto lembra que os próprios Padrões da Comunidade da Meta já proíbem esse tipo de material e destaca que, segundo decisão recente do Supremo Tribunal Federal ao julgar o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, as plataformas podem ser responsabilizadas quando, cientes de ilícitos, não agem para removê-los.
O governo sustenta que o caso é emblemático: ao permitir a circulação de chatbots que exploram a aparência e a linguagem infantil em diálogos de caráter sexual, a empresa viola a lei brasileira, além de seus próprios termos de uso.
A atuação da AGU marca a posição de que a proteção da infância deve ser prioridade, com imposição de deveres equivalentes aos já aplicados a outros setores de serviços e consumo.
Macaé Evaristo: “O que é crime no físico, é crime no digital”
Câmara discute “ECA Digital”
Na Câmara dos Deputados, o presidente Hugo Motta pautou para esta quarta-feira uma comissão geral sobre segurança on-line de crianças e adolescentes. São mais de 60 projetos em tramitação, mas o PL 2628/2022, apelidado de “ECA Digital”, ganhou tração após as denúncias de Felipe Bressanim e pode ter regime de urgência aprovado para ir direto ao Plenário.
O texto prevê medidas “razoáveis” para restringir o acesso de menores a conteúdos ilegais ou impróprios, reforça ferramentas de controle parental e exige verificação etária mais robusta — superando o modelo atual de autodeclaração.Paralelamente, o Executivo busca acelerar no Congresso o andamento do PL 2628/2022, aprovado no Senado e hoje em análise na Câmara.
Conhecido como “ECA Digital”, o projeto estabelece responsabilidades às plataformas no combate a conteúdos ilegais ou impróprios, reforça ferramentas de supervisão parental e exige sistemas de verificação etária mais confiáveis do que a atual autodeclaração.
A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, foi enfática ao defender a proposta: “A letra da lei precisa traduzir, de forma amigável, limites e obrigações. O que é crime no mundo físico é crime no ambiente digital”, disse em entrevista ao programa “Voz do Brasil”, retransmitido em emissoras de rádio do país.
Ela acrescentou que o governo prepara um segundo projeto para tratar especificamente de influenciadores mirins e do trabalho infantil no digital, estabelecendo responsabilidades para famílias, produtores de conteúdo e plataformas.
Segundo Macaé, a legislação precisa acompanhar a realidade de um ambiente virtual que se tornou central na vida de crianças e adolescentes, mas que, até hoje, tem operado com lacunas de fiscalização.
A ministra reforçou ainda a importância do Disque 100 como canal de denúncias, agora integrado a sistemas de resposta articulados em todo o país.
“O que é crime no mundo físico é crime no ambiente digital”, afirmou a ministra Macaé Evaristo
Lula anuncia regulação de conteúdo e concorrência
No campo legislativo, Lula confirmou que o Executivo finaliza dois projetos que serão enviados ao Congresso. O primeiro tratará da regulação de conteúdo, impondo deveres de prevenção, canais de notificação de ilícitos e relatórios periódicos de moderação de riscos. O segundo abordará a regulação econômica, voltada a coibir práticas anticoncorrenciais de grandes empresas digitais.
“Vamos regulamentar, porque é preciso criar o mínimo de comportamento e procedimento no funcionamento de uma rede que fala com crianças e adultos e pela qual, muitas vezes, ninguém assume responsabilidade”, afirmou Lula. Para o presidente, “liberdade de expressão não é licença para mentir, promover ódio ou execrar a vida dos outros”.
O desenho prevê que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a ser rebatizada como Agência, atue como regulador setorial.
“Liberdade de expressão não é licença para mentir, promover ódio ou execrar a vida dos outros”, disse Lula
A proposta autoriza aplicação de advertência, multas e até suspensão temporária de serviços em casos de descumprimento reiterado. Diferentemente do modelo de moderação individual de postagens, a análise será sistêmica, observando condutas e políticas das plataformas em sua totalidade.
No campo da concorrência, o projeto prevê a criação de uma Superintendência de Mercados Digitais no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), responsável por investigar e aplicar remédios contra práticas como taxas abusivas em lojas de aplicativos, venda casada e opacidade em buscadores.
Principais medidas e disputa política
O núcleo da proposta em debate no Congresso inclui quatro pontos: supervisão parental simplificada; verificação de idade robusta; dever de prevenção e canais de denúncia; e separação objetiva entre caixas de recompensa de jogos infantis e mecânicas monetizadas de apostas.
Mais de 270 organizações da sociedade civil, entre elas Instituto Alana, Fundação Abrinq, Pastorais da Criança, Coalizão pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes e Fundação Roberto Marinho, assinaram manifesto em defesa da aprovação do PL 2628. “Famílias e Estado precisam do compromisso inequívoco do setor empresarial com o ECA”, registram.
Oposição obstrui e joga a favor das big techs
Na Câmara, partidos de oposição anunciaram que vão tentar barrar a tramitação do PL 2628 e dos novos projetos do Executivo. O discurso insiste na tese de que a regulação seria uma forma de “censura” contra usuários e influenciadores digitais.
Na prática, porém, a obstrução revela oportunismo político e atua como linha auxiliar das big techs, que resistem a assumir deveres equivalentes aos de outros setores já regulados. Ao defender as plataformas estrangeiras em vez da proteção da infância, a oposição se coloca contra uma agenda que conta com apoio de organizações da sociedade civil e da base governista.
O Planalto aguarda a resposta da Meta à notificação da AGU e pretende enviar os dois novos projetos após a votação do PL 2628.
A expectativa é de que o debate em Plenário seja acelerado, impulsionado pela mobilização da opinião pública e pelo apoio de organizações especializadas na proteção da infância.