‘Como garantir que a Lei Rouanet seja democrática e nacional?’, por Henilton Menezes
“A gestão da Lei Rouanet deve ser democrática e pautada pela escuta dos agentes culturais”, afirma Henilton Menezes, secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC. Leia revista completa

A atual gestão do Ministério da Cultura (MinC) estabeleceu como uma das prioridades promover a distribuição mais justa dos recursos oriundos da Lei Rouanet entre todos os estados brasileiros. No entanto, é necessário que a Lei tenha o seu funcionamento compreendido.
A Lei Rouanet, criada em 1991, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com três mecanismos de financiamento: Incentivo a Projetos Culturais, Fundo Nacional de Cultura (FNC) e Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). Na gênese da Lei, esses três mecanismos deveriam atuar de forma articulada, compondo o sistema de financiamento da cultura brasileira.
O mecanismo Incentivo a Projetos Culturais tem como receita parte do Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas, mediante incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal. Atualmente, 97% da receita desse mecanismo provém do Imposto de Renda das empresas.
Devido à concentração de grandes empresas em regiões brasileiras economicamente mais desenvolvidas, e considerando ainda que a Lei determina que apenas as empresas optantes pelo regime tributário do Lucro Real podem se beneficiar desses incentivos fiscais, os investimentos tendem a seguir a mesma lógica concentradora. Cabe ao MinC avaliar os projetos que atendem aos requisitos da Lei, enquanto o investidor (pessoa jurídica ou física) escolhe em qual projeto fará seu investimento.
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O FNC, segundo mecanismo, foi criado para servir como instrumento equalizador da distribuição dos recursos da Lei. Entre seus objetivos estão: estimular a distribuição regional equitativa dos recursos aplicados em projetos culturais e artísticos e favorecer uma visão interestadual, incentivando projetos que explorem propostas culturais conjuntas de enfoque regional.
O Ficart, terceiro mecanismo, é um instrumento de financiamento reembolsável que complementaria essa arquitetura de financiamento. Entre seus objetivos estão investir na produção comercial de espetáculos teatrais, de dança, música, canto, circo e atividades congêneres, além da edição comercial de obras relacionadas às ciências, letras e artes, bem como obras de referência e outras de cunho cultural.
Apesar de ter sido oferecido como fundo de investimento em plataformas voltadas para captação de investidores, os Ficarts não atraíram interesse, diante de outras opções de investimento disponíveis, pois não foram oferecidos incentivos fiscais para sua composição.
Nesse cenário, o MinC tem atuado fortemente na melhoria da distribuição dos recursos do mecanismo Incentivo a Projetos Culturais, a partir da possibilidade de parcerias com empresas investidoras, incluída no Decreto nº 11.453/2023, que regulamentou a Lei Rouanet e ampliou as possibilidades de atuação nessa distribuição.
Como consequência, foram lançados programas especiais, realizados em parceria com grandes empresas, como o Programa Rouanet nas Favelas, o Programa Rouanet Norte, o Programa Rouanet da Juventude, ações voltadas especialmente para agentes culturais que não tinham acesso a esses recursos. Também foi possível lançar uma ação emergencial para auxiliar os agentes culturais gaúchos após a tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul em 2024, o Programa Rouanet Emergencial RS.
No próximo dia 7/8, o MinC lançará o Programa Rouanet Nordeste, investindo R$ 40 milhões em parceria com sete empresas estatais, com critérios que beneficiarão proponentes da região que ainda não acessaram esses recursos. Ainda este ano, serão lançados dois novos programas: o Programa Rouanet nas Favelas 2, beneficiando cinco capitais brasileiras, e um programa voltado exclusivamente para cidades menores.
Além disso, a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), instituída pela Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, tem como objetivo fomentar e equalizar a cultura em todos os estados, municípios e no Distrito Federal. Em 2023 e 2024, a gestão federal investiu R$ 6,8 bilhões, por meio de repasses da União aos demais entes federativos de forma continuada, no setor produtivo cultural.
Os recursos da PNAB, conforme a Lei, incorporam o mecanismo FNC da Lei Rouanet, promovendo o cumprimento de suas funções e induzindo o equilíbrio na distribuição dos recursos pelo Brasil.
No ciclo de 2024 da PNAB (R$ 3,0 bilhões), aliado ao ciclo do Incentivo a Projetos Culturais (R$ 2,9 bilhões) da Lei Rouanet no mesmo ano, observa-se que o FNC volta a cumprir seu papel equalizador.
Como exemplo, o estado de São Paulo recebeu R$ 1,164 bilhão do Incentivo a Projetos Culturais e R$ 566 milhões do FNC via PNAB, enquanto o Amapá recebeu R$ 888 mil do Incentivo a Projetos Culturais e R$ 22,5 milhões do FNC.
Isso comprova a função equalizadora do FNC. Os recursos da PNAB são direcionados a editais de fomento ou ações diretas dos entes federativos, como festivais populares, aquisição de bens culturais, construção e manutenção de espaços culturais, entre outras iniciativas destinadas a fomentar a cultura local, incluindo regras de acessibilidade e valorização das culturas periféricas.
A pesquisa realizada pelo Ibira30 focou exclusivamente no mecanismo Incentivo a Projetos Culturais, tomando como referência territorial o endereço dos proponentes dos projetos realizados, com base em dados públicos disponíveis na plataforma do MinC.
Embora esses dados mereçam análise, os resultados apresentados, dada a metodologia adotada, não identificam com precisão como os investimentos dos incentivos fiscais são realizados, pois consideram como únicos beneficiários os proponentes e como únicos territórios os registrados no CEP do proponente. Além disso, São Paulo abriga grandes equipamentos culturais mantidos com recursos desse mecanismo, como o MASP, o MAM, a Tomie Ohtake, a Pinacoteca, a Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), entre outros, que possuem orçamentos robustos e desenvolvem atividades que beneficiam diversos territórios da cidade, especialmente por meio de programas educativos voltados para escolas públicas. São Paulo também é sede de proponentes que atuam em outros estados, como a Maná Produções, responsável pelo Festival Folclórico de Parintins (AM), e o Instituto Pedra, especializado em restauro de patrimônio cultural e atuante em todo o Brasil.
O MinC participou do lançamento da pesquisa, realizado na sede da FGV no dia 23 de julho, debatendo com agentes culturais os resultados obtidos. Na ocasião, a Pasta destacou a relevância da pesquisa, ainda que identifique distorções metodológicas, uma vez que a análise requer maior detalhamento.
Para o MinC, a pesquisa ganha relevância pelo interesse de agentes culturais de territórios periféricos em acessar esses recursos e em construir, em conjunto com o Ministério, novas possibilidades, incluindo um diálogo mais intenso com potenciais investidores que atuem naqueles territórios. O MinC também se comprometeu a promover formações para agentes culturais, visando sua inclusão no sistema Pronac.
Entendemos que a gestão da Lei Rouanet, especialmente do mecanismo Incentivo a Projetos Culturais, deve ser democrática e pautada pela escuta dos agentes culturais envolvidos. Por isso, mantemos os canais abertos para sugestões de melhorias.
Nos últimos dois anos, ampliamos significativamente a base de investidores do mecanismo, incorporando novas empresas ao Programa, o que resultou em um aumento expressivo de projetos aprovados e realizados.
No entanto, a dimensão do Brasil exige que olhemos além da cidade de São Paulo, especialmente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que receberam menos investimentos ao longo dos 33 anos de vigência da Lei. Somente na região Norte, nesses dois anos, os investimentos aumentaram 260%. No Nordeste, o crescimento foi de 57%, e no Centro-Oeste, de 117%. No mesmo período, a média nacional de ampliação foi de 41%.
O Minc continua buscando ações de indução de novos investimentos nas regiões historicamente menos favorecidas com a Lei, mediante o diálogo com agentes culturais e investidores, de forma a promover um melhor equilíbrio na distribuição desses recursos tão imprescindíveis para o desenvolvimento da cultura brasileira.
Henilton Menezes é secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura