Jośe Eduardo Cardozo: motim na Câmara exige punição rigorosa a parlamentares; Hugo Motta encaminha pedido de afastamentos
Presidente da Câmara encaminha pedidos de afastamento contra 14 deputados da oposição após invasão e bloqueio da Mesa Diretora; jurista José Eduardo Cardozo vê risco de repetição e defende punição rigorosa; leia a revista completa

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), encaminhou à Corregedoria da Casa pedidos de afastamento por até seis meses contra 14 parlamentares da oposição envolvidos no motim que interrompeu os trabalhos legislativos nos dias 5 e 6 de agosto. As denúncias serão analisadas pela Corregedoria, que examinará imagens e provas, e depois seguirão para deliberação da Mesa Diretora e do Conselho de Ética.
Em entrevista à Focus Brasil, o jurista José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e ex-deputado federal, analisou o episódio e fez alertas. Segundo Cardozo, os parlamentares têm direito à obstrução, mas com limites claros: “Uma questão que é muito importante de ser vista é que o direito à obstrução faz parte do direito parlamentar de quaisquer países democráticos, ou seja, o direito de obstrução é um expediente feito pela minoria com o objetivo de convencer a maioria ou então de forçar uma eventual negociação.”
Ele reforçou, no entanto, que “o que foi feito ali não é um exercício do direito de obstrução, ali foi efetivamente uma barreira física impedindo a sessão”, um fato “inaceitável em qualquer parlamento do mundo, ou seja, parlamentares que fazem isso devem ser rigorosamente punidos por infração ética à atividade parlamentar”.
Cardozo destacou que “a obstrução é regimental e é legítima, mas não obstrução física. Isso é violência, isso não é admissível nem em qualquer órgão colegiado menor, quanto mais no parlamento do Brasil, na Câmara dos Deputados, que é uma casa do Congresso Nacional em que as pessoas foram eleitas para representar o povo”. Para ele, o ocorrido representou “efetiva coação para que o parlamento pudesse funcionar” impondo condições para seu funcionamento, “um verdadeiro absurdo”.

Jurista alerta para riscos à condução da Câmara
O ex-ministro também alertou para os riscos de tolerar ações como essa. “Temo que o presidente Hugo Motta perca o controle da Casa Legislativa. Fui deputado por oito anos e tenho absoluta certeza de que se não houver um tratamento com energia , essa casa ficará incontrolável”, destacou.
“Todos que se julgarem preteridos em alguma situação vão fazer o mesmo, e ao invés de termos um parlamento onde as pessoas falam, vamos ter sessões com agressões físicas, com situações que os braços e os músculos prevalecerão sobre os cérebros e a fala”, alerta Cardozo. “Isso é absolutamente inaceitável na vida democrática.”
A decisão foi tomada pela Mesa Diretora após reunião na sexta-feira (8). Segundo nota oficial, “a fim de permitir a devida apuração do ocorrido, decidiu-se pelo imediato encaminhamento de todas as denúncias à Corregedoria Parlamentar para a devida análise”.
A maioria dos deputados citados pertence ao PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, além de integrantes do PP e do Novo. Eles participaram da ocupação da Mesa Diretora, impedindo o presidente Hugo Motta de retomar os trabalhos.
Deputados citados
Marcos Pollon (PL-MS), Zé Trovão (PL-SC), Júlia Zanatta (PL-SC), Marcel van Hattem (Novo-RS), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Nikolas Ferreira (PL-MG), Zucco (PL-RS), Allan Garcês (PP-TO), Caroline de Toni (PL-SC), Marco Feliciano (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Domingos Sávio (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ).
Acusações e defesas
As acusações incluem impedir fisicamente a retomada da sessão, tomar de assalto e “sequestrar” a cadeira da Presidência, ocupar a Mesa da Comissão de Direitos Humanos, xingar o presidente da Câmara, expor uma criança de quatro meses durante o protesto e suposta agressão ao jornalista Guga Noblat.
Alguns parlamentares negam irregularidades e dizem ter atuado no exercício do mandato. Zé Trovão afirmou que tentou evitar a remoção forçada de colegas. Marcos Pollon alegou ser autista e não compreender a situação. Júlia Zanatta foi denunciada ao Conselho Tutelar pela exposição da filha. Marcel van Hattem chamou a possível suspensão de “golpe”.
Pedidos adicionais de suspensão
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), protocolou na segunda-feira (11) ofício solicitando a abertura de processos disciplinares e suspensão cautelar por seis meses de cinco parlamentares da oposição. O documento foi assinado também por líderes do PSB e do Psol.
Deputados envolvidos e acusações:
Marcos Pollon (PL-MS)
Acusado de impedir a retomada dos trabalhos e xingar o presidente Hugo Motta. Alegou ser autista e não entender a situação, sentando-se na cadeira da Presidência para pedir conselhos a Van Hattem.
Zé Trovão (PL-SC)
Acusado de tentar impedir fisicamente o retorno de Motta à Mesa Diretora. Disse que não incentivou violência, apenas tentou evitar a remoção forçada de parlamentares.
Júlia Zanatta (PL-SC)
Acusada de usar sua filha de quatro meses como “escudo” em meio ao protesto. Críticas por expor a criança a um ambiente de tensão e foi denunciada ao Conselho Tutelar pela exposição do bebê.
Paulo Bilynskyj (PL-SP)
Acusado de “tomar de assalto e sequestrar” a Mesa Diretora e ocupar a Mesa da Comissão de Direitos Humanos. Também citado por suposta agressão ao jornalista Guga Noblat.
Marcel van Hattem (Novo-RS)
Acusado de “sequestrar” a cadeira da Presidência. Postou trecho do Hino Nacional e chamou possível suspensão de “golpe”.
O caso Camila Jara
Inicialmente acusada de agredir Nikolas Ferreira, a deputada Camila Jara (PT-MS) não está entre os alvos. Ela relatou ter sofrido agressões durante a retomada do plenário, rejeitou a acusação de “nocaute” e disse que reagiu instintivamente ao ser pressionada por homens no tumulto. “Não houve soco ou ato violento intencional. Trata-se de uma campanha de difamação que resultou em ameaças à minha integridade física e até à minha vida”, afirmou.
Deputada Camila Jara rebate acusações
Em nota divulgada nesta quarta-feira (7), a deputada Camila Jara (PT-MS) detalhou os acontecimentos ocorridos durante a retomada do plenário pelo presidente Hugo Motta. Ela relatou agressões sofridas durante tumulto na Câmara após a invasão de parlamentares bolsonaristas na última terça-feira (5).
A parlamentar denunciou as pressões que sofreu no meio do tumulto – onde predominavam homens – e rejeitou as acusações infundadas de que teria “nocauteado” o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). “Não me intimidarão com ódio. O diálogo sempre foi e continuará sendo a marca do meu trabalho”, afirmou Camila.
No final da sessão, quando Motta se levantava, Camila Jara se aproximou da mesa e, em meio ao tumulto, esbarrou em Nikolas Ferreira, que caiu. A parlamentar – que tem 1,60m de altura, pesa 49kg e está em tratamento contra um câncer, foi acusada injustamente de ter derrubado o colega com um “soco”.
Em sua defesa, a deputada explicou que reagiu instintivamente ao ser pressionada por homens no meio da confusão, como qualquer mulher faria em uma situação de risco.

Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
“Não houve soco ou qualquer ato violento intencional, como espalharam nas redes sociais. O que existe é uma campanha de difamação, que resultou em centenas de ameaças à minha integridade física e até à minha vida”, declarou.
Na nota, a parlamentar declarou ainda que “não me intimidarão com ódio. O diálogo sempre foi e continuará sendo a marca do meu trabalho”.
Com informações da Agência Brasil e Agência PT